Dir. Wong Kar Wai

China – França – Alemanha – Hong Kong

 

“Todas as lembranças são vestígios de lágrimas” 

 

Que beleza de filme! Que plástica! Que trabalho de atores! Desde a apresentação, as imagens e a música tornam as cenas impactantes e impregnadas de emoção em estado puro e indiscernível. Saímos desconcertados, aturdidos e extasiados. E o amor não é isso? Assistimos a um belo e longo poema sobre o AMOR.  Quem amou quem? Quem perdeu quem? Em que momento? Na vida real? Na ficção? Tudo regado a lágrimas, dor e desencontro. Amor, objeto sempre buscado, pouco alcançado; descanso nunca atingido. É o amor em sua expressão máxima de morte e de vida. Todas as personagens amam e se entregam até à morte, até à loucura, até o desapego de si mesmo e a alienação no outro.

 

É uma grande viagem pelo interno. O filme todo se passa entre pessoas, dentro delas, com elas, na profusão delas e no impacto de cada uma sobre as outras. Há sempre um lugar para onde ir e encontrar o perdido. O elo perdido da história amorosa, da história de si mesmo, da busca de si mesmo. “Em que espelho ficou perdida a minha face?” (Cecília Meireles).

 

No filme, há um lugar em que nada muda, que é em 2046. Em nós, há um lugar, um grande buraco aberto na árvore da vida, em que jogamos lembranças e segredos e depois tapamos. Lá tudo para e imobiliza-se no momento presente do sentir. Para lá vamos, a recuperar o perdido. E quem vai jamais volta, pois não se recupera o perdido. Mas Chow volta, e neste retorno usa a escrita como sinal de permanência. Todo o vivido fica na escrita, num esforço de resgatar, registrar, reencontrar, enlaçar, dar sentido e ajudar a não se perder em si mesmo, e de si mesmo. 2046 é o vivido. 2047 é o livro, que não pode ter outro final que não seja o do real, seja ele qual for.

 

Busca a amada, para saber se foi amado ou não. A resposta é vaga. Ele: “Você volta comigo?”. Nas cartas da vida há sempre ganhador e perdedor. Ele perde e separam-se. Ele, com amor? Ela, a da luva preta, sem amor? Ou ambos com medo do amor?

 

Mulheres bonitas, vestidas linda e sedutoramente, olhos penetrantes e reveladores; pés e pernas ondulam o andar e remetem ao eterno caminhar e recomeçar. Cabelos presos a exibir a nuca e a realçar o rosto emoldurado pelos brincos. Homens que se aproximam, fascinados e distanciados o suficiente para evitar o amor. Encontros importantes acontecem na noite de Natal, emblema do renascimento da esperança, na tradição ocidental. O desejo de que algo dure, permaneça, sempre renasça! E no amor, com amor! Mesmo quando ele não acontece!

 

Atentar ao fundo musical, que sempre sugere a emoção presente na cena. Observar os muitos e pequenos gestos de amor: ela pede para ele ficar; só aceita a nota de 10, símbolo do amor guardado na caixinha abaixo do leito amoroso; ela brinca e ludicamente se entrega a ele; o choro contido, ao ouvir o amado com outra mulher. Mas ele não podia ainda amar...

 

Observar a filha do dono do hotel. As cartas de amor trocadas. O olhar vazio; a lágrima de dor; a dança dos pés, treinando o “eu vou” que não foi dito. A espera e a busca persistente do amado, desde longe. As tradições que impedem a união. A ópera, ao fundo, como marca do amor trágico, mas do amor que é e acontece! E Chow enamora-se da que ama, escreve e registra a vida, e o ajuda a registrar a sua. E amar o transforma! Ele a incentiva a buscar o amado, que não é ele. É o amor-doação! Seu olhar torna-se mais terno e sua fala solidária, inda que ele solitário, nos reencontros com as muitas mulheres de sua vida.

 

Só os que amaram verdadeiramente puderam sair da profusão de relações, e ir para além de si mesmos, na sacada do hotel, a olhar o horizonte. No amor não há substituto!

 

Há algo que nunca se empresta, e que só se dá: O AMOR e o SI MESMO.

 

Maria Teresa Moreira Rodrigues

Psicanalista - Espiritualidade Inaciana - Campinas-SP