O desafio de ser "de Deus" no meio "do mundo": A oração e o acompanhamento espiritual
Hoje, não menos que ontem, o cristão – seja ele clérigo, religioso ou leigo – é chamado a viver a sua fé em Deus, e o seguimento de Jesus Cristo que ela inclui. sempre mais no meio do mundo. Mundo este que não é o mundo idílico, perfeito, completo e reconciliado que parecem descrever muitos dos modernos discursos. Pensamos, em particular, nos marcados pelo otimismo dos progressos e conquistas da modernidade, assim como nos que se encontram atravessados de lado a lado pela interpelação legítima, mas nem sempre objetiva, da questão ecológica. A inserção nas realidades temporais ou terrestres é específica para cada um e todos os batizados, podendo acontecer sob variadas formas mais ligadas a carismas pessoais.
No entanto, é no meio deste mundo que o cristão – leigo, religioso ou sacerdote – é chamado a viver o que se chama "experiência de Deus", a descobrir o fato grande e ao mesmo tempo tão simples de que Deus é um Deus que se revela e, mais do que isso, que se deixa experimentar. E essa experiência não é unilateral (o homem experimenta Deus), mas tem duas vertentes e duas vias (Deus mesmo deixa-se experimentar pelo homem que o busca e o experimenta).
Assim, ao mesmo tempo que propicia ao homem o gosto e o sabor da sua vida divina, Deus entra pela realidade humana, mortal e contingente, através da encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. (...) A esta experiência de Deus, fruto do dom pleno e radical do mesmo Deus, só pode suceder, por parte do cristão, a oblação total e radical da vida, único e mais precioso bem, em culto espiritual agradável a Deus. À entrega divina total só pode corresponder uma resposta e uma entrega igualmente totais por parte do ser humano. Quanto a esta exigência, não existe distinção de categorias, segmentos ou níveis de pertença dentro do povo de Deus. Oferecer-se inteira e totalmente, «oferecer o seu corpo como hóstia viva, santa, imaculada e agradável a Deus» (cf. Rm 12,1), é o culto espiritual de todo e qualquer cristão, seja ele quem for e qualquer que seja a sua pertença a um segmento da organização eclesial.
Há que ver, no entanto, como esse desejo e essa entrega feita de totalidade se configurarão na vida de cada um. Segundo o género de vida ou espaço onde está situado, o cristão deverá viver a oblação da sua vida com ênfases, destaques e tendências diferentes. No entanto, há alguns elementos comuns que estarão sempre presentes, desde que a espiritualidade vivida seja a cristã.
A oração
Não há espiritualidade cristã possível sem uma vida densa e intensa de oração. Por trás dos "slogans" – «Tudo é oração», «A oração que nos tira do trabalho e leva para uma casa de retiro corre o risco de transformar-se em alienação», «A oração é importante para a luta ser mais eficaz» e outros – esconde-se uma mal disfarçada superficialidade que banaliza o chamamento de Deus e a experiência dos grandes santos.
Esses, sim, fizeram da vida inteira uma oração. Porém, aí, aportaram já na sua maturidade, após lutarem e sofrerem esperas, demoras, noites escuras e outras provas espirituais, buscando o encontro com o Senhor na oração explícita e gratuita, gozosa, sim, mas não menos laboriosa e padecida, sem imediatismos nem utilitarismos.
Sem esse tempo «perdido» diante do Senhor, buscando conhecê-lo como se é conhecido, abrindo-se e entregando-se ao seu mistério incompreensível e "imanipulável", que não é diferente do seu amor que aquece o coração e consola o espírito; sem outro desejo mais imediato que não seja o de o louvar e extasiar-se diante da beleza e da maravilha da sua criação e da doação suprema da sua redenção que se tornam santificação operada pelo Espírito, não há condições de haver qualquer tipo de espiritualidade, e muito menos a cristã. E isto para ninguém, não apenas para o leigo.
E, neste particular, como noutras áreas, há um importante elemento de ajuda que não pode deixar de estar presente: a direção ou acompanhamento espiritual.
A direção espiritual: neste sentido, o documento de Santo Domingo [IV Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, outubro de 1992] emite uma sábia observação, no número 42, ao dizer: «É notória a perda da prática da “direção espiritual”, que seria muito necessária para a formação dos leigos mais comprometidos…». Infelizmente, nos tempos mais recentes, esta é uma triste verdade. Enquanto em épocas mais antigas, a presença de alguém «mais velho» ou mais experiente, que acompanhava, qual pedagogo paciente, os avanços e recuos do cristão nos caminhos da oração e da vida do Espírito, que sofre com as provações e se alegra com as consolações, era parte integrante da caminhada de fé, hoje, isto torna-se uma realidade cada vez mais rara.
A assim chamada – própria ou impropriamente, pouco importa – direção espiritual foi substituída pelas partilhas comunitárias, pelas revisões de vida e outras formas de compartilhar o coletivo. Porém, cada vez mais se constata que o diálogo a dois é insubstituível, para que o cristão possa abrir o seu coração, na confiança e no desejo de crescer nos caminhos do Senhor, narrando a história de Deus na sua vida. Isso feito com alguém discreto que, mistagogo experimentado, ajude a superar obstáculos e a desfazer nós; alguém que, teógrafo refinado, auxilie a decifrar a escrita divina gravada «não com tinta, mas com o Espírito Santo nos corações» (cf. 2Cor 3,3); alguém que, diácono humilde, saiba não se interpor entre a pessoa e Deus, mas alegrar-se como o amigo do Esposo ao ouvir a voz deste (cf. Jo 2,29-30), e retirar-se quando «o Criador está agindo diretamente com a criatura e a criatura com o seu Criador e Senhor».
A antropologia subjacente ao exercício da direção espiritual é uma antropologia intersubjetiva, que coloca a experiência de Deus no terreno das mediações humanas. O diálogo com o outro ou outra – no caso, do diretor ou orientador espiritual – garante a dimensão comunitária e social tão característica da experiência espiritual cristã. Abrindo ao outro os caminhos da Palavra de Deus e da vida eclesial, e ajudando-o a interpretar os seus desejos e impulsos, medos e fugas, o orientador desempenha na Igreja um verdadeiro serviço, um importante (embora humilde e discreto) ministério. O crescimento de uma espiritualidade cristã total e não setorial poderá certamente, com a ajuda de Deus, permitir que este ministério seja cada mais desempenhado por leigos/leigas. Já há sinais animadores neste sentido na Igreja, em todo o mundo.
A oração assim vivida e guiada será, então, verdadeiro discipulado, já que coloca o orante na escuta de Deus e da sua vontade, e se transforma em verdadeira aprendizagem do seguimento e serviço do Senhor no meio do mundo, onde tantas diferentes solicitações, provenientes nem sempre do mesmo Espírito, se cruzam e muitas vezes dividem, confundem, enganam.
Já desde o Novo Testamento aparece claro que, para o cristão, qualquer que seja a situação em que se encontre, é necessário certo desprendimento e indiferença em relação às coisas, no sentido de que nada é absoluto ou indispensável. Tudo é meio e, portanto, relativo para atingir o fim que se pretende, que é sempre a maior glória de Deus. Realizar isso na própria vida, no entanto, não se faz sem tensões e conflitos.
Embora a Bíblia seja pródiga em valorizações daquilo que é histórico, real, concreto, palpável e humano, o que mais fica patente na sua mensagem é uma tensão sempre presente e sensível entre o absoluto escatológico e o pleno compromisso nas tarefas do mundo.
E a grande pergunta do discípulo, daquele que quer seguir Jesus Cristo e viver segundo o seu Espírito, continua a ser, hoje, como sempre: «Como estar no mundo sem ser do mundo?»; «como usar das coisas do mundo como se delas não fizesse uso?». Como seguir Jesus tal como Ele exige ser seguido, com todas as radicais exigências que coloca aos seus discípulos, e, ao mesmo tempo, viver humanamente a vida desta terra?
Trata-se, afinal, de usar do mundo ou de transformá-lo? Fugir dele ou construí-lo? É inevitável que, olhando para os últimos cinquenta anos, a pergunta se coloque: a busca apaixonada pela libertação e a transformação da realidade implicou uma diminuição ou mesmo um resfriamento da vida de oração, da liturgia, do culto, do louvor propriamente dito? E, se isso aconteceu, foram os leigos os mais afetados por este estado de coisas, militantes atirados na voragem de um ativismo sem quartel, perdendo nesse processo referencial eclesial, litúrgico, comunitário, etc.?
Ora, já desde os tempos neotestamentários, o cristão é uma pessoa que vive, como o cavaleiro, entre tempo e eternidade; ou melhor, é alguém que experimenta, na sua carne e na sua vida, a eternidade que atravessa o tempo histórico e, por dentro, trabalha-o e configura-o. É ele, portanto, um «vivente escatológico », ao mesmo tempo cidadão de um futuro absoluto e da cidade celeste, e, por isso, estrangeiro neste mundo, no qual sempre se encontra como que exilado e «fora» de lugar. E, no entanto, experimenta assim o belo paradoxo de que esta terra, que não é a sua pátria definitiva, lhe é dada por Deus como dom e missão: como domínio a gerir, como obra a acabar, como plenitude a consumar. (...)
O batizado é chamado a oferecer constantemente o sacrifício espiritual da vida consagrada a Deus, não se conformando com este mundo, mas discernindo nele o que é melhor, o que é perfeito, o que é de Deus (cf. Rm 12,1-2). O cristão leigo, cristão «sem adjetivos nem acréscimos», que por muito tempo foi definido como aquele que não celebra o sacrifício ritual, é, no entanto, protagonista indiscutível deste sacrifício existencial que consiste na oblação da própria vida a Deus para o serviço do mundo e dos irmãos.
A espiritualidade que cabe, portanto – hoje mais que nunca –, a todo cristão é uma espiritualidade de discernimento, ou seja, de busca da vontade de Deus no horizonte do seu plano de amor. Nessa busca, cada um e cada uma vai encontrar-se com as tentações e as ilusões próprias das situações diferentes e variadas em que se vir colocado. Mas a todos, leigos, religiosos ou clérigos, será pedido que vislumbre e sinta, através de toda a floresta de diferentes «espíritos» que sopram, convidam e solicitam em todas as direções o sopro do verdadeiro Espírito divino, Espírito Santo único que santifica e conduz ao seguimento de Jesus Cristo e à vontade do Pai, desmascarando o mundo e as suas falácias e mostrando a verdadeira face do verdadeiro Deus.
Em decorrência disso, todo o cristão está comprometido na missão da Igreja, forma histórica da vontade de salvação de Deus: como testemunha da fé e da caridade de Cristo e, portanto, como enviado em missão apostólica, fazendo brilhar, no meio do mundo, Deus e o Evangelho. Todo o batizado é enviado e carrega consigo, seja qual for a sua situação ou estatuto canónico, a responsabilidade da Boa-Nova de Jesus. A vida de qualquer cristão é levada a testemunhar que, a partir de Jesus Cristo, só é profano o que é profanado pelo pecado e tudo pode ser consagrado porque o Espírito santifica o uso que das coisas se faz.
Enviado no meio do mundo, impulsionado pela força do Espírito, o cristão vive a sua própria identidade, não dividida em termos de contraposições como "clero" vs. "laicato", mas na chave de uma antropologia comunitária e, por conseguinte, eclesial e trinitária. A espiritualidade cristã é uma espiritualidade do eu em comunhão, portanto, do nós opondo-se assim a todos os individualismos e isolamentos. Ser «pneumatóforo» (portador do Espírito), portanto, significa para o cristão ser ao mesmo tempo «eclesiofânico» (manifestador da Igreja) e, mais ainda, «teomorfo» (que tem a forma de Deus) e «teóforo» (portador de Deus), irradiando no meio do mundo a semelhança entre o seu próprio ser (pessoa-Igreja) e o Deus-Trindade.
Sendo a Igreja, no dizer da teologia oriental, «a humanidade em vias de “trinitarização”, e o universo em vias de transfiguração», a eclesiologia é inseparável dos mistérios que estão no coração da revelação cristã e, portanto, inseparável da espiritualidade cristã em si mesma. A espiritualidade cristã é para ser vivida nessa comunidade chamada Igreja, onde os diferentes carismas e ministérios, suscitados pelo mesmo Espírito, não se opõem ou contrapõem entre si; mas, ao contrário, se complementam na liberdade, tendendo todos, juntos e cada um com a sua originalidade própria, para aquele que é o fim último do projeto cristão: a santidade.
Maria Clara Bingemer
In "Ser cristão hoje", ed. Ave Maria
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