“A  FITA  BRANCA”

Diretor: Michael Haneke

- Alemanha, Áustria, França, Itália - 2009

 

Queridos companheiros de cinema. O filme permaneceu em mim, mas as circunstâncias externas e internas do viver não me “deixaram” ter o conforto necessário para sentar e escrever. Mas, na noite em que o assisti, li que o diretor era o mesmo de “Caché”. Fui buscar o que havia escrito, naquela ocasião. 10 de junho de 2006. Céus! Quanto tempo já se passou! Transcrevo, de lá, a citação:

“A semente do bem e do mal voa por toda a parte. A grande infelicidade é que a justiça dos homens intervenha sempre tarde demais; reprime ou atenua os atos, sem poder recuar mais alto nem mais longe do que quem os cometeu. Mas nossas faltas escondidas (cachées) envenenam o ar que os outros respiram, e tal crime, cujo germe é carregado por um miserável contra a vontade dele, jamais teria frutos amadurecidos, sem esse princípio de corrupção”. Georges Bernanos

 

“A fita branca” – símbolo da pureza e da inocência. Foi perdida! E com que violência!

 

O mais premente, quando saí do filme, era dizer-lhes para não nos fixarmos em que o filme se passa na Alemanha e antes da 1ª. Guerra Mundial. Se formos por aí, será muito fácil julgarmos e concluirmos porque as coisas foram como foram, sobretudo na 2ª. Grande Guerra. Não! Não sigamos por aí! Pode favorecer o preconceito de raça, nacionalidade, religião; alimentar rancores e instilar/instalar desafetos e ódio, criando em nós exatamente o que vimos acontecer no filme. É preciso lutar para que, da “semente do bem e do mal”, que em nós todos habita (todos!), brote e seja cultivada, com muito (muito!) mais freqüência, a que é do Bem. E não é fácil! Por isso, exercitemo-nos. E voltemos ao filme: “Quem fez o que, para quem?”. Importa? Importa dar-se conta do Mal e tentar detectar onde o Bem se manifestou e as chances de ele espraiar-se. Algumas lembranças minhas (faça as suas também): 1. O pequeno filho do pastor ao pedir licença ao pai para cuidar do filhotinho de passarinho; o diálogo sobre o cuidar, mas depois libertar, pois ele nasceu fora do cativeiro; 2. Depois, este filho, amoroso e terno, num gesto inocente de pura doação, entrega o passarinho, já cuidado, para diminuir a tristeza do pai que tivera seu pássaro tão amado, morto. Ironicamente, seu gesto leva à prisão o que era livre! E nós? O quanto aprisionamos, ou deixamos que aprisionem, o que há de mais livre e puro em nós? E ali está drama pai-filha: o pai “mata” a filha, em nome de uma educação e religião profundamente corroídas e corrompidas por moral e costumes baseados em afetos desordenados e contidos. Ali, a cena é na trama familiar. Mas, não se repete na trama das relações internacionais (países, raças)? 3. O jovem professor e seu encanto com a jovem babá: suas inocentes e ingênuas colocações, mas que revelam seus mais profundos valores e que vão nortear seu caminho: - “Diga ao meu pai que lhe mandei lembranças” (reverência aos antepassados); - “Como irei desonrar aquela que será minha mulher?” (reverência ao amor e à mulher); – vai buscar o pastor (embalde!), numa tentativa de desmascarar a trama diabólica dos jovens (mas, os adultos são parte da trama que não deve ser revelada!), correndo o risco de perder seu ganha-pão. 4. A bela baronesa: representante de sua classe, claro está, ok, alienada do que se passa social, política e economicamente a seu redor. Mas, não alienada quanto aos sentimentos que imperam na aldeia: inveja, ódio e maldições. Manifesta-se ao marido e mostra o que deseja, como pessoa, mãe e mulher. Mas, vemos que tudo permanece igual. Os homens que me perdoem, mas as mulheres, no filme, são ainda a possibilidade de um resgate pelo afeto e entrega incondicionais. 5. A família da jovem babá: no deserto e aridez que a aldeia representa, na vida do mundo, ela pareceu-me um oásis: o pai, consciente das dificuldades econômicas, mas também do cuidado e respeito pela filha, diz ao jovem enamorado: “esperem um ano para que se conheçam melhor”. Há cenas e cenas. Claro que vocês notaram que ainda nada comentei sobre o médico, sua sofisticada e enorme capacidade de agredir e destruir os seres que mais lhe dão amor: a enfermeira, a filha (da qual abusa); e a inexorável resignação das mesmas. Podia ser diferente? Claro que sim! Mas, ali está a impotência em seu mais alto grau! Em quem recairão as garras da desigualdade social, do ódio e inveja? Nos mais puros: a mulher operária, o filho do nobre e a criança deficiente. Mas, há sonhos clarividentes! Os da filha do administrador. Serão interpretados e acatados? Parece que não!

 

E impotentes e derrubados saímos da sala de cinema! Ganhei energia para escrever sobre esse filme, depois de ter assistido “O mensageiro”. Veja-o também. E conversaremos, de dentro para dentro de uns e de outros, ou dentro de nossos próprios corações. Que assim seja!

 

Maria Tereza Moreira Rodrigues

Psicanalista - Espiritualidade Inaciana