“A RELIGIOSA”

 Diretor: Guillaume Nicloux

França/Alemanha/Bélgica. 2013

 

 

Suzanne como modelo de fidelidade à verdade, e de busca à verdade de si mesma!

 

Tinha receio de assistir a esse filme; receio de que o foco central fomentasse críticas ( já tão conhecidas e repetidas à exaustão) ao lado arcaico e medieval da Igreja Católica. Mas o filme foi para mim uma grata surpresa! Saí emocionada com a luta renhida de Suzanne para vir a ser ela! Lembrei-me de uma frase gravada em tempos de Ginásio:“A vida é luta renhida, que aos fracos abate, e aos fortes, só faz exaltar” (José de Alencar).

 

O enredo central é o de uma jovem que se nega a ficar “enclausurada” num convento, por imposição velada ou explícita da família; embora se veja profundamente ligada a Cristo, não reconhece em si vocação para a vida monástica. Ser mulher e encontrar um lugar para chamar de “seu”, desde o mais genuíno e profundo desejo pessoal, tem sido tarefa difícil até hoje. Imagine em tempos de DENNIS DIDEROT! Nada sei sobre sua obra, mas entendo que ela reflete questões e conflitos de seu tempo; e aqui vemos sua protagonista debatendo-se para “buscar um caminho próprio”, sem se deixar “enclausurar” numa via possível. Para fazer a travessia em direção a um eu próprio, Suzanne defrontou-se com situações que estão na raiz da vida de cada um de nós, talvez até em qualquer tempo e lugar, em qualquer raça e sociedade.

 

1. A força velada e impositiva das tramas e segredos familiares. O quanto somos afetados pelo que viveram nossos pais! E isso sem julgamentos, mas como constatação. Como poderia a mãe de S. olhá-la sem sempre se lembrar de seu “pecado”? Como não desejar uma reparação do “mal” feito a ambas? Impor à filha a “clausura” não seria um mal menor, já que nem dote haveria para que ela casasse? Lembrar que ainda vivemos numa sociedade em que vale a “mulher que se casa”. E quantas não buscam a “aparente comodidade” de uma união financeiramente estável, e entram numa “clausura” sem o saber, ou sabendo... Enfim, cada época com suas opções e possíveis armadilhas. O fundamental é a fidelidade à própria verdade!

 

2. O abuso do poder, sob diferentes formas. De um lado, o autoritarismo de quem quer as regras acima de tudo, numa clara demonstração de sadismo e intransigência. Por outro lado, o autoritarismo da “aparente bondade”, mas que está apenas a serviço do próprio desejo e concupiscência. Ou seja, não existe o outro! Não existia a S.; existia apenas o que cada uma das Superioras precisava fazer e ser, mas a serviço de seu próprio eu. E vale acrescentar aqui a omissão silenciosa das irmãs, numa evidente conivência (mas também impotência), que perpetrava os mandos e desmandos das superioras. E o que pensar de nossa omissão silenciosa e conivente frente a tantos males que observamos acontecer ao nosso redor? Como lidamos com nossa impotência?

 

No entanto, a despeito da força destes movimentos, sempre podemos contar com:

1. Alguém que nos ame incondicionalmente. Disso somos absolutamente necessitados. O cordão que S. ganhou da primeira e verdadeira Superiora, ela não deixou de usá-lo um só momento. Era a confirmação concreta de que havia sido vista, considerada e amada, condição para sobreviver às adversidades que vieram depois. Quantos pequenos objetos representam o afeto que tivemos e temos, para neles nos apoiar! Winnicott chamou-os de objeto transicional, aquele que está entre a mãe e o bebê, e lhe garante a permanência da mãe, objeto amado e de referência. Que saibamos encontrar diferentes “objetos transicionais”, ao longo das diferentes etapas de vida!

2. Alguém que “abrace” a nossa causa, pois sozinhos nada podemos. Apenas a perseverança e força de Suzanne não seriam suficientes, se ela não tivesse encontrado quem “abraçasse” sua causa. Assim foi com a noviça e sua mãe; com o advogado que realmente “advogou” por ela, inclusive encontrando seu pai biológico. Houve o bispo que teve olhos para ver sua situação de opressão, como também o padre que se identificou com S. e lhe disse: “O mundo precisa de pessoas como você! Vá!”. Ah! Que tenhamos encontrado em nossa travessia, pessoas que tiveram olhos para nos ver!  

 No entanto, de nada valeria S. tê-las encontrado, se não fosse sua fiel fidelidade à verdade, na busca constante da verdade de si mesma! A obra de Diderot nos apresenta personalidades altamente despóticas, mas também muitas outras de alma delicada, sensível e generosa. E assim é o mundo! Que o vejamos nessa diversidade, que é real, e encontremos uma maneira realista de fazermos frente a ele!

 

Maria Teresa Moreira Rodrigues

Psicanalista - Espiritualidade Inaciana - Campinas-SP

 

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