Palavras abrem mundos, descerram paisagens, dentro e fora de nós, que sem as palavras permaneceriam ocultas ou desconhecidas. Um poema, um romance, uma boa conversa, uma oração, o diálogo corajoso, tudo isso são formas de revelação, de decifração do que está em jogo, do que sentimos, do que é real. Dar um nome, isso esteve e continua estar no começo de tudo. A cultura, o conjunto das obras humanas, pode ser vista, como uma longa atividade de denominação.

Entretanto, como tudo o que é humano, há sempre  riscos a serem evitados, desvios que podem fazer com que percamos o mais essencial. Um deles é o desconhecimento do valor da linguagem, a atitude que subordina inteiramente as palavras aos objetos. Assim, tomamos o que é mais imediato, as coisas e objetos que nos rodeiam, como sendo o mais real, contentando-nos com aquilo que está à mão, exigindo de tudo uma utilidade imediata. Emudecidas, as palavras são coladas nos objetos, como se fossem meras etiquetas. Cedemos, assim, a um pragmatismo impaciente e cego. Um segundo risco é o oposto: aqui tomamos as palavras encerradas nelas mesmas, como se palavras fossem o mundo. Perdidas de sua relação com a realidade, envolvem-nos ao modo de uma teia que sempre remete a si mesma. Num e noutro caso, recusamos o rico circuito que leva do mundo à palavra e da palavra ao mundo.

Melhor seria se aprendêssemos a ver nas palavras passagens para o infinito mistério de que somos feitos e de que também é feito o mundo a que pertencemos.

Ricardo Fenati

28.04.2021