“O  MENSAGEIRO”

Diretor: Oren Moverman

EUA – 2009

 

 

O filme começa. Em destaque, na tela, apenas um olho. E ele pisca. Uma lágrima escorre. Ah! É o colírio. Sim, mas não. É o olho do viver que chora. É o olho que viu mais do que podia agüentar, e ficou afetado e marcado. E marcado para sempre. O médico pode mudar o colírio de Montgomery (por que este nome? O do chefe supremo do comando imperial inglês? Era um sonho virar um grande militar?), a inflamação pode ceder, mas não mudará o que foi vivido. No entanto, esta será uma “inflamação” saudável, pois mudará o seu jeito de olhar o mundo, a vida, as pessoas, a mulher, o amor; mudança que privilegiará o afeto, o encontro, o solidarizar-se e o buscar e questionar. Ele e seu superior, Stone, numa parceria de trabalho, irão além dela e tornar-se-ão companheiros e solidários, propiciando e facilitando um no outro, um processo de profunda mudança interna. Stone passará de “pedra” a “água”, deixando-a jorrar e escorrer por todo seu ser, permitindo que nele brote vida nova. O filme é rico nas expressões corporais e faciais de todos.

 

Parece que estou contando o final do filme. Mas, não estou não. Estou apenas tentando aguçar sua sensibilidade para que o processo vivido por eles seja mais e melhor degustado.

 

Montgomery é convocado para trabalhar junto com Stone. O que lhes cabe é transmitir a “notificação” de falecimento, apenas e unicamente para o parente mais próximo. Eles vão ser os mensageiros da morte, da perda, do inexorável, do definitivo; do sabido, mas nunca esperado. Há instruções de como e o que falar, de como chegar e a que distância deixar o carro; de que expressão ter no rosto; de impedir, em si, qualquer envolvimento com a dor do outro, etc. Mas, cá entre nós? Alguém sabe como lidar, antecipadamente, com a perda, com a notícia dela, com a chegada da morte? É o desafio maior para o qual nunca estaremos preparados, mesmo que o pretendamos. E lá vão nossos dois protagonistas... Em seus diálogos surgem questionamentos sobre a vida, a guerra, os costumes e o que os espera no agora e no futuro. E vai ficando explícita ou implícita a crítica ao american way of life. Em suas “visitas de notificação”, vamos percebendo, neles, pequenas mudanças frente às diferentes, inesperadas e dolorosas reações de um ou de vários do grupo familiar que recebe “a” notícia. Notar que aquela que lhes disse: “Não deve ser fácil o que vocês estão fazendo” – é que vai promover e acelerar a mudança neles. Precisamos ser vistos e compreendidos no que somos e fazemos! Só assim podemos saber de nós mesmos e mudar!

 

E vamos acompanhando seus dramas pessoais. M. e o reencontro com a namorada de tantos anos: a conversa que não se desenrola, o sexo mecânico e sem afeto, a refeição comida com sofreguidão, a companhia que não é partilha; as justificativas inconsistentes e as explicações cheias de incoerências. Quem frustrou quem? Ela a ele? Ele a ela? Perderam-se. E perderam-se também a partir de uma vida sem sentido, marcada pelo fazer guerra e fazer número, numa sociedade que “precisa” usar as armas que fabrica ou compra. S. e sua profunda mágoa com a vida e o amor, levando-o a nada oferecer às mulheres que por ele passam, e impedido de receber delas, qualquer nesga de afeto e sinceridade. Observem, ou relembrem, seus comentários sobre a camisa pendurada no varal, sobre o porquê o homem volta para o exército. E associem com os comentários feitos pela viúva, na emoção e delicadeza da lembrança de seu companheiro que se foi e não voltará.

 

M. vai comprar o “novo colírio”, e encontra a viúva, a quem dera a “notificação”. Um “novo olhar” começa a surgir. Ela discute com os jovens uniformizados que se ufanam de estar no Exército, e bate neles com o terno que acabara de comprar para o enterro do marido. E com ela está seu filho, já testemunha e também vítima de um sistema que vai além de todos nós, até mesmo da sociedade americana. Ah! A cena de “boas vindas” para o ex-combatente que fala do encontro com o “inimigo”. Que triste e trágico! Tudo afeta M. e o modifica. Seu envolvimento com a viúva e com um novo jeito de sentir vai se solidificando. As cenas entre eles: os olhares de reconhecimento um do outro, a percepção da própria carência e vulnerabilidade, o constrangimento, o respeito e delicadeza para com o que sentem e foram e são. O final: pode ser o começo! Afinal,as pessoas sempre deixam para trás o que pode ser útil para alguém”; e a mesinha de café está lá! Por que não pensarmos-sonhando que daí pode surgir um novo jeito de “servir o café” e “servir à vida”?

 

Maria Teresa Moreira Rodrigues

Psicanalista – Espiritualidade Inaciana

01.10.2013