Muitas vezes somos levados a acreditar que é possível alguém viver uma vida sem acidentes, derrotas, tragédias ou quedas. Por isso, reagimos com mais revolta do que seria normal quando algo de negativo nos acontece, porque passamos a vida a sonhar com o nosso futuro como se nada de mal fosse acontecer, numa espécie de otimismo ingénuo.
O natural é que tenhamos momentos bons e momentos maus. Mas talvez nos sintamos derrotados vezes demais, porque, na verdade, tal como nós, os outros também falham, bem como todos os mecanismos à nossa volta.
Não deixa de ser belo que nos indignemos de forma tão recorrente com o mal, porque isso significa que mantemos o sentido de justiça e a nossa inclinação natural para o bem.
Quase todos os erros que fazem parte da vida podem ser corrigidos com tempo, paciência e amor. Assim saibamos dominar em nós as pressas e as revoltas.
A irritação não é lógica nem boa. O mal combate-se com o bem, não com o mal. Reconhecer que nada neste mundo é permanente pode ajudar a gerir melhor as nossas expetativas e as incertezas. Tudo passa. E isso é que é normal.
O nosso dever é sermos felizes. E, se não conseguimos alterar o mundo em que vivemos, então que sejamos capazes de nos mudar e de nos aperfeiçoar, tornando-nos cada vez mais capazes de aceitar o que nos acontece de mau. Ao ponto de o fazermos sem revoltas instantâneas, mas com respostas prudentes, inteligentes e certeiras.
Há quem se admire tanto a si mesmo que não muda. Esses não aceitam que haja coisas que os ultrapassem, julgam-se acima de tudo quanto os rodeia, pelo que não se adaptam aos desafios que, quer queiram quer não, têm de enfrentar e vencer… e é assim, a tentarem preservar-se, que se perdem… por não saberem distinguir o essencial do que não o é.
Saiba cada um de nós renovar-se e não deixar de dar frutos sempre novos.
José Luis Nunes Martins
in: imissio.net 01.02.24
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Vivemos em tempos de aceleração. Todos estamos muito ocupados. Trabalhos, viagens, vida familiar, amigos, exercícios físicos – todos estamos o tempo todo ocupados com uma infinidade de solicitações. Mesmo o tempo de descanso é inundado pelas redes sociais e a internet. Não temos tempo a perder. O grande pecado de nossas sociedades é ficar desocupado, pega mal, é sinal de preguiça e falta de criatividade. Em sociedades capitalistas, perder tempo é perder dinheiro: Tempo é dinheiro! (Time is Money!)
Diante dessa realidade contemporânea, o filósofo Byung-Chul Han escreve mais um instigante ensaio: Vida Contemplativa ou Sobre a Inatividade (2023). Nesse texto, ele faz um elogio à inatividade, à lentidão, à paciência e à contemplação. Para Han, a vida só recebe seu esplendor na inatividade. Ele defende que é no silenciar-se que a vida adquire profundidade, é na inatividade que a vida reluz e ganha intensidade, é na contemplação silenciosa que a vida se nos revela profunda, intensa e incomensurável.
No entanto, não é esse o ritmo de nossa sociedade. As sociedades capitalistas são caracterizadas pela utilidade, pela funcionalidade, pela eficácia e pela velocidade. Trabalho e desempenho são nossos novos mantras para os quais fazemos reverência cotidianamente. Hoje, a existência humana está absolutamente absorvida pela atividade frenética. As consequências desse frenesi são perigosas. Nossas sociedades se tornam sociedades do consumo feroz e imediato que isolam e separam as pessoas, que as transformam em consumidores solitários e dependentes de mais conteúdo informacional que é, religiosamente, absorvido sem digestão. Nessas sociedades todos estão conectados, mas ninguém sabe escutar. É uma comunicação sem comunidade, na qual o ruído da comunicação, e da informação em excesso, cria uma sociedade onde ninguém escuta, mas todos produzem conteúdo falando sem cessar.
Um exemplo claro desse estado atual é a dificuldade em sermos pacientes e lermos poesia. Não temos mais paciência para esperar que a realidade, em seus processos, lentamente, amadureça e dê frutos. Angústia, ansiedade, impaciência e agitação compõem o cardápio cotidiano de nossos problemas. Mas, também para Han, nós, os contemporâneos, mal lemos poesia dada a necessidade da lentidão, do vagar, exigidos pela leitura poética. A perda da capacidade contemplativa repercute em nossas relações pessoais, mas também, em nossa relação com a linguagem. A linguagem poética é linguagem contemplativa. Ela demanda tempo, vagar, ruminar, esperar. A poesia desarma a linguagem como mera informação, e nos coloca no nível da abertura. Ela nos abre ao inesperado, ao novo, ao inusitado.
Paciência, poesia e contemplação, segundo Han refletindo a partir de Heidegger, são capacidades que não agem. Por isso mesmo, elas nos trazem de volta para onde sempre já estamos. Elas nos abrem ao Pathos, ao padecer e ao sofrer; mas também a Eros, ao desejar e ao exceder. Elas nos lembram que somos seres radicalmente abertos, contemplativos na ação. Portanto, neste ensaio, Byung-Chul Han nos lembra muitas coisas importantes: entre elas, que somos seres contemplativos, que a paciência nos coloca inteiramente na existência e que os poetas são excelentes companheiros de caminhada. Essa última lembrança me traz à memória a profunda consideração do poeta Manoel de Barros que disse: “Minhocas arejam a terra; poetas, a linguagem” (Livro de Pré-Coisas, 1985). Mas isso já é uma outra história.
Elton Vitoriano Ribeiro, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia, e reitor da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE)
In: site da FAJE
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Se procuras ser feliz, então a lógica não é algo por que te devas guiar. O amor, por exemplo, apesar de poder começar ainda um pouco dentro da lógica, segue muito para além dela, acabando tão longe que chega a rir-se do seu começo!
As emoções não são lógicas! A imaginação também não. A única lógica que te pode ajudar é a de que tudo o que há de grande é composto por pequenas partes. A mesma lógica que garante que um grande caminho começa com um simples passo! No entanto, e escapando a todos os raciocínios mais corretos, a verdade é que o teu destino pode ser caminhar sem fim e não ser um lugar a que chegas com um passo final! Isto faz algum sentido? Não!
Os outros costumam ser para nós uma espécie de porta-voz da razão. A inteligência é importante, mas quando é apenas inteligência não é grande coisa!
O pensamento humano é limitado e incapaz de lidar com a verdade mais profunda. Compreender envolve muito mais as emoções do que a razão. Poderá alguém estabelecer o que está certo e errado através de uma fórmula e um cálculo? A felicidade não é contabilidade!
Quem orienta a sua vida pela lógica, acaba a fazer dela uma história sem sentido!
Não tenhas medo do que não tem lógica! A verdade é muito maior do que a nossa capacidade de a entender. Confia. Confia em ti. Confia. De olhos bem abertos, mas também com o coração ao alto!
Não faças o que tem lógica, só por ter lógica, mesmo que isso te pareça fazer sentido!
Sê um exemplo de bravura para os outros. Não sejas mais um dos que defendem a segurança das escolhas lógicas… Confia em quem te pede um conselho e escuta-o, escuta-o, fá-lo falar mais e escuta-o sempre até que nele a lógica comece a não fazer sentido e… o sentido comece a fazer sentido!
Faz o que fizer sentido, mesmo que não te pareça ter lógica!
O sentido da vida não é deste mundo!
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 26.01.24
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É fácil colocar a responsabilidade do sucesso de um novo ano numa folha de calendário. Já quase não usamos calendários em papel, mas é essa a sensação que nos fica: uma passagem breve, rápida. E, de súbito, uma imposição: é suposto mudar. Avançar. Apressar os passos para uma coisa melhor, para uma versão mais bonita nossa. É como se houvesse a obrigação de fazer tudo o que ainda não tínhamos feito até então.
Essa pressão aperta-nos por dentro e deixa-nos com a sensação de estarmos encurralados. De ter de fazer mais do que aquilo que somos capazes. É por isso que é importante perceber que não há nenhuma novidade na passagem de ano. Há uma esperança que se veste para nos visitar, mas não é uma esperança exclusiva desse momento. Somos nós que, de repente, estamos disponíveis para cruzar olhares com ela. A única novidade no Ano Novo somos nós. Somos nós que estamos diferentes do ano passado por tudo o que vivemos até aqui. Pela volta ao sol que nos trouxe lições, bênçãos, dores, esperanças, tristezas e caminhos novos. Somos nós que temos nas mãos a possibilidade de fazer tudo o que quisermos, não é a mudança de ano ou do relógio.
Se conseguirmos dedicar algum tempo a olhar para nós, a contemplar o caminho já percorrido e a perceber a possibilidade de novas direções já é ação suficiente. E, mais ainda, se pudermos simplesmente parar e perceber que também é possível ficar no mesmo sítio até estar pronto para avançar, isso também será igualmente válido.
Que o novo ano seja leve.
Que traga a paz que precisamos e que se faça semente a partir de nós.
Que o caminho seja percorrido com amor, quando nos faltar a compreensão.
Que as ideias e os sonhos rimem sempre com as nossas raízes e não nasçam de superficialidades ou vazios.
Que tudo nos aproxime da nossa melhor versão, ainda que esse processo traga sofrimento.
Que a vida dos nossos continue junto da nossa por muito tempo e que aprendamos a cuidar bem deles. E do que trazemos no coração.
E que a alma se acende sempre na direção do caminho que nos fizer mais felizes.
Marta Arrais
In: imissio.net 3.01.24
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O presépio de Belém — O Fato
O anjo anuncia a uns pastores uma Boa-Nova que será alegria para todo o povo: “hoje vos nasceu na Cidade de Davi um Salvador, que é o Cristo, o ungido do Senhor. Isto vos servirá de sinal: achareis um recém-nascido envolto em faixas e posto numa manjedoura”.
O presépio de Greccio — O Símbolo
Na noite de Natal de 1223, pastores, gente comum e nobres de Greccio, celebram a Missa, organizada pelo frei Francisco numa gruta, com um boi, um burro, uma manjedoura e dentro dela a imagem do Menino. Francisco canta o Evangelho e no sermão fala do pobre rei a quem chama de "o menino de Belém". São Francisco de Assis inventa o Presépio.
Uma invenção que é o seu maior protesto, suave e silencioso, contra uma sociedade e uma Igreja que usam a Cruz de Cristo como bandeira para as Cruzadas: guerra para conquistar os lugares santos. Igreja e sociedade que esquecem o valor da ternura e abraçam as armas para obter glória e fortuna.
Até mesmo a Ordem dos Frades Menores, fundada por Francisco, está em discórdia a respeito da vida de pobreza mais ou menos rigorosa que os frades devem observar.
Francisco faz uma revisão no documento de constituição da Ordem e obtém a aprovação do Papa, mas a discórdia não é de todo superada. Ele renuncia à liderança da Ordem, para permanecer seu pai espiritual.
Um Francisco, portanto, que é provado interiormente e sua resposta é a invenção do presépio, trazendo de volta a verdadeira dimensão do Natal: o novo, o simples, a ternura, a paz, o amor. O presépio proposto por Francisco é simplesmente o boi e o burro, porque no imaginário coletivo da época o boi e o burro representavam dois grandes povos que a Igreja e a sociedade combatiam: os judeus e os muçulmanos. Mas Francisco nos diz que Jesus veio para todos.
Outra hipótese é que tenha se inspirado em Isaias que coloca o boi e o burro como as figuras principais das primeiras linhas de sua profecia: “O boi conhece o seu proprietário, e o burro a manjedoura do seu senhor; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende” (Is 1,3).
Jesus veio para todos. Eis porque a gruta do presépio não tem porta, como um coração é chamado a não ser parafusado, com barras, acorrentado, mas aberto, livre, capaz de acolher e emanar todas aquelas energias vitais, aqueles sentimentos extraordinários que o Natal nos sugere.
Nosso presépio: Belém é aqui — Hoje e todos os dias
Hoje nos presépios, cabem todos os ofícios, ou seja, toda a nossa vida está ali representada. E, no contexto de guerra em que vivemos, nos diz da preciosidade deste dom tão importante: a Paz. Convida-nos a estar, dia após dia, perto dos que querem esta Paz e não a podem viver, como os que sofrem as agruras da guerra, o flagelo da fome e do desemprego, a amargura de opções políticas que levam ao totalitarismo, o absurdo das nossas lutas interiores movidas pela egolatria. Jesus veio menino, para nos lembrar que podemos renascer a cada dia, construindo novos futuros para nós e para todos os seres.
O presépio nos recorda que Natal é “noite nova de antiguidade”, é “animação para surpresas, tintins tilintos, laldas e loas!” — PAZ!
Ildeu Geraldo de Araújo
Natal de 2023
Sabes o que te faz sofrer? Sabes por que razão isso te magoa? Sabes que é possível dar sentido a uma dor?
Há quem tenha muitas dores e não as saiba identificar, talvez porque isso implicaria olhá-las nos olhos ou talvez porque às vezes as dores juntam-se e formam novas formas de dor às quais é difícil reconhecer ou dar nome.
Uma dor que se esconde de nós ou da qual nós nos tentamos esconder acaba por doer ainda mais. A solidão é um fermento potente de dores. Pode engrandecê-las até a um ponto próximo do insuportável.
Seria bom que vivêssemos num mundo onde todos nós tivéssemos com quem falar sobre aquilo que nos faz sofrer, sendo também, cada um de nós, capaz de escutar, e assim aliviar, as dores do próximo.
Mas hoje reina a lógica de uma estranha verdade: como só é considerado bom partilhar as partes boas da existência, as redes sociais enchem-se de realidades que, não sendo falsas, são apenas metade da verdade, fazendo com que quem sofre julgue que as suas dores são as únicas que conhece… e, portanto, que se deve isolar ainda mais, a fim de não estragar a felicidade dos outros.
Todos sofremos, mais ainda porque o escondemos até de nós mesmos, e como ninguém pode mudar o que não aceita, fica na mesma ou piora.
Se as dores morrem ou apenas adormecem, para algum dia acordarem de novo, é um mistério.
Amar implica sofrer. As maiores dores têm, quase sempre, uma estreita relação com o que cada um de nós tem de mais nobre no seu coração. Se alguém não quiser sofrer, então não pode amar. Haverá algo de bom que não tenha sido criado sem dor?
Quem és tu? Quais são as tuas dores? Só te conheces depois de teres passado pelos vales do sofrimento.
As dores são lições sem palavras, para quem as quer aprender. Mestres que escavam em nós, tornando-nos cada vez mais profundos. E a morada das nossas grandes dores é sempre no mais fundo de nós, sendo que aquilo que nos pode curar e salvar habita por baixo desse chão.
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 10.11.23
Em quase todas as situações, separar será mais fácil do que unir. Porque destruir exige menos energia, inteligência e coragem do que construir.
A paz que tantas pessoas buscam só se alcança à custa de muita bondade e justiça. Mas é mesmo muito difícil alguém ser, ao mesmo tempo, justo e bom. E depois, ainda falta o vizinho que também tem de estar em paz, porque caso contrário… não haverá paz por muito tempo.
A paz não é um deserto onde nada acontece, é sim o resultado de um sem número de equilíbrios e cedências onde todos têm o dever de cuidar e de estar atentos a cada instante.
Quem fica sentado à espera da paz, viverá em guerra com os outros e consigo mesmo, apesar de se julgar desculpado por estar à espera da oportunidade certa ou da pessoa certa. Mas, e isto é claro e evidente, não há nem oportunidades ideais nem pessoas perfeitas.
O tempo e o mundo não esperam por ninguém. Cada momento é uma oportunidade e cada pessoa que está próxima de nós é, apesar de tudo, alguém com quem temos de aprender a conviver.
Importa, acima de tudo, trabalhar com paciência e fé na construção de encontros de onde nasça confiança mútua, esperança e fé. A nível mundial, mas também em cada uma das nossas casas e famílias.
É o medo que provoca as guerras, e torna-se ainda mais forte quando se conjuga com a estupidez e a ganância.
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 19.10.23
imagem: pexels.com
Quando algo nos magoa, importa que sejamos capazes de o tratar e sarar. Quem busca através do ódio, da violência ou até de uma fria vingança repor a justiça, agrava o mal que o aflige, em vez de o curar.
Quantas vezes ficamos zangados com acontecimentos que, na realidade, não se passaram tal como os recordamos? Será que não devíamos, em nome da verdade, ser mais humildes e procurar saber com rigor os factos antes de reagirmos?
Há quem se alimente do mal e faça o seu coração bater em busca de castigos para os outros. Busca a justiça, mas age de forma tão justiceira que acaba por ser tão injusto quanto aqueles males que julga combater.
Perdoar é renunciar à cobrança. É velar pelo seu próprio bem, compreendendo que se todos erramos, também todos podemos ser perdoados. O perdão é um ato de amor, é dar ao outro mais do que merece…
Mas… quem sou eu para julgar os outros? As suas razões e os seus gestos? Se os perdoar, tal como fui, sou e serei perdoado, que mal estou a fazer ao outro ou a mim mesmo?
Quando os nossos silêncios são de murmúrios, lamentações e intrigas interiores, não temos paz.
Não será o perdão sempre justo?
Quem é digno de condenar aquele a quem Deus pode decidir perdoar?
Se sou perdoado na medida em que perdoo, então condenar o outro é condenar-me a mim mesmo!
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 06.10.2023
Se és autêntico, então és diferente de todos os outros… acabarás por ser uma ovelha negra. Não és nem serás de nenhum rebanho, porque não há rebanhos de ovelhas negras, e isso é bom. Preocupa-te quando estiveres a ficar parecido com aqueles que preferem não seguir o seu caminho para não destoar.
Alguns passam a vida a tentar encaixar-se onde não pertencem, com medo da solidão. Escondem-se até de si mesmos, porque não compreendem que são únicos e procuram, de muitas formas, ser como outros. Que, na verdade, raras vezes são tão bons quanto parecem.
Quem é honesto nos seus juízos e sincero nas suas palavras não tem muitos amigos. Tem-se a si mesmo, inteiro, e a quem o reconhece como tal.
Há quem seja expulso do mundo das modas e quem se adiante e, com coragem, erga uma vida longe das críticas alheias, porque, apesar de serem a esmagadora maioria das vezes pouco acertadas, acabam sempre por nos desconcentrar e roubar o nosso tempo tentando mostrar a verdade a quem não a quer ver.
Não queiras ser sozinho. Isso será um orgulho que te destruirá, mais tarde ou mais cedo. Não construas muralhas em torno de ti para impedir a ligação aos outros. Abre a porta e cuida de que se mantenha assim, para que possas sempre ir ao encontro de quem mais precisa, quando precisar de alguém.
Se não és compreendido, isso não quer dizer que estejas errado… é até provável que sejas o único a estar certo!
Serão sempre poucos aqueles que buscam o bem mais alto, mas a sua companhia vale mais do que a de todos os outros.
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 29.09.23
Caminhar em direção à luz será sempre o rumo certo. Quem voltar as costas à luz seguirá sempre a sua própria sombra, rumo à maior das escuridões.
Mas que luz é esta que devemos buscar? Aquela que nos permite ver melhor o que são as pessoas e as coisas para além da sua aparência. A verdade ilumina. Na penumbra, as obras de um santo não se distinguem das de um malvado. É a luz que faz ver, porque sem ela, ainda que os olhos estejam em perfeitas condições e as coisas bem diante deles… nada se verá.
Quem foge da luz senão aqueles que se envergonham do que são? A verdade revela os defeitos com a mesma nitidez que celebra as perfeições. Só quem não tem fé em si mesmo, nem busca mais do que já, se permite a não ver aquilo em que pode ser melhor. Quem se emprega a corrigir as incorreções que a luz da verdade lhe mostra está no bom caminho.
Entre ti e a luz haverá sempre obstáculos que, roubando-te a luz, derramarão sobre ti a sua sombra. Não desanimes, porque uma grande sombra é um sinal claro de uma grande luz.
Cuidado para não te deixares enganar pelos brilhos que são apenas reflexos de uma luz que não é sua nem está ali, está no lado oposto.
Subir ou descer? É no alto da montanha que se está mais perto do céu. Quem se eleva aperfeiçoa-se. Muitos são os sacrifícios que são pedidos aos que sobem. Por vezes, o chão, de tão íngreme, parece uma parede que nos aconselha a voltar para trás.
O caminho de cada um de nós constrói-se a cada passo, não existe antes de nós o fazermos. Todos os caminhos que decidimos não criar, não existem na realidade, apenas nos sonhos de quem não os criou.
Ser livre é só isso: cumprir o dever de fazer o seu caminho. Nos dias em que não andamos para diante, não vivemos… apenas demoramos.
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 15.09.23
O amor é firme, paciente e tranquilo. Aprende-se a amar e a humildade de nunca se dar por satisfeito é a razão pela qual não tem fim. Aqueles a quem amamos vão tendo necessidades diferentes, pelo que para ir ao seu encontro devemos estar atentos a eles, mais do que à nossa forma de amar.
O amor é a resposta à vida. Só existe por ela e para ela, portanto, deve acompanhá-la sempre, adaptando-se a cada dia, a cada paisagem e a cada falta. O amor compensa todas as perdas porque é infinito e eterno, assim confiemos e nos entreguemos a ele.
Os males aprendem-se sem mestre e são muito mais difíceis de perder que os bens, para os quais é sempre preciso que a vontade esteja disposta a alguns sacrifícios. O sacrifício mais comum que o amor nos propõe é o abandono de nós mesmos e dos nossos desejos mais superficiais. É preciso renunciar ao poder e à vontade de dominar para servir, amando, aqueles de quem queremos ser instrumentos de alegria e felicidade.
Encontrar uma pessoa que ame é muito raro. Muitos são os que falam sobre o amor, mas falta-lhes sempre a consciência do que é a existência. Julgamo-nos quase sempre como estando e sendo acima dos outros, com feridas sempre mais dolorosas que os demais, com tragédias profundas e sonhos que, com injustiça, nunca se cumpriram… enfim, somos vítimas do que está à nossa volta. Ora, o amor não é algo que desça sobre nós e nos acerte como uma seta de um qualquer arqueiro divino. Isso é paixão e passa quase sempre muito depressa. O amor decide-se, é uma resposta voluntária e consciente cuja prática se deve renovar através de ações concretas a cada dia, ainda que depois de assim ter sido durante muitos anos até aí.
Não se ama de um momento para o outro. O amor faz-se grande através daquelas quase infinitas pequenas coisas que fazemos mesmo sem testemunhas, da mesma forma que as faríamos diante de uma multidão.
O amor aprende-se e precisa que quem é amado se abra um pouco, para dar algum sinal sobre aquilo que julga precisar para ser feliz.
Amar é uma decisão que exige um esforço da vontade e que se deve concretizar numa infinidade de obras, belas, verdadeiras e úteis.
Nada falta a quem ama, porque só o amor é o bastante.
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 01.09.23
Viver implica resistir a muitas perdas. Começamos com nada e partiremos sem levar coisa alguma. Tomamos quase sempre como justo o bem que nos chega, e como injusta e absurda a perda dos bens que, na verdade, nunca foram nossos.
À medida que os anos passam em silêncio, cresce a necessidade de fazermos amizade com a solidão. Por mais que nos sintamos cansados de nós mesmos, a verdade é que a vida é um caminho no qual andamos quase sempre sozinhos, pelo que ou nos fazemos amigos de nós próprios ou andaremos sempre em má companhia.
Quanto mais velhos estamos, maior é a tendência para nos abrigarmos no passado, porque a verdade é que por mais longo que tenha sido o caminho que já fizemos, a esperança exige que nos inclinemos para o futuro e isso é, por si só, cada vez mais desafiante. Os passos que demos, estão dados e já não nos doem, os que faltam dar, esses sim, parece que já começaram a ferir.
A sabedoria que chega na velhice talvez não seja resultado de muita experiência, mas da distância face aos acontecimentos que permite ver tudo de forma mais clara e evidente. Os conselhos dos mais velhos não são histórias concretas da sua vida, mas sim o que fariam hoje se estivessem no nosso lugar, tendo presentes os seus fracassos e a clareza com que hoje compreendem os seus porquês.
Ao longe vê-se melhor. E os anos levam-nos para um lugar distante e mais alto.
O melhor do que somos revela-se quando a vida nos maltrata. A velhice é um tempo de verdade revelada, pelo que podemos observar de nós mesmos, no que fomos, no que somos e na forma como encaramos a incerteza do amanhã.
É a vontade de amar que dá sentido à vida e a justifica em absoluto.
Cada dia a mais será um dia a menos. Os dias que nos são dados não são mais do que momentos que havemos de perder. Seria bom que todos assumíssemos o fim de cada dia como uma perda irremediável – pior ainda se não o aproveitámos.
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 18.08.23
Somos excelentes no desenvolvimento e no apregoamento de teorias. As palavras saem-nos rapidamente no sentido do julgamento ou de uma forma que nos quer colocar acima das atitudes dos outros com quem falamos e convivemos. É como se aquilo que dizemos fosse lei pela qual todos os demais se deviam reger. Opiniões também temos de sobra. Se fosse eu, fazia assim. Se eu fosse aquela pessoa não teria ido por aquele caminho ou não teria tomado aquela decisão. Fácil de dizer. E de atirar para o ar. Mas a verdade é que não somos (nem fomos) aquela pessoa. Cada um é cada um mas isso não nos dá o direito de assumir que todos temos de agir da mesma forma.
No entanto, há um desafio que nos é colocado a cada momento, e principalmente, nos momentos mais adversos ou importantes das nossas vidas: o da coerência. O de rimar as nossas atitudes com aquilo que a nossa boca apregoa e reza. A coerência está em vias de extinção. Vê-se pouco e sente-se ainda menos. O que se sente, na realidade, são as consequências do pautar a existência por uma superficialidade de palavras e de opiniões.
Somos todos muito bons a viver a vida dos outros. Mas a história deles não é a nossa. A vida deles não é a nossa.
O que nos é pedido a todos (e não me excluo) é que vivamos mais de acordo com as nossas palavras. Que consigamos devolver aos outros a certeza de saberem o que podem receber do nosso lado. Que saibamos alinhar os nossos valores e os nossos princípios com o que apresentamos aos que se cruzam connosco. Porque de dizer uma coisa e fazer outra está o mundo cheio. E nós cansados de não ver nada bater certo. E nós cansados de ouvir palavras que rimam com vento e com pouca verdade, ao invés de atitudes certas, corretas e recheadas de bom senso.
Temos, todos, um longo caminho a percorrer. Falta-nos aprender a ter mais cuidado com os que conhecemos e, também, com aqueles que conhecemos pouco. Merecemos todos mais respeito, mais coerência e mais verdade da parte uns dos outros.
Claro que as máscaras sociais, as aparências, as roupas bonitas e as marcas caras são profundamente atrativas num mundo que se quer de carneirada… mas valerão tanto assim?
Valeremos assim tão pouco que deixámos de nos importar com o que realmente merece a nossa dedicação?
Marta Arrais
In: imissio.net 12.07.23
imagem: pexels.com
A ingratidão é uma das formas mais comuns de orgulho magoa muitas pessoas que, tendo feito o bem a alguém, acabam por se sentir traídas por esses a quem as suas obras beneficiaram.
Há pessoas que só não são ingratas nas oportunidades em que o que querem é obter ainda mais favores.
A verdade é que um ingrato é sempre um fraco, mas também o é quem faz o bem com intenção de ser louvado.
O bem nunca deixa de ser meritório, embora aquele que age de forma interesseira não tenha direito a muito mais elogios do que aqueles que obtém de quem lhe agradeceu ou aplaudiu.
Por outro lado, quando alguém faz o bem sem buscar nada em troca, esse sim merece muito mais do que qualquer aplauso ou louvor humano. É mais do que justo que o seu gesto seja agradecido, se não neste mundo, então naquele de que este faz parte. Há obras que só mesmo a eternidade pode revelar e agradecer.
Importa viver, escolher e agir bem, sem esperar gratidão ou aplausos. E quando o bem que fizermos for menosprezado, esquecido ou espezinhado, é bom que tenhamos presente que isso não retira valor algum àquilo que fizemos, talvez até o aumente.
Valerá a pena amar um ingrato? Sim, porque se não for o amor, é mais do que certo que nada o poderá redimir.
É duro ter de admitir que, muitas vezes, os ingratos somos nós… quantas vezes agradeço o bem que fazem por mim? Ou será que julgo que é justo que assim seja, porque eu sou melhor do que os outros e, por isso, eles me devem servir?
Uma das estratégias mais comuns é a de nos fixamos nos erros e vícios de quem nos faz bem do que na sua bondade.
Não esqueças, nunca, o bem que te foi feito. Não haverá maior honra do que essa a quem o fez.
–
Obrigado a quem lê o que escrevo. Obrigado a quem com a sua bondade me faz sentir útil e bom. Obrigado, muito.
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 14.07.23
imagem: pexels.com
A família é a base da felicidade. Porém, quando nela persiste o egoísmo, o orgulho ou o ressentimento, torna-se numa espécie de pedra atada a todos, impedindo qualquer um dos seus membros de ter paz.
Sem perdão não há família. Todos erramos uns com os outros. Pelo que só com amor se podem sarar estas feridas. Na verdade, o perdão é uma prova concreta do amor que une os que decidem viver e lutar pela alegria duradoura juntos.
Uma família precisa de espaço e tempo entre aqueles que a compõem. O respeito pelo outro exige que guardemos alguma distância e sejamos pacientes. Sem liberdade não há nem verdade nem felicidade. Estar presente não significa invadir um espaço que não é meu. Amar é dar espaço e tempo. Também por isso é que uma família é muito maior do que a soma dos seus membros!
Uma família alimenta-se da fé, da confiança partilhada, de valores comuns, de sonhos em que os outros também entram, de uma vontade comum de que não haja ali solidão não desejada. Numa família todos somos um eu e um nós.
Sem um compromisso que se renove e cumpra a cada dia, apenas subsiste um conjunto de pessoas que não são uma verdadeira família, mas que assim se arrastam umas às outras para uma verdadeira tristeza por vezes disfarçada de sossego, mas que, por isso mesmo, se torna ainda mais trágica a sua tristeza.
As tribulações são parte constante da vida individual e familiar. Por isso, importa que aproveitemos os raros dias de bonança para descansar com vista às tempestades que, com certeza, apesar de em tempo incerto, se aproximam.
Face às contrariedades, não devemos abandonar os nossos. Por piores que sejam as adversidades e por menos bons que nos pareçam aqueles que, apesar de tudo, devemos amar.
Uma família mantém-se unida e firme na tribulação. Resiste às angústias, aos desesperos, à aparente falta de amor, de sentido e de justiça do mundo e dos outros.
Se eu não sei ser justo, porque não sei julgar com o conhecimento de tudo o que importa, então porque passo tanto tempo da minha vida a culpar e a condenar os outros a começar pelos da minha família?
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 23.06.2023
imagem: pexels.com
Se procuras a verdadeira alegria, então trata de a semear naqueles que estão à tua volta, a começar pelos mais próximos. É impossível alcançares a felicidade para ti, porque ela só te pode chegar através de outra pessoa.
Tal como qualquer árvore de fruto, também tu não te preocupes em distinguir entre aqueles a quem te podes dar. Mesmo que haja quem julgues que não merece… não julgues e dá-te. Se houver algum mal nessa pessoa, tal não te contaminará.
Promover o bem de alguém é criar condições para que seja quem é, tal como fazer-lhe mal é diminuí-lo ou aniquilá-lo. Por isso, uma das formas mais nobres de fazer o bem é combater o mal!
É de grande valor a existência capaz de ver em si todo o bem que tem. A maior parte das pessoas só depois de o perder tem consciência do quanto iluminava a sua vida.
Alguns, tão escuras são as trevas do inferno em que vivem, que sentem o bem que lhes é feito como algo que os importuna e desrespeita… A solução que veem para o mundo é a de que o mal se espalhe por todo o lado em vez de abrirem a sua vida ao bem que, por mais que pareça tardar, vence sempre. Sempre. Cuida de te preparares porque, por maiores que sejam os bens que faças, não terás as respostas que mereces. Serás mal interpretado, poucos te agradecerão e alguns até te hão de tentar atingir nos dentes. Mas a verdade é que nunca foi grande herói aquele que só fez o bem a quem lho fazia também.
Faz o bem que tens a fazer, apesar de tudo.
Sem promessas, apenas como um compromisso de ti para contigo!
José Luis Nunes Martins
16.06.2023
In: imissio.net
Imagem: pexels.com
Não consigo ser feliz sozinho. Preciso dos outros, porque a minha existência só ganha sentido quando faço parte da vida de outras pessoas. Posso estar mais ou menos presente, posso precisar de receber mais ou de dar mais, posso estar triste ou alegre, mas nunca consigo ser eu sem ninguém com quem me preocupar e sem ninguém que se preocupe comigo.
Cada pessoa é um mistério, um universo quase tão infinito quanto belo, e a verdade é que nem sempre estamos iguais, como se nos víssemos a partir de diferentes perspetivas, tempos e disposições… chegamos a parecer ser diferentes até de nós mesmos.
É um bom princípio assumir que todos os outros têm algo de bom, se não for possível acrescentar-lhes bem, pelo menos importa garantir que não lhes fazemos mal.
Não somos iguais a ninguém e isso é bom. Mas no mais profundo de cada uma das nossas identidades há um conjunto de valores que quase todos partilhamos. Cabe a cada pessoa fazer o seu caminho, por entre uma multidão infindável de outros que, ao mesmo tempo, andam pelo mundo em busca da felicidade, um pouco por todo o lado.
O encontro é algo sublime. Reencontrar no outro algo que também sou, como se fossemos mesmo irmãos que partilham um código genético, é extraordinário. Há muitos sonhos e pesadelos que um dia descobri que não eram só meus. Não sou o único inspirado nem o único atormentado em nada! E isso é bom!
Ao contrário das aparências, as pessoas são muito mais parecidas connosco do que julgamos. Consideramos aqueles que não conhecemos bem melhores do que talvez sejam… o que implica que talvez comecemos por nos menosprezar. Alguns julgam-se mesmo melhores do que nós, o que nos dá a certeza de que não são! Mas também nós, por vezes, nos julgamos acima do outro… o que é um erro e um péssimo ponto de partida.
Não te importes muito com o que os outros ficam a pensar de ti. A maior parte das vezes nunca mais lhes passamos pelos pensamentos… esquecem-se do que somos, dissemos ou fizemos. Pensam em mil outras coisas, não se importam… enquanto alguns de nós achamos mesmo que estão a dedicar o seu tempo a pensar mal de nós!
Mais vale preocupares-te a sério e apenas com o que tu próprio dizes, fazes e és. Isso inspirará os outros e ajudá-los-ás sem teres de te impor de qualquer forma.
Ninguém é o que parece, nem tu! Apesar disso, somos mesmo todos irmãos. E isso é bom!
Que nunca julgues importante o que possam dizer ou pensar de ti, apenas o que tu és!
Mas não te esqueças que és parte da aldeia de que os outros precisam para serem felizes.
José Luis Nunes Martins
in: imissio.net 09.06.23
Quando a morte leva para longe alguém que amamos, tudo o mais perde importância. A vida fica estranha, por um lado parece que afinal não tem valor algum, mas, por outro, torna-se mais preciosa do que nunca.
Faz-nos falta quem perdemos e faz-nos falta aprender a lidar com a nossa vida sem eles.
A existência como que perde sentido, porque ficamos sem compreender nem a morte nem a vida.
E a minha? Quando será? Sofrerei? E os meus, sentirão a minha falta?
Talvez seja bom eu aprender a preocupar-me mais com a minha vida do que com a minha morte. Se vivo à espera de morrer, morrerei à espera de viver.
A vida não é permanecer nem desaparecer. É ir evoluindo ao longo do tempo, até mesmo depois das negras trevas da morte nos tomarem. Ficamos com os que ficam, levando connosco, para onde formos, o amor com que se deram a nós. Honra com a tua vida a vida dos que te amaram.
Os que me morrem, matam-me na medida em que a sua vida também era minha. Assim como a minha era sua. Viver é duro, viver sozinho torna a existência quase insuportável. O amor é essencial à vida. Sem amor, tudo, no fundo, é morte.
Quando chega o último momento, não é do amor que nos arrependemos!
Cada dia que passa tira-nos tempo que foi nosso, mas que já não o é. Tal como na morte, a vida é acabar e começar a cada instante.
O que viam os meus olhos antes dos meus pais sequer se conhecerem? Talvez eu já fosse quem sou, muito antes de nascer, apesar de não o saber. Nem na altura, nem agora!
Tenho de ser capaz de me entregar ao depois com a mesma fé com que tenho a certeza de que o amor nunca morre.
Afinal, de onde me chega a confiança de que acordarei sempre que, a cada noite, me entrego ao sono?
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Dedico este texto ao meu amigo Pe. João Aguiar Campos que terá chegado ao Céu no passado dia 27 de abril de 2023. Obrigado, muito, muito!
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 02.06.23
Imagem: pexels.com/Helena Lopes
Um poema de Wislawa Szimborska, a poeta polonesa, fala da desatenção e diz coisas como “Ontem me comportei mal com o universo. /Vivi o dia inteiro sem indagar nada, sem estranhar nada.” E mais adiante: “o savoir-vivre cósmico,/ embora se cale sobre sobre nós,/ainda assim nos exige algo:/alguma atenção, umas frases de Pascal/ e uma participação perplexa nesse jogo/de regras desconhecidas.”
Essa defesa do espanto aparece, lá com os gregos, como a origem da filosofia, como o lugar de onde brota nosso desejo de compreensão. Uma oposição tradicional ao espanto vem das nossas obrigações rotineiras, da repetição dos pequenos rituais que o cotidiano impõe. É assim mesmo, há um cotidiano a ser cumprido, o que não significa que, fascinados com essa pequena ordem, nós devemos transferi-la para a amplitude da vida. Assim fazia o homem prático, o que zombava de quaisquer exercícios da imaginação, o que se irritava com tudo o que não estivesse diante dos seus olhos ou dos seus interesses mais imediatos.
Hoje não é mais apenas o homem prático que se opõe ao espanto. É, pelo contrário, o que sabe demais, o que julga tudo compreender, o que padece da ilusão, muitas vezes de forma enraivecida, de que o há para compreender já está compreendido. Assim o desprezo pela atenção, defendida pelo homem prático, se une à insistência na certeza, cultivada em meios supostamente ilustrados, ao modo de duas faces de uma só moeda.
Contra ambos é preciso defender o direito à atenção, ao reconhecimento da porção de estranheza presente na existência humana e no universo que habitamos. Será preciso aceitar um pouco mais de silêncio e acolher o inevitável limite do que nos parece, ilusoriamente, um saber exaustivo. Como somos viajantes tardios, não estavam nos começos, não somos capazes de antever os fins. Portanto, o que nos cabe é fazer avançar a compreensão onde for possível, sem esquecer que é da natureza da luz ser acompanhada da sombra.
Talvez a poeta, ou a poesia tenha mesmo razão: “...alguma atenção, umas frases de Pascal e uma participação perplexa nesse jogo de regras desconhecidas.”
Ricardo Fenati
Equipe do site
04.05.23
Talvez estejamos mais habituados a procurar nossa humanidade, o melhor de nós, nas grandes realizações, na criação artística, nos gestos de justiça, no exercício da bondade, na disposição amorosa, na celebração da alegria e no gosto pela verdade. E é bom que seja assim, cada uma dessas experiências registra uma vitória, uma superação, mesmo que provisórias, mesmo que devam ser reiteradas muitas vezes, diante daquilo que nos avilta e que se volta contra nós. Não apenas no sentido de que devemos resistir ao que, vamos dizer assim, vem de fora, do mundo à nossa volta, mas também do que brota em nós, que, às vezes, somos, paradoxalmente, o adversário contra quem cabe lutar.
Se isso é importante, e ao meu juízo é, não devemos nos esquecer de que há um outro lugar onde nossa humanidade está presente, o lugar da fragilidade. Há uma fragilidade que se pode chamar de objetiva, a que vem da progressiva debilitação do nosso corpo, a que é trazida, inesperadamente, por uma doença, a que, podendo ser minorada, não pode ser afastada. A essa dimensão objetiva, se associa uma outra dimensão, desta vez, existencial e, um pouco além, espiritual. Fragilidade aqui é o reconhecimento do limite humano, a percepção de que nossa segurança tem contornos mais estreitos, o que nos obriga a que recuemos das nossas ilusões de que os riscos não estão presentes. Ora, é desistindo de ultrapassar o que não pode ser ultrapassado, que abrimos em nós um espaço vazio, um quase não-ser, e é daí, desse esvaziamento que se abre o horizonte da transcendência. Aqui já somos agentes, nos tornamos pacientes, à espera cuidadosa e à escuta atenta do que nossa impotência trará. E, assim, nesta hora, somos, no que temos de mais íntimo, uma peleja, essa que nos convoca a dispor do que pensávamos ter e voltar nosso olhar para os sinais, ora tênues, ora mais intensos, daquilo que a esperança anuncia.
Ricardo Fenati
26.04.23
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