A Bíblia proíbe imagens esculpidas e fundidas que representem Deus sob formas humanas ou animalescas, por causa dos falsos cultos dos povos que Israel devia expulsar da “terra santa”. A Bíblia nunca proibiu outras imagens, só aquelas que representassem Deus e fossem adoradas como se fossem divindades. E também não quer privar-nos de uma imagem de Deus, já que a Deus não se pode “ver” (ter experiência imediata) nesta vida. Mas nossa “imaginação” precisa ter uma imagem dele.
Quando dizemos “Deus” pensamos na primeira e última instância de nossa vida, o alfa e ômega do alfabeto com o qual escrevemos as linhas de nosso viver. Daí colocarmos Deus no início (Criação) e no fim (Juízo) de nossa História. Mas isso também é imagem, metáfora. Não se trata de afirmar cientificamente que Deus criou o mundo em seis dias e depois descansou (a melhor coisa dessa história!) – para em nome disso negar, estupidamente, aquilo que Darwin cuidadosamente pesquisou! Tampouco se trata de calcular a data do fim do mundo. Nem Jesus pretendia conhecer essa data (Marcos 13,32). Não são tais os objetivos das expressões a respeito de Deus. As metáforas com as quais balbuciamos a respeito de Deus servem para orientar o nosso viver e para nós mesmos realizarmos o projeto de nossa vida: sermos imagem e semelhança d’Ele! (Gênesis 1,26). O ser humana não precisa inventar imagens esculpidas ou fundidas de Deus. Deus forneceu sua imagem no próprio ser humano.
Ser humano é realizar na vida a imagem de Deus, já que Deus não é uma entidade separada de nós e fora de tudo aquilo que existe, mas antes, “nele vivemos, nos movemos, e somos” (segundo a citação de Paulo em Atos 17,28). Ora, precisamos de um modelo, de um protótipo para realizar essa nossa vocação. Esse modelo é Jesus de Nazaré, “primogênito da criação” (Colossenses 1,15). Conforme a visão do autor de Colossenses, Deus tinha Jesus diante dos olhos quando criou Adão e Eva “à sua imagem e semelhança”. Imagem e semelhança de quem? De Deus ou de Jesus? Encontrei a resposta na catedral de Chartres. No portal norte da catedral aparece, como coluna angular, uma escultura emocionante: Deus criando Adão, na estatura de um adolescente, olhando para o rosto de seu Criador. Os traços de seu rosto são os de Jesus, que, por sua vez são os traços do próprio Criador. O rosto do Pai e Criador se espelha no rosto de Adão-Jesus. Jesus nos veio mostrar como é Deus, para que nós sejamos como Ele... Jesus... Deus. Somos deiformes. Jesus como modelo perfeito, nós como fracas imitações, mas no caminho de nossa vida Deus completa sua escultura em nós pela sua graça.
O evangelista João, como já a literatura sapiencial de Israel, busca sua metáfora não na escultura, mas na literatura, na linguagem. Antes de encetar o trabalho, Deus fala uma palavra para si mesmo, concebe um projeto para orientar seu afazer: a Memra (em aramaico), o Logos (em grego). “No princípio era a Palavra”. A Deus mesmo, ninguém o pode ver, mas sua palavra é o que ele mesmo é, exprime perfeitamente o que ele é para nós. “A Palavra estava junto de Deus... era deus”. E ela nos dá a conhecer tudo o que nos cabe conhecer a respeito de Deus. “A Deus, ninguém jamais viu; o Unigênito que é deus, aquele que está virado para o seio do Pai, ele no-lo deu a conhecer” (João 1,18). Assim como é esse “Unigênito”, esse único entre os muitos “gerados de Deus” (pois é assim que João, diversas vezes, chama os que creem em Jesus), assim é Deus. E na hora de dar sua vida por amor, ele diz; “Quem me viu, viu o Pai” (João 14,9). Assim é Deus: amor até o fim (1 João 4,8). E quem ama como Jesus amou, conhece Deus, porque participa na prática dele (1João 4,11).
Não me interessa provar que Deus existe no sentido como entendem aqueles que O negam... Interessa-me saber como Ele é, para saber como eu devo ser.
Johan Konings
(texto publicado na sua coluna no site Dom Total 23/12/2015)