Green Book – O Guia (Green Book, EUA, 2019)

Dirigido por Peter Farrelly. Roteirizado por Nick Vallelonga, Brian Hayes Currie, Peter Farrelly. 

Green Book conta a história, basicamente, de Conduzindo Miss Daisy (1989) mas com papéis invertidos. Na década de 60, o músico negro Don Shirley (Ali) contrata o motorista ítalo-americano Tony “Lip” (Mortensen) para acompanhá-lo em suas turnês e shows na parte do sul dos Estados Unidos, uma região e uma época em que o racismo era ainda bastante palpável.

O longa é o típico road movie, cuja narrativa você pode prever. Duas pessoas bastante diferentes e dividas por tantos aspectos que, em um primeiro momento, estão distantes uma da outra, e aos poucos se aproximam a ponto de se tornarem uma família após uma viagem que muda suas vidas para sempre. Para tanto, ambos personagens cedem o seu lado mais duro: Tony com seu jeito preconceituoso e Shirley com seu jeito enrustido passa a se abrir, principalmente em relação às vulnerabilidades que ele tenta esconder. Um argumento que já vimos inúmeras vezes e que não nos trazem nenhumas surpresas.

Neste aspecto, o roteiro é prejudicado por alguns clichês: uma briga debaixo da chuva, o final de um personagem que acaba mudando de ideia no último segundo, os momentos heróicos que são bastante reforçados pela trilha sonora, entre outros elementos. Isso sem mencionar a lacuna não preenchida, em que Tony aceita tão rapidamente trabalhar para um negro, sendo que segundos antes o vimos jogar copos de vidro em que negros haviam usado para tomar suco.

A necessidade do dinheiro justifica até certo ponto, porém, é incômodo pensar que o personagem aceitaria tão bem o fato de estar subordinado por um negro, especialmente pela mise-en-scène criada na entrevista de emprego, em que Shirley se senta em um trono rebaixando Tony na cadeira oposta a ele.

No entanto, por mais que essa história já tenha sido recontada várias vezes pela sétima arte, a jornada e a narrativa ainda valem muito a pena, para minha surpresa. O roteiro compensa por momentos cândidos e sinceros que fazem com que os personagens olhem para ambos os lados, como se o aprendizado fosse uma via de mão dupla. Assim sendo, se Tony muitas vezes tem que proteger – e com razão – seu patrão Shirley, este por sua vez também demonstra ser forte e influente, como o momento em que ele tira ambos da prisão a tempo de comparecer ao último show.

Mas o que faz Green Book ser um filme que mesmo com todas as suas convenções, ainda se destaque, é a excelente química e atuação dos atores Mahershala Ali e Viggo Mortensen e que felizmente ofusca tantos equívocos técnicos tanto da direção quanto do roteiro. O humor que se traz e as situações apresentadas não poderiam ser atuadas por outras pessoas senão eles.  De fato, eles são o fruto de um trabalho de muito carisma e empatia que conquista o público e faz com que a mensagem do longa transpareça e faça valer o tempo de seu espectador.

Green Book – O Guia é, por fim, um filme bastante familiar para os amantes do cinema, mas cuja mensagem acaba se sobressaindo por sua relevância.

Gabriella Tomasi

Crítica de cinema, autora do site Ícone do Cinema, colunista para o site Cabine Cultural, membro do Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema - ELVIRAS. É escritora e tradutora voluntária para a ONU.

 In: iconedocinema.com.br