"O AMOR é ESTRANHO" –

Ira Sachs –

Estados Unidos/França – 2014

 

Ode ao AMOR no COTIDIANO

 

Cena final: É preciso o horizonte aberto e a luz do sol batendo no rosto dos jovens para que a esperança seja a última palavra. É preciso que eles caminhem e se sintam próximos para que existir e confiar sejam possíveis. Em suma, precisamos de esperança: horizonte e luz; precisamos existir e confiar: caminhar no afeto e na cumplicidade.

 

Música cantada pelo casal: “You’ve got what it takes”(Dinah Washington/Brook Benton). “Você tem o que é preciso”. E do que precisamos? A resposta pode ser escutada como um chavão, mas: Precisamos de AMOR! Todos! Todos nós! Em qualquer tempo e lugar, em qualquer idade e gênero! Sem exceção! E é o que os amigos celebram e cantam, após a cerimônia do casamento de Ben e George, que decidem oficializar sua união, após 39 anos de vida em comum. Valioso atentar ao fato de que o celebrante pede a todos os presentes que se esqueçam de sua vida pessoal e afazeres, e concentrem-se naquele momento único, oferecendo energia e amor ao casal; e ainda pergunta se eles se comprometem a honrá-los e apoiar no amor, vida e casamento, ao que todos alegremente dizem “sim”. Fundamental depreender disso que casamento não implica apenas as “duas pessoas” envolvidas, mas todos os que delas são próximos, e com elas partilham um viver relacional mais amplo. No entanto, no cotidiano temos que admitir que o mais comum é nos esquivarmos de ajudas mais concretas e pontuais. E mesmo o casal, homo ou hetero, muitas vezes termina por não saber o que é partilhável, aquilo que pode ir além do âmbito privado.

 

Após o casamento, George perde seu emprego. A escola religiosa em que ele ministra aulas e rege o coral demite-o após 20 anos de trabalho, devido à difusão de seu casamento oficial pelas redes sociais, inclusive de alunos do colégio. Embora a instituição soubesse de sua vida conjugal, a propagação do evento criou uma “saia justa” junto às autoridades, e a decisão foi tomada.

 

Como qualquer família que repentinamente se vê frente a problemas financeiros, decisões têm que ser tomadas. Decidem vender o apartamento; e pelo menos temporariamente não têm condições de alugar outro. Pedem a ajuda dos amigos. E eles a dão.  É a partir daí que vamos acompanhar não apenas os caminhos difíceis de uma relação homoafetiva de quase 40 anos, mas também as oscilações do amor entre todos, o que não o faz “menos amor”, mas que o faz “amor real”. Vamos acompanhar a delicadeza e os perigos que sempre rondam nossa relação com quem quer que seja. Vão surgir momentos de aceitação, abnegação, entrega e doação, assim como de incômodo, esquiva, embates, frases irônicas e provocativas. Situações como: – Quem vai receber quem em sua casa? – “Ele é seu tio, mas quem o ‘agüenta’ o dia todo sou eu” (tensão entre o casal). - “Quero minha privacidade” (sobrinho incomodado com a nova presença, e vivendo momento de embate com autoridade e de busca de identidade de gênero). – Os problemas sociais de especulação imobiliária e impostos, dificultando retomada de vida. – Perder espaço pessoal e ter que ouvir música detestável. - Como dirá Ben: “Teria sido melhor não conviver tão próximo, para não ver o que preferia não saber”. – E a resolução surge, quando e de quem não se espera. Ben e George mantêm-se afetivos um com o outro.Mas a fragilidade ganha espaço, e Ben sucumbe a tanta mudança. Mas sua arte ficará; seu último quadro provavelmente será o começo de um reconhecimento tardio. O jovem busca reparação junto a George, entregando-lhe o quadro que o tio pintara de seu amigo (amigo?); entrega também a resolução de suas dúvidas de gênero?... Talvez...

 

Muito delicadamente o filme mantém o tema da questão de gênero, insinuada até mesmo nos quadros de nu feminino e masculino, no quarto de um casal homossexual (!). E o filme termina com o que se presume ser um casal jovem e hetero. O que podemos pensar? Talvez que a despeito de hoje falarmos clara e abertamente da vida homoafetiva, o padrão introjetado é o do casal hetero.

 

No entanto, o que de fato importa é o AMOR trocado entre todos, fio condutor do filme.

 

Maria Teresa Moreira Rodrigues

psicanalista, espiritualidade inaciana - Campinas-SP