Essa expressão, pecado, que continua a circular entre nós, ao lado da sua abordagem mais diretamente religiosa, pode ser considerada um lugar de onde a existência humana, sempre paradoxal, ganha alguma visibilidade. São sete os pecados considerados capitais na tradição católica: Inveja, Gula, Ira, Avareza, Luxúria, Preguiça (Acídia, Melancolia) e Orgulho. São mencionados em mais de uma tradição religiosa, e em algumas tradições voltadas para a sabedoria; essa onipresença deve nos lembrar que, para além da diversidade das culturas e das histórias de cada um de nós, estão inscritos na condição humana, da qual pretendem ser uma espécie de mapa. São avessos à vida comunitária, assinalam o desconhecimento de qualquer alteridade e indicam uma voracidade individual ilimitada. A avareza guarda e acumula sem cessar, a inveja visa menos a busca do bem por quem a sente e mais a destruição de quem invejamos, o orgulho nada vê além de si, exigindo uma submissão generalizada.
Apesar de terem em comum um abuso, um deslizamento para além dos limites, uma impaciência que recusa os desafios da autonomia que nos humaniza, há entre eles diferenças que devem merecer nossa atenção. Há os que parecem não conter qualquer prazer mais direto – Inveja, Ira, Avareza -, há os que, mesmo podendo ser autodestrutivos, envolvem um espaço de prazer legítimo – Gula, Luxúria - , há os que parecem mais simples – Preguiça – e há o que talvez seja o mais grave de todos – Orgulho. Vou me ater, rapidamente, a um deles, a Luxúria, tradicionalmente visto como o de combate mais difícil, aquele sobre o qual o interdito é mais explícito.
Se o interdito aqui é mais explícito, e é, toda violação parece provir da liberdade, o que tornaria dispensável qualquer reflexão, bastando garantir o direito a quem o reclamar. Entretanto, nada do que é humano é assim, nada passa sem o registro simbólico. O mesmo desafio presente nos demais pecados aqui está presente e, talvez, em níveis mais profundos. Aqui a luta pela autonomia, a busca de quem somos, a aventura da existência, assume contornos mais dramáticos.
Lidamos com a sexualidade como quem lida com algo que nos é desconhecido e, simultaneamente, familiar. Ora, diante disso, não poucas vezes, o receio nos leva a um esforço de banalização, que parece a muitos a única alternativa diante disto que nos excede e mobiliza sem cessar. Assim, de várias formas, que vão da desatenção à obscenidade, nós a desumanizamos. Não porque a acolhemos, mas porque a condenamos.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
26.11.21
Orações são uma busca de intimidade com o Sagrado. Há as que constam das liturgias conhecidas, mas nem por isso outras, ainda desconhecidas, deixam de aparecer em lugares os mais insuspeitos. Toda intimidade é conquistada à custa de levantarmos o véu de nossos hábitos, que escondem a estranheza inseparável da realidade e sua sempre renovada face, às vezes tornada visível num poema, num romance, num rosto inesquecível, numa música que nos invade e desnorteia. Outras vezes a intimidade irrompe em meio ao silêncio da noite avançada ou numa simples manhã, inesperadamente.
Kafka é um desses lugares onde, em meio aos seus aforismos, encontramos pequenos bilhetes orantes. Com um deles aprendemos que somos marinheiros (“Esta sensação: não vou ancorar aqui -e logo sentir à sua volta a corrente ondulante que nos leva!), noutro somos lembrados de “Duas possibilidades: fazer-se infinitamente pequeno, ou sê-lo. A segunda é perfeição, logo inação, a primeira é começo, logo ação.” Cada um dos bilhetes aponta para a espiritualidade naquilo que ela tem de essencial, ou seja, a lembrança de que, em meio à vida, permanecemos habitados por algo que nos ultrapassa e a que, paradoxalmente, também pertencemos. Kafka, ainda uma vez: “ Existem dois pecados mortais do Homem, de onde derivam todos os outros: a impaciência e a indolência. Foi por causa da impaciência que foram expulsos do Paraíso, é por causa da indolência que não voltam para lá. Mas talvez exista apenas um pecado mortal: a impaciência. Por causa da impaciência foram expulsos, por causa da impaciência não voltam para lá.”
Ricardo Fenati
17.11.21
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Em algum texto Kierkegaard, o filósofo e teólogo dinamarquês, nos lembra que a alma é conquistada pela paciência. E paciência, como sabemos, é acolhimento, espera, tempo que passa lentamente. Muitas vezes, apressados como tendemos a estar nos dias que correm, exigimos que tudo se esclareça mais rapidamente, que basta encontrar as palavras e a realidade nos será entregue. Às vezes é assim, mas não sempre, e nunca nas questões e nos momentos mais decisivos da vida.
Paciência é espera, mas não só. Não é como uma viagem longa que suportamos. Numa viagem assim, sabemos onde chegaremos e quando chegaremos, mesmo com eventuais atrasos. E mais: ao longo do caminho, vamos confirmando o itinerário. A paciência de que fala Kierkegaard, a paciência necessária à busca da alma, é outra, assemelha-se mais à paciência da semente, que antes de vir à luz, tem sua hora longa de incerteza sob a terra. Não é o movimento de um lugar a outro, mas uma descoberta, quase um nascimento. Mas é verdade que não estamos habituados a esse ritmo, que começa sempre pela partida, pelo abandono, pela passagem, como diz o Evangelho, à outra margem. E nessa hora, mais do que um esforço, cabe a nós, apesar do medo, acolher a confiança naquilo que, silenciosamente, opera-se em nós e que chamamos de alma.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
11.11.21
Entre os novos direitos reivindicados, alguém bem que poderia incluir o direito ao silêncio. Não o silêncio quando é a palavra que se torna necessária e nem o silêncio imposto a aqueles cuja voz jamais deveria ser silenciada. O silêncio de que falo é esse que permite a escuta e propicia a reflexão, esse que recusa a pressa da palavra, sempre ansiosa por ocupar todos os espaços. Um outro silêncio, o que ao invés da palavra, mesmo a bem intencionada, sustenta a contemplação silenciosa e reverente do mistério que nos envolve, sejam as pequenas epifanias do cotidiano, seja o espanto maior diante do milagre da existência. Talvez o silêncio vá adiante e nos mostre que, para além da gramática que organiza e disciplina a linguagem, há um ritmo nos sentimentos, há aí uma ordem sutil, que o cuidado propiciado pelo silêncio permite acompanhar. O silêncio distende o tempo, amplia o espaço e permite que sintamos os mundos que brotam na mesma medida em que guardamos nossas palavras.
Uma tradição conhecida lembra que ao nomearmos Deus, não é Deus que nomeamos. É bem possível já que nossas palavras, que tanta serventia mostram, aqui são de pouca ajuda. O silêncio não é mais eloquente aqui, onde tudo o que temos é o rumor inesgotável que vem de Deus?
Ricardo Fenati
03.11.2021
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Um desses ditos célebres, que de tanto repetidos já não se sabe a autoria, lembra que muitas vezes podemos ser punidos justamente pela nossa virtude maior. Donde vem a razão disso, uma vez que virtudes são um bem a ser buscado? Assim a paciência é preferível, à ira, a humildade ao orgulho e generosidade à avareza.
Virtudes, entretanto, são traços humanos e nossa humanidade a tudo marca, em tudo está presente. E onde estamos está nossa ambivalência, nossa incompletude, nossa escuta interminável de nós mesmos e, tantas vezes, nosso desejo de uma identidade mais plena, que nos livre dessa abertura que nos constitui e com a qual temos que nos haver. Ora, nosso esforço em direção a uma virtude – seja a bondade, a generosidade, a humildade ou outras ainda – pode despertar o sempre possível orgulho em nós e nos levar a uma traiçoeira convivência com nossas virtudes. Imaginando-nos na posse absoluta de um bem – por exemplo, sempre generosos – acabaremos derrubados mesmo aí onde nos sentíamos completamente em casa. Não é dada à condição humana nenhuma espécie de perfeição, somos sempre alguma mistura em andamento, a propósito da qual cabe esperar que o melhor prevaleça, ainda que não sempre. A pretensão de rejeitar inteiramente o mal, desconhecendo quem somos, desencadeará, como a história de todos nós e mesmo a história geral registram, um mal ainda maior. Como sempre, a vigília paciente, silenciosa e acolhedora é mais própria do humano do que a ilusão da perfeição.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
27.10.21
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Simone Weil tem razão quando diz que de dois homens que não fizeram a experiência de Deus, o que o nega é talvez o que está mais perto dele? Parece que não, já que é nosso hábito considerar o ateísmo o ponto mais distante em relação a Deus. Não apenas distância, negação mesmo. Mas não há uma provocação nesse quase paradoxo? Não se pode dizer que, não poucas vezes, o Deus que alegamos existir, e que opomos ao ateísmo, é apenas uma extensão de nós mesmos, de nossas necessidades, de nossos temores, de nossas expectativas, de nossas crenças mais apressadas? Enfim, um Deus concebido segundo a medida humana. Por outro lado, não é mais do que legítimo que perguntemos ao ateu qual é o Deus que ele nega existir? Alguma coisa pode ser feita no sentido de examinar as ideias sobre Deus, sobretudo recorrendo à história da teologia, seja no que diz respeito às visões mais próximas da razão, seja no que diz respeito ao material vindo da tradição mística. Como a esse respeito há mesmo no que nós poderíamos chamar de camadas ilustradas muito desconhecimento, esse exercício será sempre aconselhável.
Entretanto, a provocação do que é dito por Simone Weil nos leva mais longe. Como a noção de experiência é hoje entendida quase exclusivamente no sentido das ciências (controle, repetibilidade, etc.), campos onde a experiência não cabe nesse figurino acham-se permanentemente sob suspeita. Nesses casos, mesmo que não se recuse a aceitar a experiência, ela é vista como destituída de caráter objetivo, passando a pertencer unicamente à esfera da subjetividade.
Daí a importância da citação da pensadora francesa e, para nós, a necessidade da insistência na natureza objetiva ou real da experiência religiosa, lugar natal e irredutível de toda reflexão sobre a religião
Ricardo Fenati
06.08.21
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De algumas palavras parece que só conhecemos aquilo a que se opõem. Paz talvez seja uma dessas palavras. Sabemos o que é a guerra, seja no sentido literal, seja nas múltiplas situações onde o desentendimento, a discordância e a contraposição ultrapassam qualquer possibilidade de pactuação. Não que o desentendimento ou a contraposição devam ser evitados a qualquer custo, de modo algum, ou que a paz seja necessariamente a meta a ser buscada. Uma certa dimensão conflitiva faz parte de nossa humanidade e das formas que assumem as comunidades humanas.
O que pretendo é que conversemos um pouco sobre a experiência da paz, não quando ela se ausenta, isso já sabemos, mas o que a caracteriza, que traços traz consigo quando ela se apresenta. Penso que o seu primeiro e mais fundamental componente é o sentimento de pertencimento, o reconhecimento de que há em nós, no que temos de mais íntimo, algo que nos ultrapassa. Outra experiência que está associada ao sentimento de paz é a amorosidade, essa disposição que faz de nós jardineiros cuidadosos, conosco, com as outras pessoas e como mundo. E talvez a paz esteja associada também à gratidão, esse sinal de que nos lembramos de quando fomos socorridos ou presenteados além do seria justo esperar. Assim, pertencer, então, parece ser um movimento incessante entre o que recebemos do que a nós excede e o que somos capazes de levar adiante.
Talvez a paz, a paz enquanto experiência humana, decorra desse movimento.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
28.06.2021
Lendo ao léu, esbarramos, por vezes, com textos cuja intensidade nunca se oferece a um primeiro olhar. Cito um desses, é de Jacques Maritain, que chama de pecado do angelismo “a recusa da criatura a submeter-se ou ser governada por quaisquer das exigências da ordem natural”. Angelismo, o que isso pode significar? Nada que deva nos surpreender, refere-se a uma inteligência que não sofre qualquer determinação material. Ora, segundo o autor, somos suscetíveis desse pecado ou, para usar outra expressão, desse erro com relação à condição humana. Nosso orgulho, traço antigo, ganha velocidade ao longo da modernidade, o que nos faz supor, apoiados no crescimento do nosso poderio, que somos artífices integrais seja da natureza e, mais recentemente, de nós mesmos. É como se a nossa consciência dispusesse de um domínio inconteste sobre a chamada ordem natural, como se ela pudesse estender infinitamente o seu domínio. Sem qualquer passivo ou pertencimento, a consciência, solitariamente, legislaria sobre o mundo. Essa inteligência, assim desencarnada, liberta de toda alteridade, não é um esforço de mimetizar o que Maritain assinala como angelismo? Vamos mais adiante. A originalidade do horizonte cristão é a Encarnação, essa reunião indissolúvel de dois domínios. Distintos, interagem sem cessar. Imaginar que essa dinâmica possa ser dar lugar a metades isoláveis ou que deva que qualquer dos domínios deva perder sua identidade é se afastar do que diz o cristianismo.
Desse modo, podemos ver no texto de Maritain uma observação crítica com relação a esse hábito contemporâneo de nos imaginarmos senhores ali onde não o somos e desconhecer, em nome da onipotência da consciência, a nossa morada, a nossa mundaneidade e as lições que daí decorrem. Não é outro o sentido da expressão ordem natural: trata-se do lugar de onde nós, criaturas que somos, partimos.
Ricardo Fenati
Equipe do site
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Uma oração de Kierkegaard, quase um poema, fala da dor e distingue as dores derivadas de preocupações inoportunas ou imaginárias das dores mais reais que chegam até nós. Das primeiras ele pede a Deus que nos livre, resultados que são de nossa agitação. Das segundas, as inseparáveis da existência, ele pede a Deus que dê a força e a humildade para suportá-las. Talvez Kierkegaard esteja falando menos de dores físicas e sim de outras dores, dessas dores que nós consideramos propriamente humanas. Há sim dores provocadas por nós mesmos, derivadas ora do nosso orgulho, ora de nossa incapacidade de conviver com nossas limitações, ora do receio das inevitáveis frustações que nos acompanham, enfim, dores que parecem desconhecer ou zombar da importância e da alta conta em que temos de nós. Todas elas, pode se dizer, são provocadas por nós próprios, pelo nosso autodesconhecimento, pela nossa impaciência.
Outras são as dores provenientes da existência, tantas vezes oriundas dessa nossa dupla origem, a finitude que nos habita e a infinitude que procuramos habitar. Estão associadas à desproporção tantas vezes sentida entre a extensão de nossa sede e o quão pouco ela pode ser saciada. Estamos sempre a meio caminho diante da beleza, diante da verdade, diante da bondade. Se percebemos, pela ausência, o que nos falta, o vigor da presença, ainda que restrita, que nos é possível experimentar, lembra de que pátria estamos, em parte, extraviados.
Tomara que sejamos capazes, como diz a oração, de evitar essa tirania que exercemos sobre nós mesmos, o excessivo amor próprio, e de acolhermos a falta que é inseparável da existência, cujo enfrentamento é sempre fonte de humanização e de sentido.
Ricardo Fenati
08.05.2021
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Palavras abrem mundos, descerram paisagens, dentro e fora de nós, que sem as palavras permaneceriam ocultas ou desconhecidas. Um poema, um romance, uma boa conversa, uma oração, o diálogo corajoso, tudo isso são formas de revelação, de decifração do que está em jogo, do que sentimos, do que é real. Dar um nome, isso esteve e continua estar no começo de tudo. A cultura, o conjunto das obras humanas, pode ser vista, como uma longa atividade de denominação.
Entretanto, como tudo o que é humano, há sempre riscos a serem evitados, desvios que podem fazer com que percamos o mais essencial. Um deles é o desconhecimento do valor da linguagem, a atitude que subordina inteiramente as palavras aos objetos. Assim, tomamos o que é mais imediato, as coisas e objetos que nos rodeiam, como sendo o mais real, contentando-nos com aquilo que está à mão, exigindo de tudo uma utilidade imediata. Emudecidas, as palavras são coladas nos objetos, como se fossem meras etiquetas. Cedemos, assim, a um pragmatismo impaciente e cego. Um segundo risco é o oposto: aqui tomamos as palavras encerradas nelas mesmas, como se palavras fossem o mundo. Perdidas de sua relação com a realidade, envolvem-nos ao modo de uma teia que sempre remete a si mesma. Num e noutro caso, recusamos o rico circuito que leva do mundo à palavra e da palavra ao mundo.
Melhor seria se aprendêssemos a ver nas palavras passagens para o infinito mistério de que somos feitos e de que também é feito o mundo a que pertencemos.
Ricardo Fenati
28.04.2021
Palavras, à maneira das ferramentas, são um esforço para lidarmos com o mundo e com os constantes desafios postos a nós. Sem elas, padeceríamos de uma miséria simbólica, danosa como toda miséria. Palavras, entretanto, são porosas à dinâmica da vida. Aparecem, são mantidas e, por vezes, desaparecem ou são esquecidas, incapazes de dar conta das inevitáveis mudanças a que tudo está sujeito. Longe de serem estáticas, de conservarem o significado depositado no dicionário, movimentam-se, alternam-se e não poucas vezes ganham um sentido inverso ao original. Ocorre algo assim com a palavra suficiência. Indica autonomia, suprimento, meta atingida, tudo isso que a faz desejável. Parece se opor à dependência, à submissão e mesmo à transferência de responsabilidade. Nós a usamos assim, e isso é proveitoso.
Mas isso é tudo? Esse desejo de autossuficiência não tem lá suas sombras, não aponta para um individualismo generalizado, não transforma o nosso horizonte num espelho que nos reenvia sempre a nós mesmos? O que torna possível e generosa uma amizade não é a disposição de nos abrirmos, de reconhecermos, junto à companhia do amigo/ amiga, de que há territórios internos inexplorados, que só a amizade amorosa pode desocultar? E se amamos, se somos capazes de amar, não é porque há em nós um inacabamento permanente que nos é revelado pela presença de quem amamos? Amizade e amor não são dois horizontes justamente abertos pela percepção e aceitação de nossa insuficiência? Daí que possamos, talvez devamos, falar, como uma espécie de paradoxo, de um dever da insuficiência, de modo que venhamos a acolher essas outras presenças, que chegam até nós pela amizade ou pelo amor, sem as quais somos irremediavelmente tolhidos em nossa humanidade.
Ricardo Fenati
22.04.2021
Marx escreveu um dia que a humanidade só propõe problemas que pode responder. Acho que não é bem assim. A primeira observação é que há uma ordem no mundo que, custo, procuramos decifrar. Nesse sentido, os problemas não são postos por nós, são postos a nós. No campo das ciências da vida, por exemplo, , e é o caso do Covid 19, somos desafiados pelo que chega da realidade. Perguntamos, construímos hipóteses, que são testadas, fazemos todo um movimento em busca de compreensão. Pode ser que acertemos, pode ser que não. Mesmo acertando, novos problemas brotam e com o crescimento do conhecimento cresce, paradoxalmente, o número de problemas a resolver. Que, é bom lembrar, não podemos garantir que serão resolvidos. E são muitas as possibilidades: uma resolução parcial, uma resolução que acaba sendo revista, uma resolução inesperada. E note-se que em muitos casos a resolução de um problema altera significativamente o saber constituído, levando a investigações sobre pontos que pareciam estabelecidos. Enfim, não há respostas definitivas, o conhecimento é uma aventura, no qual o que ainda não sabemos deve preponderar sobre o que já sabemos.
A isso se acrescente que há outros domínios de problemas para além da ciência, para os quais não contamos com respostas como as que são possíveis no campo das ciências. Problemas de natureza ética, como a distinção entre o bem e o mal, problemas de natureza filosófica/teológica com a clássica preocupação em torno do mal ou os que se referem à existência de Deus, problemas do domínio político, atinentes à sociabilidade humana, problemas relativos à arte enquanto forma de decifração da realidade, entre outros. Em todos esses casos, lidamos com questões que ultrapassam de muito a ilusão de uma resolução acabada. E não seria demais dizer que aqui o esforço de compreensão, justamente porque é sempre inacabado, assinala o que nos humaniza, o que nos singulariza.
Uma vez mais é preciso assinalar que, antes de interrogar, tarefa nossa, somos interrogados pela realidade. É dela que chegam as perguntas que, mesmo que não possamos responder a contento, não podemos deixar de nos colocar, sob pena de recusar o mistério a que, na nossa intimidade, pertencemos.
Ricardo Fenati
01.04.2021
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Razão e Sentimento
Que as ciências constituam um fator decisivo de conhecimento, por si mesmas e pela tecnologia delas derivadas, ninguém deve negar. E menos ainda nesse momento, onde é necessário um esforço mundial das comunidades científicas para fazer frente à pandemia. Daí não se deve concluir que a ciência ou mesmo a razão devam esgotar nossos esforços de aproximação da realidade. Vamos falar de mente, lugar da razão, e coração, lugar do sentimento. Para dizer de forma mais clara, temos acreditado e defendido que a atividade racional desvenda o mundo enquanto o sentimento desvenda a nós mesmos. O que pensamos pode ou não ser real, podemos acertar ou errar a respeito do que buscamos compreender, mas o sentimento esse sempre indica a nós mesmos e a nada do real pode pretender acessar. Será assim mesmo ou se trata de dois domínios distintos que é preciso não superpor?
Poderíamos recorrer a exemplos da vida cotidiana, esses que todos nós já vivenciamos. Assim, não é verdade que, muitas vezes, nos sentimos inexplicavelmente mais próximos de alguém que acabamos de conhecer e não, conforme a razão aconselharia, daqueles a quem conhecemos há mais tempo? Uma troca de olhares não revela mais o que está se passando do que uma longa conversa? Exemplos assim podem ser multiplicados.
Mesmo nas ciências não ocorre via intuição ou pressentimento a acolhida de uma hipótese que acaba se revelando de alto alcance explicativo, antes considerada absolutamente improvável? E também não é verdade que para questões de longo alcance, marcadas pela incerteza e pela imprecisão, questões pertencentes a territórios inexplorados, o sentimento, na variedade de suas formas, não é um guia mais capaz de desvendamento do que a razão? Muitas vezes a vastidão do universo encontra uma correspondência melhor na vastidão do coração do que nos limites que a razão é obrigada a obedecer. Como disse acima, são domínios distintos, de distinta serventia. Seria bom que aceitássemos isso.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
25.03.2021
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Mente e Coração
Há filósofos que são lidos apenas pelos que se interessam pela filosofia e há filósofos mais propícios a interessarem a mais pessoas, como é o caso do francês Pascal (1623-1662). Conhecedor agudo, e corajoso, da alma humana, há sempre o que aprender com ele. É de Pascal, por exemplo, o dito famoso: “O coração tem razões que a própria razão desconhece”. Esperávamos que ele dissesse que há um domínio próprio do coração, imune à razão. O que é verdade, mas não toda a verdade. Pascal diz mais: diz que a razão não se conhece inteiramente, que há algo desconhecido no seu interior, a que ela própria jamais terá acesso. A razão é por natureza incompleta. Isso já ajudaria a mostrar o erro de todos que apostam na onipotência da razão ou que nela demonstram uma confiança absoluta. Mas há mais, o melhor está por vir. Diz Pascal que o coração tem suas razões, ou seja, que o coração tem seu movimento próprio, que é capaz de nos indicar caminhos a seguir e caminhos a evitar.
A insistência na via do coração, mais capaz de acolher e escutar toda a complexidade da existência humana, é sobretudo um advertência à pretensão e ao orgulho que tanto caracterizariam a modernidade que então ensaiava os seus primeiros passos. O costume da razão de tudo submeter a si, de tomar a si própria como critério último para estabelecer a verdade indica a vontade humana de autossuficiência, a disposição de pensar e agir como senhora do universo e como mestra da existência.
A atenção ao que diz o nosso filósofo talvez nos aproxime um pouco mais da gramática dos movimentos do coração humano, mais capaz de reconhecer o alcance e os limites que nos constituem e que tornam a vida humana essa junção paradoxal, algumas vezes tremenda, outras vezes fascinante, do finito e do infinito.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
12.03.2021
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“Deus só conta até um” é uma dessas expressões que atravessa a Idade Média, época sempre voltada para a dinâmica da aproximação entre Deus e os humanos. Refere-se, simultaneamente, a Deus e a nós e indica uma alteridade, condição de toda relação. Longe de insistir em qualquer individualismo, a expressão diz respeito, de início, ao reconhecimento da responsabilidade e do cuidado que cabe a cada um de nós, singulares que somos todos. Responsabilidade no sentido de que não nos é possível ocultar-nos em alguma instância alegadamente acima de nossas forças, que desencadearia ou impediria nossas ações. E cuidado no sentido de nos dedicarmos ao aprendizado de quem somos, essa tarefa que é, ao mesmo tempo, uma descoberta e uma construção.
Para além da responsabilidade e do cuidado, que é o que nos cabe, a expressão, na sua aparente simplicidade, assinala o que faz parte da espessura mesma do cristianismo, a realidade, para usar um termo da filosofia, ontológica da criatura, a sua indissolubilidade. Uma vez criados, emergindo do amor de Deus, permaneceremos. Existindo em meio à história, singularizados, abertos ao momento em que nos foi dado viver, trazemos todos essa dupla constituição, a imersão num tempo, num lugar, e a presença fiel da transcendência que, igualmente, habitamos.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
04.03.2021
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Mapas e lugares são coisas distintas. É certo que nenhum mapa, por mais detalhado que seja, substitui ou equivale a uma visita ao lugar. Do mesmo modo, experiências quando relatadas, ou mesmo recordadas, perdem muito do sabor original. Isso costuma nos levar a insistir na primazia da experiência, o que não está errado, mas também a recusar qualquer valor ao relato e à reflexão, o que não parece certo. Vamos a um exemplo: alguém que tenha uma experiência da presença de Deus. Uma tal presença é sentida com intensidade, guardada na memória e parece sempre exceder qualquer descrição. É ainda com essa presença viva no coração que alguém pode desconsiderar a reflexão teológica, o discurso sobre Deus, como abstrato, árido e distante da realidade. Mas vejamos se isso é tudo. De início, é bom lembrar que a teologia, cunhada ao longo do tempo, se alicerça nas experiências vividas por inúmeras pessoas, o que confere a ela uma universalidade que reflete a riqueza da experiência religiosa. Acrescente-se a isso o fato de que a experiência mantida na esfera do sujeito é destituída de qualquer valor formativo de mais longo alcance. A linguagem tem esse poder disseminador que permite o vislumbre de horizontes que, não sendo assim, permaneceriam desconhecidos. Não se trata de escolher um ou outro caminho, de decidir entre a experiência vivida e o caminho da reflexão, mas de entender a circulação permanente entre os dois domínios. São distintos os seus significados e se há uma preponderância da experiência, fonte última da reflexão, não há porque negar o papel da reflexão enquanto possibilidade de desvendamento da experiência. Ganharíamos todos se mantivéssemos atentos aos dois domínios.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
18.02.2021
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Assim como Machado de Assis, conforme vimos na coluna anterior, Guimarães Rosa tem um conto com o título O Espelho. A temática de fundo é a mesma, o espelho enquanto metáfora da interioridade, enquanto lugar de exploração de nós mesmos. Entretanto, essa proximidade de temática não impede que o tratamento seja de ordem inteiramente diversa. Embora parta de uma advertência, “Tudo aliás é a ponta de um mistério”, o personagem se dispõe a investigar, de maneira empírica e rigorosa, os espelhos. Depois de apontar os limites de todo espelho, pois a cada ângulo escolhido outros tantos são perdidos, sendo, assim impossível a desejada objetividade, são arroladas as histórias populares em torno dos espelhos. Entretanto, uma experiência involuntária altera o rumo do conto: é sua imagem no espelho que agora o perturba. Investiga a si mesmo, empreende determinado a busca de si mesmo. Principia por retirar todo o acrescentado ao rosto, a semelhança com bichos, o que vinha de hereditário, o resultado de interesses efêmeros. Assim esvazia-se de modo a achar o essencial, porém tal exercício, imprudente, acaba por cansá-lo, sendo assim abandonado.
Passado um tempo, nosso personagem, esquecido do tempo da investigação, passa diante de um espelho e para sua absoluta surpresa não vê sua imagem refletida: “Aturdi-me a ponto de me deixar cair numa poltrona.” É como se, enfim, destituído de tudo o que lhe fora acrescentado ao longo do tempo, o rosto não apresentasse uma existência pessoal, autônoma. Sem uma identidade maior, seríamos presa da mera passagem das coisas? Mas não é bem assim, o aprendizado é lento, e depois de muito sofrimento, diante do espelho, até então mudo, alguma coisa se refletia, alguma luzinha crescia, alguma coisa existia. O conto vai mais adiante, mas antes indica o que parece estar em jogo: “Será este nosso desengonço mundo o plano – intersecção de planos – onde se completam de fazer as almas?’
Comparem os dois contos, verifiquem se está mesmo presente a ideia da existência humana como um lugar de iniciação, de uma busca continuada de quem somos.
Ricardo Fenati
05.02.2021
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Espelhos (1)
Comparar escritores, buscar o que os aproxima, indicar o que os distingue, é muitas vezes um exercício proveitoso. Quando dois desses escritores, no nosso caso, Machado de Assis e Guimarães Rosa, se ocupam do mesmo tema, o espelho, essa metáfora da experiência da interioridade, o exercício pode ser ainda mais interessante.
Exploro rapidamente o conto de Machado de Assis, deixando Guimarães Rosa para a coluna seguinte e desejando que as observações a seguir levem à leitura dos contos, ambos com o mesmo título, O Espelho. Em Machado, o personagem, esboçando uma nova teoria, a divide a alma em duas, uma externa e outra interna. A externa, diz ele, apega-se a qualquer coisa, do botão de uma camisa a uma profissão, de um livro a um par de botas. Mutável como é, a alma externa, frequentemente, passa sem dificuldade de um apreço a outro. E, não raro, ela agiganta-se, ocupando todo o espaço, soterrando a outra metade, a alma interna. É esse o miolo do conto, a dupla dimensão da alma.
Jacobina fala do que conhece por experiência própria. Tendo sido promovido a alferes, como o correspondente fardamento, apegou-se de tal forma à farda e à admiração pública por ela suscitada que a outra metade da alma, sufocada, se recolheu. Vitoriosa, a alma externa se vê em dificuldades quando circunstâncias inesperadas afastam toda vida social, isolando Jacobina num sitio remoto, deixando-o inteiramente à mercê de si mesmo. Sem o socorro do olhar alheio e sem o benefício da admiração, é preso de uma angústia crescente. Na solidão absoluta, o desconsolo se estende. E se amplia ainda mais quando o espelho, para sua surpresa, ao invés da esperada imagem, lhe entrega um borrão sem qualquer nitidez. Desaparecida a alma externa, nada lhe restava? O conto vai mais adiante, mas podemos ficar por aqui.
É esse o tema que o conto nos apresenta e, num certo sentido, tem uma dimensão de iniciação. Nossa jornada em direção a nós mesmos, sempre difícil, sempre sujeita a desvios, sempre dolorosa, é, não raro, interrompida por uma tarefa mais imediata, essa que nos entrega uma identidade mais à mão, a farda de alferes que basta a Jacobina ou o recurso de que lançamos mão e com o qual procuramos nos coincidir. O conto lembra o convívio, conflitivo, e por vezes trágico, que marca a condição humana.
Leia o conto e examine o que diz Machado de Assis, cuja ironia ou ceticismo nunca são desacompanhados do afeto pela nossa humanidade.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
27.01.2021
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Somos peregrinos, viajantes, quem, bem observando, negaria isso? Não obstante, procuramos pousos definitivos a todo tempo. Funções, profissionais ou não, escolhas que supomos mais que definitivas, crenças, tudo parece indicar nossa resistência em admitir a provisoriedade que nos constitui. E é compreensível que assim seja. Se o universo à nossa volta, as outras espécies, a natureza mineral, tudo parece ter seu lugar, como ver mérito nessa figura instável que nos olha, interrogativa, do espelho?
Se mais fixidez é desejável, o que não me parece tão certo assim, é bom lembrar que caminhamos, os que caminham, porque nenhum porto nos parece dispor do que procuramos. Como alguém que, de medidas singulares, nunca encontra a calça que lhe convém. Há os que, lembrando a lenda do gigante Procusto, sugerem que as pernas sejam podadas ou esticadas. Assim, lança-se uma suspeita sobre nossa disposição de prosseguir: não há o que buscamos, buscamos porque não nos contentamos com nossos limites, assim por diante. Mas prosseguimos, temos prosseguido. Teríamos mesmo essa sede, ainda que ela pareça apontar para o desconhecido, se, de algum modo, não tivéssemos conhecimento -por que meios só Deus sabe – do que a saciaria? O desejo, quando vindo das nossas entranhas, nunca foi portador de notícias falsas e é bom lembrar que não raro perdemos o bem por receio de o buscar. Portanto, que os peregrinos – e o peregrino em nós – sejam acolhidos, que a cultura disponha de meios para propiciar, apenas propiciar, que as caminhadas continuem sendo possíveis e sedutoras. Mesmo porque se viajamos é porque somos esperados.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
21.01.2021
Há muito o que aprender
A Covid-19, que continua a ser negada nas aglomerações, festas familiares, bares lotados, nem por isso passará sem deixar cicatrizes. Não de imediato, pelo contrário, é de se esperar uma euforia assim que o vírus for derrotado ou tiver o seu impacto bem atenuado. Será como o fim de uma guerra e gerará uma alegria mais que compreensível, uma alegria, podemos dizer, proveniente daquilo que em nós quer sobreviver sempre.
Passada a justificada euforia, nessas zonas mais reflexivas ou sensíveis da cultura, no pensamento e na arte, talvez recuperemos um velho problema, ocultado pela crescente ilusão da onipotência humana ao longo da modernidade. Talvez um sentimento de receio e uma desconfiança silenciosa nos levem a recolocar não apenas o problema, vamos dizer, científico, na lida com a natureza, mas um problema mais agudo, o que se refere, é esse o velho problema mencionado acima, ao lugar da humanidade no universo, o sentido de nossa presença no Cosmos. As direções e perspectivas são muitas e vão desde a defesa de uma solidão dolorosa até a afirmação de uma aliança inesperada. Mas isso virá com o tempo. Por ora, quem sabe, passaremos a construir nossa habitação não apenas na história, como é próprio da modernidade, mas também no Universo, tal como ocorreu no judaísmo, no cristianismo e com os gregos.
Talvez reaprendamos a experiência de nossa pequenez diante, não apenas de algo que desconhecemos, o que gera uma humildade legítima, mas também diante do mistério, esse júbilo sereno que talvez seja nossa morada definitiva.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
13.01.2021
Casa (in)comum
O ainda recente olhar voltado para o mundo à nossa volta, a ideia e o sentimento de que há uma casa a ser cuidada e de que não é mesmo mais possível manter a dimensão predatória que tem caracterizado a ação humana, tudo isso abre um horizonte de questões e experiências a serem trabalhadas.
Acostumamo-nos, à medida que a modernidade avançava, a esgotar o nosso entendimento e nossa busca de significado, na cultura e, em particular, na filosofia, nos temas mais imediatamente humanos. Inebriados, talvez justamente, pela descoberta da espessura humana, do que é próprio do humano, a Terra, que começamos novamente a chamar de casa, parecia apenas um cenário vazio e dócil à manipulação humana.
Agora advertidos dos limites dessa atitude, assustados com a percepção de que os recursos da Terra não são infinitos, começamos a prestar atenção e a promover atitudes e recomendar cuidados capazes de reorientar nossa forma de presença no mundo. E não se trata apenas de deter uma atitude, de interromper uma marcha, mas de reconhecer o que, com um pouco de exagero, poderíamos chamar de direitos da Terra. O mundo não é mudo, há palavras encerradas nas paisagens, nas grandes paisagens e nos pequenos jardins à nossa volta. Vamos aprendendo que o universo é também Verbo feito carne. E assim, quem sabe, esse orgulho excessivo – e terrivelmente solitário - que se traduz em tanta agressividade técnica possa vir a ser substituído pelo desejo de uma convivência mais harmoniosa, capaz de se afastar da brutalidade predatória, que é, tantas vezes, devedora ora do receio, ora do medo diante do mistério que nos envolve.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola BH
06.01.2020
Imagem: pexels.com
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