Marx escreveu um dia que a humanidade só propõe problemas que pode responder. Acho que não é bem assim. A primeira observação é que há uma ordem no mundo que, custo, procuramos decifrar. Nesse sentido, os problemas não são postos por nós, são postos a nós. No campo das ciências da vida, por exemplo, , e é o caso do Covid 19, somos desafiados pelo que chega da realidade. Perguntamos, construímos hipóteses, que são testadas, fazemos todo um movimento em busca de compreensão. Pode ser que acertemos, pode ser que não. Mesmo acertando, novos problemas brotam e com o crescimento do conhecimento cresce, paradoxalmente, o número de problemas a resolver. Que, é bom lembrar, não podemos garantir que serão resolvidos. E são muitas as possibilidades: uma resolução parcial, uma resolução que acaba sendo revista, uma resolução inesperada.  E note-se que em muitos casos a resolução de um problema altera significativamente o saber constituído, levando a investigações sobre pontos que pareciam estabelecidos. Enfim, não há respostas definitivas, o conhecimento é uma aventura, no qual o que ainda não sabemos deve preponderar sobre o que já sabemos.

A isso se acrescente que há outros domínios de problemas para além da ciência, para os quais  não contamos com respostas como as que são possíveis no campo das ciências. Problemas de natureza ética, como a distinção entre o bem e o mal, problemas de natureza filosófica/teológica com a clássica preocupação em torno do mal ou os que se referem à existência de Deus, problemas do domínio político, atinentes à sociabilidade humana, problemas relativos à arte enquanto forma de decifração da realidade, entre outros. Em todos esses casos, lidamos com questões que ultrapassam de muito a ilusão de uma resolução acabada. E não seria demais dizer que aqui o esforço de compreensão, justamente porque é sempre inacabado, assinala o que nos humaniza, o que nos singulariza.

Uma vez mais é preciso assinalar que, antes de interrogar, tarefa nossa, somos interrogados pela realidade. É dela que chegam as perguntas que, mesmo que não possamos responder a contento, não podemos deixar de nos colocar, sob pena de recusar  o mistério a que, na nossa intimidade,  pertencemos.  

Ricardo Fenati

01.04.2021

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