Pertencemos, simultaneamente, a duas tradições, a que vem da Bíblia e a que vem dos gregos, junção que faz com sejamos espiritualmente ocidentais. Se qualquer uma delas vier a se apagar, é todo um estilo civilizatório que desaparecerá. O texto bíblico, revelado que é, solicita de nós a experiência da fé e a aventura da razão, impulsionada em terras gregas, escora-se na experiência reflexiva. Abrindo mão de uma ou de outra ou reduzindo um à outra, fé e razão, estaríamos abandonando um percurso já mais do que duplamente milenar. Mas é sempre hora de nos voltarmos para nós mesmos e ver há quantas anda a herança que recebemos. Até porque não dispomos de nenhum acerto sobre a repartição adequada entre esses dois campos, que é sempre dinâmica e sofre o assédio irregular da história. Aqui nos ocupamos, com a brevidade que a coluna permite, da fé. Na próxima quinzena, vamos falar da razão.

 

Diante do horizonte sempre aberto da existência humana, o texto revelado se oferece à nossa confiança, assinalando o nosso limite e, ao mesmo tempo, o pertencimento ao que nos excede.  Aproximando de alguma forma esses dois pontos, percepção do limite e sentimento de pertencimento, a experiência da fé, longe de apequenar ou restringir o espaço humano, o estende mais e mais, permitindo que convivamos, ainda que de modo sempre inquieto, com o que nos habita sob a forma de um excesso.

A inquietação, entretanto, é uma companhia dolorida, sendo, por isso, mais do que compreensível a nossa propensão para capitular. Incapazes de suportar a porção de silêncio e de impotência que nos envolve, corremos numa direção redutora, substituindo o silêncio pelo palavreado eufórico, o que, de sobra, parece, apenas parece, derrotar a impotência.

 

Mas procedendo assim, teremos, ao final, menos e não mais. Se o exercício do silêncio e o acolhimento da impotência deixam aberto o espaço para a experiência da fé, a palavra impaciente apenas nos devolve a nós mesmos.

 

Para pensar na quinzena:

“ O raciocínio deixa facilmente na sombra o que desejamos conservar oculto.” (George Bernanos)

 

 

Ricardo Fenati

Equipe do Centro Loyola

14.02.2012