«A duração da nossa vida é de setenta anos e, para os mais fortes, de oitenta…», diz o Salmo 90 (89), que o papa Francisco reza muitas vezes na liturgia das horas e talvez até na oração pessoal, com mais insistência porque chegou agora a esta etapa. A cada dia o constatamos: Francisco é um homem ainda forte, de boa saúde, e por ele o povo de Deus ora a fim de que possa continuar a tornar evangélico o poder que está ligado ao seu ser bispo de Roma e papa. Em espírito de atenção e de escuta do seu ensinamento, podemos esboçar uma leitura do que mudou na Igreja católica nestes três anos e meio e das expetativas que encontraram no papa Francisco motivos de iluminação. 

Antes de tudo gostaria de sublinhar o ambiente novo em que esta leitura é possível. O caminho que precedeu e acompanhou os dois sínodos dos bispos, assim como os repetidos convites do papa Francisco tornaram mais franca e transparente a dialética no interior da Igreja: a vivacidade de uma opinião pública no espaço eclesial tornou a ser não só possível mas também desejada, como na estação inaugurada pelo anúncio do Concílio Vaticano II e continuada durante toda a sua prossecução. 

Também a excessiva sobre-exposição dos movimentos eclesiais, que tinham quase monopolizado a veia carismática nunca ausente da história, foi reconduzida ao leito de uma Igreja mais ordenada, numa comunhão mais visível e novamente pacificada, de tal modo que os movimentos podem agora oferecer o seu testemunho sem que exista a suspeita de um desejo de ocupar espaços ou gerir poder. A Igreja é mais que nunca “povo de Deus”, expressão cara ao papa Francisco, não só pela sua matriz conciliar, mas porque é capaz de indicar a qualidade “popular”, não elitista, da comunidade cristã.

Graças também a esta diferente aproximação, é mais fácil colher um dos traços salientes deste pontificado: o novo impulso conferido ao ecumenismo. Parecia estagnado, ao ponto de alguns falarem de «inverno ecuménico», mas o papa Francisco, com gestos inesperados e audazes, mais ainda do que com palavras, voltou a despertar o desejo de unidade que tinha acompanhado o tempo após o Concílio Vaticano II na Igreja católica e, paralelamente, nas outras Igrejas. Pense-se na viagem para encontrar a Igreja valdense em Turim, uma Igreja que permaneceu sempre no cone de sombra do ecumenismo católico; na “obstinação” profética e eficaz no querer encontrar como irmão o patriarca de Moscovo, Cirilo, encontrando-o em Cuba; na viagem a Lund, Suécia, para dizer aos protestantes que Lutero, se é verdade que produziu uma rutura com a Igreja católica, estava todavia animado pela paixão por uma Igreja mais evangélica. Esperemos que agora não se volta a usar a palavra “protestantização” para designar negativamente cada reforma que a Igreja católica empreender. Nenhum papa após Paulo VI ousou tanto como Francisco no ir ao encontro do outro irmão cristão, inclusive ao ponto de humilhar a própria pessoa na condição de o ministério petrino ser desempenhado como presidência na caridade. 

E, como prova de que a procura da unidade visível dos cristãos não contrasta nada com a missão e o anúncio do Evangelho, o magistério do papa Francisco sobre alguns aspetos decisivos da presença cristã na sociedade moderna – a salvaguarda do criado, a paz e as migrações – encontraram partilha e solidariedade também da parte das outras Igrejas. Pense-se na visita à ilha de Lesbo, símbolo da tragédia dos migrantes, juntamente com o patriarca ecuménico Bartolomeu e o arcebispo de Atenas, nos repetidos apelos contra o tráfico de armas e de seres humanos, na incessante mediação em situações de conflitos – desde a Síria à Colômbia – na denúncia da “terceira guerra mundial em partes” ou ainda nas resolutas tomadas de posição pela salvaguarda do criado: o papa Francisco sempre se moveu e pôde falar como portador de uma mensagem de humanidade dirigida a todos, essa boa notícia evangélica que vai para além de toda a divisão confessional e constrói pontes em vez de muros. Não por acaso, precisamente sobre o tema da ecologia assistimos a uma novidade absoluta: uma encíclica papal que cita e valoriza o pensamento de um patriarca ecuménico e que é foi apresentada no Vaticano também por um bispo e teólogo ortodoxo.

Por fim, toda a Igreja – tantas vezes tentada a exercitar o ministério da condenação, tentada pela intransigência – foi convidada, com o Ano da Misericórdia como selo dos dois sínodos dos bispos, a ser inclusiva e nunca exclusiva, a ir ao encontro a quem está em pecado anunciando-lhe o perdão de Deus e afirmando que além da lei está a misericórdia. Desde o início do pontificado escrevi que íamos ter um papa da misericórdia: assim foi e é. E é significativo que precisamente sobre esta atitude se verifiquem não só críticas mas oposições duras da parte daqueles que o papa chama «pessoas religiosas mas rígidas», «justas mas insensíveis», homens da lei que muitas vezes nem sequer sabem reconhecer em si próprios o que reprovam nos outros. A misericórdia, sob o pontificado de Francisco, não é só tema de vida espiritual pessoal, mas é estilo, prática nas relações eclesiais de quem tem necessidade da misericórdia de Deus, da Igreja, dos irmãos. 

Ora, que expetativas nutre o povo de Deus ao escutar as palavras de Francisco? São expetativas de reforma da Igreja “in capite et in membris” [na cabeça e nos membros]. Sabemos, todavia, que se fala de reforma da Igreja há pelo menos oito séculos e que a Igreja deve estar sempre em dinamismo de reforma: “ecclesia sempre reformanda”. O papa Francisco está animado por esta intenção e declara-o muitas vezes, mas devemos estar conscientes de que quando mais a Igreja se reformar segundo o primado do Evangelho, mais desencadeia as forças adversas que se revoltam contra ela. Mais vida segundo o Evangelho significa mais cristãos perseguidos no mundo, mais crentes hostilizados pelos seus próprios irmãos de fé, na própria Igreja. Há uma ingenuidade que temo possa levar só a reformas, se não mundanas, de simples maquilhagem. Mesmo a própria reforma da cúria só acontecerá se o papa a conseguir fazer com a cúria e a cúria com o papa, porque de outro modo não será possível realizar mutações eficazes numa realidade tão complexa e estruturada. Muitos bispos e fiéis confiam-me: esperemos que o papa reforme poucas coisas essenciais, mas de tal modo que não se possa voltar atrás depois dele. É este o desejo para o seu 80.º aniversário. 

Enzo Bianchi 
In "Monastero di Bose" 
Trad.: Rui Jorge Martins 
Publicado em 20.12.2016 no SNPC