Inglaterra – 2004

Diretor: Terry George

 

O duro choque daquela realidade, da nossa realidade, da realidade em si mesma, deixou meu coração constrito, minha respiração ofegante, mas meus passos estavam firmes e meu semblante continha uma determinação. Não era possível sair a mesma ao partilhar, inda que no “escurinho do cinema”, aquela experiência. Seguir vivendo mostrou-se um desafio.

 

Lembrei-me de Castro Alves, em seu poema “Navio negreiro”. Seria necessário assistir ao “de lá”, para lembrar do que tínhamos “cá”? Seria necessário ver, constatar, indignar-se com o “de lá”, para reconhecer o que vivemos também “cá”? Acho que sim, pois somos seres imperfeitos e facilmente moldáveis pelo cotidiano, pelas tarefas a cumprir e por uma rotina que exacerba nosso lado mais mesquinho, auto-centrado e imediatista. No entanto, temos a graça de sermos “tocados” pela arte: ela nos desaloja deste conformismo e enquadramento no aqui-agora; ela nos leva para um lugar dentro de nós que clama por justiça, que se indigna com a maldade e com a corrupção que campeia e está entre nós.

 

Pontuando passagens do filme e fazendo paralelos:

- quando Paul e sua família vêem pela fresta do portão, o que se passa na casa do vizinho; - quando nós vemos o que se passa ao lado...

- quando o cunhadovem adverti-lo do perigo e ele não pode e não quer acreditar que seja verdade; - quando alguém mais experiente e/ou cristão nos fala de uma mudança de postura...

- quando ele faz pequenas “delicadezas”aos que estão no poder e depois descobre que a grande ajuda não veio dos que ele “agradou”, mas dos que eram e são “puros de coração”: os funcionários, a enfermeira, os vizinhos; - quando nós fazemos a escolha de nossas relações... o que esperamos delas...

- quando ele se dá contade que não pertence apenas à sua família, mas a uma comunidade, a um grupo e por todos ele luta, até o limite possível - quando pudermos nos dar conta de que somos além de nós mesmos...

- quando ele se depara com as pessoas mortas pelo chão, com as cenas das mulheres maltratadas, mais aumenta nele a certeza do que ele deve e tem que cuidar e salvar; - quando vemos o que se passa em nossa cidade, com nossas mulheres, crianças e todos nós...

- quando os brancos vão saindo do país e se dão conta de que fazem o mesmo que todos... evadem-se! Mas, carregam na face a vergonha do seu gesto! - quando vamos saindo do que nos cabe, inda que com vergonha...

 

Guardadas as proporções, por que não pensar que nosso cotidiano contém pequenos daqueles atrozes atos? Ou roubar R$1,00 não é roubo? Não nos iludamos! Que Paul Rusesabagina seja um modelo para nós e nos reinstale a esperança que o momento atual nos tem tirado!

 

Sempre há lugar para mais um de nós que possa ser salvo das atrocidades que nós mesmos podemos produzir. Sempre há lugar para a solidariedade que nos permite descobrir que só de mãos dadas podemos deixar para trás a discórdia, a destruição e a intolerância!

 

Portanto... mãos à obra! E... não às armas!

 

Maria Teresa Moreira Rodrigues

Psicanalista - Espiritualidade Inaciana - Campinas-SP