
“Vigiai porque não sabeis em que dia virá o Senhor” (Mt 24,42)
Mais uma vez nos deparamos com ritos de passagem: final de ano litúrgico, a expectativa ardente alimentada pelo Advento, a memória natalina, a ansiedade diante dos desafios do novo ano que virá...
Advento: tempo celebrativo marcado pela gratidão, para acolher as experiências vividas e aprender com elas; tempo de inspiração e criatividade diante da certeza do novo; e, sobretudo, tempo para recompor a esperança, tantas vezes reprimida ao longo do ano.
O Advento nos situa no clima das grandes esperanças da humanidade; neste dezembro mágico nosso coração caminha mais rápido, rompe o tempo, já está lá na frente, pronto para acolher a surpresa. Tudo aponta para o Eterno que nos escapa e nos encontra. Aqui a imaginação trabalha e cria momentos felizes. Com essa esperança, podemos dar sabor à nossa vida, muitas vezes modesta e simples.
A esperança tem raízes na eternidade, mas ela se alimenta de pequenas coisas. Nos despojados gestos ela floresce e aponta para um sentido novo. É preciso um coração contemplativo para captar o “mistério” que nos envolve.
Em meio às sombras, perplexidades, contradições, provocações e inquietudes, que constituem o atual momento histórico, queremos dar vez a um brado de esperança e expressar a fé no futuro da nossa vida. Mesmo diante dos profundos dilemas sociais, achamos possível ser e viver de outro modo, inventamos e reinventamos opções, criamos novas saídas... e, sem cessar, sonhamos com o “mais” e o “melhor”. Ainda que soframos ventos contrários e as nuvens se adensem no horizonte, sabemos e confessamos com o profeta Jeremias: “Há uma esperança para o teu futuro” (31,17). Nesse sentido é que compreendemos a esperança como geradora do futuro; ela se revela como espera criativa e nos prepara para acolher as surpresas da vida.
Quem ama e espera (esperançar) o futuro não pode “conformar-se” com a realidade tal como é hoje. A esperança não tranquiliza, mas inquieta, gera protesto, nos desperta da apatia e da indiferença... nos desinstala. Aquele que vive com esperança se sente impulsionado a fazer o que espera. O futuro que espera se converte em projeto de ação e compromisso, alimenta a solidariedade, desperta a ternura, a acolhida compassiva...
E este compromisso é precisamente o que gera esperança no mundo. “Estamos abastecidos de futuro” (Pedro Arrupe, sj). É preciso desatá-lo.
Nossa concepção de futuro se atrofiou: vivemos “tempos sem futuro”. Não podemos prever o futuro com segurança. Hoje, o futuro se apresenta a nós muito mais aberto que em qualquer outra época de nossa humanidade. Os conhecimentos, os meios de comunicação, a tecnologia... não nos asseguram uma certeza do que virá. Aventurar no futuro torna-se cada dia mais complexo e difuso, pois predomina a incerteza que nós mesmos geramos.
Vivemos uma geração que teme o futuro; por isso vivemos um “presente esticado” porque o futuro nos apavora. Já que preferimos não imaginar o futuro, alargamos o presente. Precisamente porque faltam valores e um sentido para a existência é que se irrompe o medo do futuro, a acomodação, o refúgio no efêmero e no imediato, sem raízes e sem esperança. O medo do futuro nos ajuda a entender a mediocridade e o vazio do presente.
Não esqueçamos que o Advento é toda uma possibilidade de vida que temos à frente. Por isso o grande grito deste primeiro domingo é “Vigiai!” porque “não sabeis quando virá o vosso Senhor”. Ninguém vigia o passado que já passou e já não existe mais. Vigiamos o que está por vir, o que está vindo. A vigilância olha sempre o futuro. Um futuro que depende de Deus e depende de nós. Porque uma coisa é a ação de Deus em cada um de nós neste tempo do Advento e outra coisa é o que nós fazemos para que algo novo aconteça.
Nós mesmos somos um “advento”, porque nosso futuro humano depende do que esperamos. Haverá aqueles que já não esperam nada. Haverá outros que esperam algo novo, mas duvidam. E haverá aqueles que esperam o novo e dedicam suas vidas a criá-lo já agora.
Porque em cada momento definimos nossas vidas; em cada momento algo surpreendente pode acontecer em nossa vida; em cada momento nossa vida pode apagar-se ou pode rejuvenescer-se.
No evangelho deste domingo, as duas pequenas parábolas insistem na atitude da vigilância. A primeira delas nos adverte com uma intencionalidade clara: o maior inimigo da vigilância é a dispersão, revestida de rotina e apego ao costumeiro (“comer, beber, casar-se”). Viver vigilantes para olhar mais além de nossos pequenos interesses e preocupações. Na segunda, a insistência se situa na importância de “estar vigilante”, porque o que está em jogo é nada menos que a segurança da “casa”, ou seja, a consistência da própria pessoa.
Não é raro que, ao sentir um mal-estar ou medo frente ao nosso mundo interior, optemos pela “distração” ou “dispersão”. Por outro lado, vivemos dispersos e ansiosos porque crescemos com a ideia de que nos falta “algo” que, supostamente, se encontra “fora” de nós, com o qual conseguiríamos, finalmente, desfrutar da felicidade desejada.
A dispersão é o estado habitual de quem se encontra identificado com seus pensamentos, sentimentos, emoções ou reações, ignorando sua verdadeira identidade. Vivemos num contexto marcado pela “dispersão”, seduzidos por estímulos ambientais, envolvidos por apelos vindos de fora, cativado pela mídia, pelas inovações rápidas, magnetizado por ofertas alucinantes... E então, nós nos esvaziamos, nos diluímos, perdemos a interioridade e... nos desumanizamos.
A pessoa “dispersa”, por não ter um horizonte de sentido que a atraia, fixa-se no cenário externo, agarra-se ao mundo circundante, apega-se às coisas, na ilusão de alcançar uma segurança almejada. Ela foge de si mesma, tem medo de encontrar-se. Por isso, acompanha o ritmo dos outros, repete a linguagem dos outros, adota os critérios dos outros, e acaba sendo influenciada e dominada por pressões e hábitos externos.
A “dispersão” corrói a interioridade da pessoa e dissolve aquilo que é mais nobre em seu interior. Longe de uma humanidade dinâmica, operante, ousada... o que a pessoa deixa transparecer é uma humanidade neutra, apática, estagnada; é humanidade lenta, afogada na “normose”, estacionada na repetição dos gestos e dos passos. Ela gira em torno de si mesma e não consegue fazer um salto libertador. Isso tudo leva a pessoa a debilitar-se, provocando a redução da vitalidade humana em vez de favorecer o crescimento pessoal.
Advento é tempo propício – “kairós” - para ajudar a superar nossa “dispersão” e poder recuperar a densidade humana interna. Para isso, precisamos entrar em “estado de vigilância”, repensar a interioridade perdida, reconquistar a autodeterminação.
Estar atentos e vigilantes é uma condição humana e cristã para viver intensamente; viver distraídos e dispersos é perder as oportunidades de muitos encontros, é deixar que o outro passe ao nosso lado sem nos darmos conta, é deixar que Deus passe sem que o percebamos, é deixar passar o momento em que Ele nos chama e perdemos a oportunidade de dar uma resposta vivificadora.
Viver é estar atentos à vida, a nós mesmos, aos demais. Viver é estar atentos às ocasiões únicas, às oportunidades que não voltam; viver é estar com os olhos abertos para contemplar, é estar com os ouvidos atentos para escutar.
É nessa direção que o “tempo do Advento”, centrado n’Aquele que vem, mobiliza e reordena todas as dimensões da vida e propõe um caminho de humanização. Ele desafia cada um a assumir o potencial humano criativo que está latente em seu interior.
Texto bíblico: Mt 24,37-44
Na oração: - Em quê dimensões da vida você sente a força desagregadora da “dispersão”?
- “Vida atenta” é vida com largos horizontes: neste Advento, o que você está “lendo” no seu horizonte pessoal, social, profissional, familiar, religioso...?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
27.12.2025

