“AMOR”

Diretor: Michael Haneke

França/Alemanha/Áustria. 2012 

 

“Não há trilha sonora no cotidiano” M.Haneke. Mas precisamos colocar uma!

 

É um dos filmes mais tristes a que assisti nos últimos tempos. E não porque trate do envelhecer e do adoecer. Hanami também tratou disso, mas não nos entristeceu. É que o diretor M.Haneke não faz nenhuma concessão! Ele coloca-nos nua e cruamente frente ao quadro da VIDA, e ao como vivemos o VIVER. E essa é sua grande ARTE! Lembro-me do quanto me tocaram seus filmes Caché e A fita branca, sobre os quais também escrevi.Com o primor e a delicadeza de quem lê as entranhas do sentir, Haneke transformou em imagens vívidas e contundentes, o relato escrito de um homem que tenta seguir amando a mulher a quem dedicara sua vida; mas agora, num cotidiano invadido pela paralisia e impotência. Não se é mais quem se foi, e o que se foi! Anne não é mais a concertista aplaudida, e nem mais está no centro da cena. Georges tenta acompanhá-la nesse momento em que a Vida oferece essa outra face: a da impossibilidade, a da “longa vida” em seu tempo de “veias entupidas” de e diagnóstico num horizonte fechado. E ele faz o seu possível! E eles viveram estes últimos momentos como puderam!

 

 

A vida é feita de detalhes. É no detalhe que revelamos o que há de melhor em nós, mas também o nosso mais difícil. Não contrapus pior a melhor, porque acredito, do fundo do coração, que sempre estamos buscando viver o melhor de nós e da vida, assim como só somos mais felizes quando conseguimos oferecer o nosso melhor. E ele ofereceu o melhor dele! Dou-me conta, ao escrever, de que não retive o nome dele, só o dela!Talvez porque não fosse ele quem contava. Contava apenas o que ela queria. No entanto, é desde essa nesga, desde esse detalhe, que posso então vislumbrar o tema do Amor. Do amor dele por ela. Mas um jeito de amor em que ele se fez um homem talvez sem palavra e sem voz.

 

Momentos a observar:
. No início, ao chegarem do concerto, o comentário dele: “Você estava linda!”. Era sempre necessário exaltá-la. No primeiro momento, tudo me pareceu delicado, atencioso e amoroso. Depois, nas frases lacônicas trocadas, fui entrevendo a formalidade do respeito, da educação, mas menos a espontaneidade do amor que se desconcerta frente ao inexorável.


. Alguém havia entrado no apto. Era a Vida que entrava, trazendo-lhes a parte da vida, que rouba a vida.


. O pombo era o sinal de vida que entrava pela janela do pátio da casa. Mas, não era mais permitido que entrasse o que quer que fosse. Até mesmo a intervenção da filha, adequada ou não. E muito menos o gesto da cuidadora, indelicado é verdade, mas que trouxe algo que foi trágico: o Espelho. O espelho que dura e inapelavelmente iria mostrar qual era o estado atual da vida de Anne, a quem era intolerável também o olhar da filha. À filha foi negado OLHAR a mãe, em todos os sentidos, inclusive o de CUIDAR, pois à filha não era possível “pagar” favores e/ou trabalhos recebidos.


. O sonho de George que nos mostra claramente, o que ele estava vivendo internamente. Estava interditado o caminho pelas escadas, e de descida à vida lá de fora. A deterioração invadia todos os ambientes. E a água começava a invadir seu espaço, assim como já aparecera no início, quando ele esquecera a torneira aberta. Haveria vazamento. Era inexorável. Mas ela fechou a torneira desde o início! Não foi mais possível receber a água da vida; não a água que nos faz eternamente vivos, mas a água que pode nos conduzir a uma vida nova, que é um jeito novo de viver o inexorável. Não mais seremos o que já fomos!

. As lembranças de Anne do vivido com sua mãe; dores do vivido, que entram pelas brechas da dor crônica da paralisia. George lembra-se de uma cena de infância, muito triste e só; quando a mãe o pôde encontrar, ele já estava doente e isolado, só visto pelo vidro. Não mais contato. Era assim que eles estavam vivendo...

 

Maria Teresa Moreira Rodrigues

Psicanalista – Espiritualidade inaciana