Mente e Coração

 Há filósofos que são lidos apenas pelos que se interessam pela filosofia e há filósofos mais propícios a interessarem a mais pessoas, como é o caso do francês Pascal (1623-1662). Conhecedor agudo, e corajoso, da alma humana, há sempre o que aprender com ele. É de Pascal, por exemplo, o dito famoso: “O coração tem razões que a própria razão desconhece”. Esperávamos que ele dissesse que há um domínio próprio do coração, imune à razão. O que é verdade, mas não toda a verdade. Pascal diz mais: diz que a razão não se conhece inteiramente, que há algo desconhecido no seu interior, a que ela própria jamais terá acesso. A razão é por natureza incompleta. Isso já ajudaria a mostrar o erro de todos que apostam na onipotência da razão ou que nela demonstram uma confiança absoluta. Mas há mais, o melhor está por vir. Diz Pascal que o coração tem suas razões, ou seja, que o coração tem seu movimento próprio, que é capaz de nos indicar caminhos a seguir e  caminhos a evitar.  

A insistência na via do coração, mais capaz de acolher e escutar toda a complexidade da existência humana, é sobretudo um advertência à pretensão e ao  orgulho que tanto caracterizariam a modernidade que então ensaiava os seus primeiros passos. O costume da razão de tudo submeter a si, de tomar a si própria como critério último para estabelecer a verdade indica a vontade humana de autossuficiência, a disposição de pensar e agir como senhora do universo e como  mestra da existência.

A atenção ao que diz o nosso filósofo talvez nos aproxime  um pouco mais da gramática dos movimentos do coração humano, mais capaz de reconhecer o alcance e os limites que nos constituem  e que tornam a vida humana essa junção paradoxal, algumas vezes tremenda, outras vezes fascinante, do finito e do infinito.

Ricardo Fenati

Equipe do Centro Loyola

12.03.2021

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