A ansiedade nasce do medo de que o futuro nos traga más surpresas. É uma espécie de desespero. Opõe-se à esperança e à confiança.
É certo que o mundo é incerto, pelo que o otimismo em demasia pode revelar-se como pouco sábio.
Quem é o protagonista da minha vida? Eu ou as minhas circunstâncias? Até que ponto sou responsável por aquilo que hei de viver? Dependo apenas do que acontece à minha volta? E se tudo depender de um equilíbrio entre mim e o mundo e eu desistir antes de fazer a minha parte?
Se me limito a esperar o que me dá o mundo e os outros… como se eu fosse um réu a quem só resta aguardar pela sua sentença, então desisto de definir o meu destino.
A ansiedade é, muitas vezes, uma doença, uma condição em que a vontade se volta contra si mesma. Importa conhecê-la, identificar os pontos fracos dos seus mecanismos e, com ajuda, combatê-los, sem esperar resultados imediatos, mas também sem desistir da luta.
Tudo o que nos sucede espera, de alguma forma, por uma resposta nossa. Não sou responsável pelo que me acontece, mas serei sempre chamado a decidir o que hei de fazer com isso.
Se não tenho confiança em mim, entrego-me, sem luta, às mãos das circunstâncias, que pouco costumam importar-se com quem afetam. Nesse ponto, a ansiedade ganha terreno, porque se não vou lutar, é ainda mais provável que a perca as batalhas.
Importa acreditarmos em nós mesmos e na nossa capacidade de fazer face às adversidades da existência. Tal como um pescador que se julga — e se torna — capaz de enfrentar ventos e marés, é dessa força, mais do que da sorte com as redes, que dependerá o sucesso da sua pesca.
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 8.08.25
imagem: pexels.com
O alto e baixo das montanhas, as curvas dos rios, os silêncios dos bosques e das florestas, a serenidade dos lagos, o silêncio dos grandes espaços desabitados, tudo isso é anterior ao saber geográfico. A geografia vem depois, nomeando, discriminando, ordenando. Certamente é útil esse saber, mas não devemos nos esquecer que ele se assenta na experiência humana da paisagem. Outros saberes conservam mais, abrigam mais a experiência primeira: a pintura, a poesia, a arte em geral. E não poucas vezes um quadro amplia nosso olhar, permitindo ver melhor a paisagem sobre a qual nos debruçamos. Alguém já disse que o pintor vê o que pinta, mais do que pinta o que vê. E nós o seguimos, vemos por meio da arte, que não busca a compreensão pelas vias habituais.
Mas se voltamos sobre nós mesmos, se é das paisagens internas que nos ocupamos, não será diferente o que se passa com a experiência, essa visita que fazemos a nós mesmos. Se os movimentos internos são menos perceptíveis, mais indeterminados, por outro lado, são os que estão sempre presentes. Mais difíceis de nomear na sua singularidade, permanecem, quase sempre, à margem do nosso fascínio por palavras. Também aqui um saber se avoluma, e é importante, mas assim como a geografia, é posterior a vida dos sentimentos, à escuta do que se passa em nosso coração. Acostumados à prontidão das palavras, atraídos pela explicação, abordamos as paisagens internas rápida e descuidadamente. Recursos antigos como histórias e narrações, assentadas sempre na experiência vivida, tendem a desaparecer, cedendo lugar a palavras de ordem, vindas das ciências humanas ou de uma persistente voracidade verbal que as redes sociais não fizeram senão multiplicar. Palavra e silêncio, essa passagem incessante da sombra à luz e da luz à sombra, via tradicional do percurso em direção a nós mesmos, estão dando lugar a uma onipresença do que é apregoado como saber. O silêncio é um antídoto, uma distância dessa pressa em falar, uma passagem da volúpia das palavras, para um estado mais contemplativo, mais aquietado, e ainda mais decifrador. À contemplação, que é propiciada por uma experiência da Alteridade, associa-se um consentimento de nossa parte, um acordo feito com o real, com o que, ainda que presente em nós, não cessa de nos interrogar e nos exceder.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
17.07.2025
O olhar científico, aprendido nas ciências da natureza, se disseminou por outros campos de conhecimento, entre eles os voltados para as questões humanas. Um pouco da antropologia cultural e outro tanto da história são ciosos dos riscos da universalização, mas de um modo geral, até por razões de natureza sociopolítica, estamos mais interessados no que pode ser universalizado, tabulado, contado. Bom, isso tem seus méritos e rendimentos. Mas não é o caso de perguntarmos se não existem zonas mais estreitamente individuais, onde são vividos singularmente os dramas da existência? Amamos uma pessoa, morremos um a um, defendemos alguns valores e a outros combatemos, nossa alegria e a nossa tristeza são nossas, como são de cada um de nós, a coragem ou a covardia. Não é aí que vivemos? Pode ser que essas realidades sejam opacas ao cálculo, mas delas decorre o que dá significado à vida. Se a busca de ordem se reduzir a um cálculo, mais e mais estaremos nos distanciando do acesso ao mundo a que pertencemos de forma muito íntima. Alguém pode alegar que sempre contamos com mitos, com histórias, que são formas de generalização, de tradução em termos mais universais da experiência humana. Certamente que sim, mas histórias e mitos, esse tesouro simbólico, contam aventuras, trajetórias de indivíduos e da relação desses indivíduos com temas a que eles pertencem, nos quais eles se reconhecem. Ora, quem se reconhece num cálculo, mesmo que correto? Um preceito medieval lembra que Deus só conta até um. Por detrás da aparente singeleza do que aí se diz, somos lembrados que no campo da experiência existencial a aventura é singular ganha a cor e a densidade de cada um de nós. Certamente que pertencemos a uma comunidade, o que não quer dizer que somos como que uma gota no oceano. Melhor seria dizer que somos, cada um de nós, nas comunidades a que pertencemos, um oceano numa gota.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
10.07.25
imagem: pexels.com
Para alguns, e não são poucos, é clara a associação entre desamparo e crença religiosa. Mais que uma associação, haveria uma espécie de direção causal: acreditamos porque visamos escapar de nosso desamparo. Como em toda questão humana importante, as tentativas de respostas devem sofrer sempre alguma ponderação. Não há dúvida que o desamparo na vida de qualquer um de nós pode levar à crença religiosa, assim como para outros a crença religiosa brota de outra fonte que não o desamparo. Será possível avançar para além dessa mera constatação? Pode ser, pelo menos devemos tentar. O que pode ser alegado como fonte que não o desamparo, de resto tão evidente? Se a crença religiosa for uma reação ao desamparo, ela seria apenas isso, uma reação, uma recusa de se haver com aquilo que parece ser, além de um dado de realidade, toda a realidade.
Talvez isso deve ser matizado, ou mesmo contraposto a um outro dado, igualmente real. A existência humana, mesmo ressalvado o desamparo que a envolve, é também um enigma, é, objetivamente, um enigma. Sabemos menos que gostaríamos e mesmo o que sabemos está, a todo tempo, sob investigação. Se não parecer uma afirmação abusiva, podemos afirmar que o saber, por sua vez, está desamparado de fundamento, está sempre sujeito a desmentidos. Qualquer saber está em disputa, mesmo a própria natureza do conhecimento, o alcance e os limites do que entendemos por racionalidade. E bem mais que isso: novos saberes, vindos da compreensão do universo, da sociedade ou do indivíduo são difusivos, ou seja, repercutem sobre o que imaginávamos saber. Essa dimensão de provisoriedade, essa rede de saberes em estado permanente de reformulação, não indicam a possibilidade de ver na crença religiosa, não tanto, ou não unicamente, uma reação ao desamparo? Por que não ver no discurso religioso, tão amplamente diversificado, um esforço de decifração, ao lado de outros, disso que estamos chamando de enigma? O espanto e a admiração, essas fontes clássicas do saber, não desencadeiam a possibilidade do discurso religioso, dada sua proximidade tão singular com a lição da finitude em relação ao que nos excede?
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
03.07.2025
imagem: pexels.com
Só o verdadeiro pode ser belo. Uma falsa alegria nunca será bela, a menos que todos saibam que não há nela verdade. Nesse caso, sim, até pode manifestar uma beleza admirável.
Uma dor profunda não tem outra beleza que não a de nos fazer viajar para o mais íntimo da nossa alma, onde tudo é belo. Assim, quando algo nos fere, faz-nos mais humanos e, portanto, mais belos, porque mais verdadeiros.
A felicidade eleva-nos. O sofrimento revela-nos a profundidade da existência, bem como as raízes com que nos unimos aos outros.
Hoje evita-se a tristeza, a doença, a perda, o sofrimento, a morte – tudo o que aponta para a fragilidade da existência. Nada disso faz parte daquilo que hoje costuma ser partilhado. Por isso, quando algum de nós experimenta algo mau, ainda tem de o fazer sozinho. Dor em cima de dor. Só porque o mundo ensina que é feio tudo quanto não causa inveja.
Para sermos belos é essencial sermos bons. Devemos ser sensíveis às necessidades do outro, tomando-as como nossas. Amando sem nos preocuparmos em agradar a ninguém.
A mais sublime beleza é a dos que se distinguem, nunca a dos que se fazem notar.
A tristeza é bela porque é essencial à felicidade. Aponta-nos a verdade do que somos na fragilidade do que temos.
Esta vida a que chamamos nossa foi-nos dada, com todas as incertezas que decorrem também de sermos livres.
Pode a vida ser triste? Sim. Mas se for vivida com verdade, então será sempre bela e admirável.
José Luis Nunes Martins
in: imissio.net 27.06.2025
Todos precisamos de um abraço que nos abrigue.
Todos precisamos de uma mão que nos segure (para) sempre.
Todos precisamos de um sorriso que nos abrace o coração.
Todos precisamos de um olhar que nos envolva a alma.
Todos precisamos de ternura que nos cure.
Todos precisamos de um colo que nos serene o coração.
Todos precisamos de um refúgio onde (re)pousar a vida e ficar.
Todos precisamos de uma palavra que nos conforte.
Todos precisamos de um silêncio que nos escute, mesmo sem ser preciso falar.
Todos precisamos de um riso que nos contagie.
Todos precisamos de uma companhia que nunca nos desampare.
Todos precisamos de alguém que nos olhe nos olhos e nos diga, com o coração (e ao coração), que vai correr tudo bem.
Todos precisamos de quem nos queira bem, de verdade.
Todos precisamos de um gesto que nos faça sorrir.
Todos precisamos da bondade a recordar-nos o sentido de tudo.
Todos precisamos da esperança a reacender-se no nosso coração.
Todos precisamos de amor que nos salve.
Todos precisamos, sabes?
Está tudo bem.
Um abraço para ti. (E para mim.)
Daniela Barreira
In: imissio.net 16.06.2025
A chama é talvez a imagem que melhor traduz o sentido da inspiração de Francisco. “Nós, jesuítas”, escreveu o padre Jorge Mario Bergoglio quando jovem, ”sabemos bem que o fogo da maior glória de Deus nos invade, envolvendo-nos numa chama interior, que nos concentra e expande, nos alarga e encolhe.
Por vezes, o seu próprio corpo, quando podia, experimentava uma torção que o tornava tenso, extrovertido, perante o que para ele era sempre “o povo de Deus a caminho”. Por isso, Francisco enredou-se na história, nos acontecimentos do mundo, torceu-se, inflamou-se, por vezes desesperando aqueles que tendiam a normalizá-lo. Há uma chama que sempre o moveu por dentro: a “paz da inquietude”, que é o oximoro jesuíta por excelência, fruto do “discernimento”.
Esta é a senha inaciana, que significa captar interiormente a voz de Deus, reconhecendo por instinto a sua presença no mundo, mesmo quando tudo nos diz que deveria estar noutro lugar. É tipicamente jesuítico não considerar nada do que é humano como estranho ao divino: “Procura e encontra Deus em todas as coisas” era o lema de Santo Inácio. Isto tornava Francisco aberto, curioso, dialético.
E assim Francisco não abriu, mas escancarou as portas da Igreja a todos, todos. Não para que as pessoas ficassem cá dentro, como ele dizia repetidamente, mas para que o Senhor pudesse sair, indo para a rua. E o caminho - outra imagem fortemente jesuítica e do próprio Inácio, que se chamava "o peregrino ” - para Bergoglio foi sempre acidentado. Ele nunca contemplou estradas suaves. Para ele, era melhor cair e até ferir-se do que ficar ao abrigo de uma varanda, observando a vida a partir da varanda. Neste sentido, sempre teve uma visão “apostólica” e não simplesmente “pastoral”.
O jesuíta sabe que a sua tarefa não é pastorear o rebanho, tosquiar as ovelhas e penteá-las, mas ir à procura da ovelha perdida. Com o esclarecimento realista bergogliano de que, neste momento, já só resta uma ovelha no curral, enquanto parece que as outras noventa e nove já saíram. A sua Igreja, portanto, foi sempre uma Igreja em saída.
É por isso que pregou uma Igreja inclusiva; é por isso que comunicou mais com jornalistas de jornais seculares do que com religiosos; é por isso que quis falar com qualquer pessoa, mesmo com pessoas e líderes que outros sempre mantiveram à distância. Políticos e religiosos: desde Min Aung Hlaing, chefe do exército de Myanmar, responsável pelas operações contra os seus queridos Rohingya, até ao Patriarca russo Kirill, a quem não poupou duras críticasmas a quem manteve sempre a porta aberta.
É por isso que Bergoglio postulou um pensamento aberto e “incompleto”. É preciso sair dos esquemas (Yalta foi um deles para ele), do raciocínio lógico rigoroso. É preciso debordar, sair da caixa, “debordare”, movido pelo génio do espírito e não pelo rigor da ideia. Quando era jovem jesuíta, escreveu que não se devia olhar para a história “com um distanciamento científico marcado pela curiosidade sobre as coisas que aconteceram, ou ansioso por impor uma ideologia pré-definida”. Estava a falar da história dos jesuítas, mas o mesmo se aplica à história em geral.
Francisco nunca quis fazer planos quinquenais inspirados em ideias ou ideologias, nem cedeu a utopias. Também estava empenhado na organização, é certo, mas sempre pronto a improvisar, porque movido pela sua oração e pela“consolação”, isto é, a perceção da vontade de Deus que dá paz à alma. Como quando, por exemplo, se inclinou para beijar os sapatos dos dirigentes do Sudão do Sul que tinham vindo ao Vaticano para tentar a paz. Disse-me que, assim que entrou na sala onde eles estavam, sentiu uma vontade interior muito forte de o fazer. É apenas um exemplo, mas muito indicativo de uma forma de atuar.
O seu modelo era Pedro Favre, um dos primeiros companheiros de Inácio de Loyola, beato durante séculos e que Bergoglio tornou santo. Era muito amado por Michel de Certeau, um grande jesuíta que era “anómalo” à sua maneira.
Anomalia era outra forma de jesuitismo de Francisco. A sua relação com a ordem no passado foi complicada, anómala. Os seus escritos, que basicamente diziam o mesmo sobre o seu pontificado, chegaram a ser queimados em fogueiras. A sua figura pastoral foi mal compreendida ou contrariada. Devemos a profunda religação dos fios entre Bergoglio e a sua ordem à sabedoria de um Padre Geral como Adolfo Nicolás. E nisso La Civiltà Cattolica desempenhou durante vários anos um papel claro. Durante a Congregação Geral da ordem, após a demissão de Nicolás, apareceu uma certa desorientação da ordem perante a profecia de Bergoglio, mas também um desejo de procurar uma postura correta, de acordo com o espírito das suas Constituições. Bergoglio permaneceu sempre, de uma forma ou de outra, uma batata quente. E nunca perdeu a oportunidade de se declarar filho da Companhia de Jesus e de cultivar um diálogo profundo com os jesuítas, que teve uma expressão singular nas conversas privadas durante as viagens apostólicas. A sua transcrição - que o papa me permitiu de vez em quando - compõe uma espécie de bastidores do pontificado.
O caminho de Francisco foi também o mundo inteiro. Francisco percorreu-o por todo o lado, ele que nunca gostou de viajar. Mas sentiu que tinha de o fazer, sim, para confirmar a fé do povo católico, mas também para tocar nas feridas abertas deste mundo. Basta pensar na República Centro-Africana e no Iraque, para dar apenas dois exemplos. Não se toca com o pensamento, mas com a mão.
A Igreja é um “hospital de campanha depois de uma batalha”, disse-me na primeira entrevista que lhe dei em 2013, apenas três meses após a sua eleição. Como uma mãe não visita os seus filhos numa “caixa de vidro”, impondo-se quando queria ser forçado a entrar num papamóvel todo fechado ou mesmo blindado. Viajava como um jesuíta, que proverbialmente considera o bilhete de avião ou de comboio como a verdadeira chave de casa.
Também em jovem, Bergoglio escreveu que o olhar do jesuíta “percorre pátios vislumbrando pradarias, olha fragmentos mas contempla formas”. Do seu pequeno escritório em Santa Marta tinha o horizonte do mundo e de lá observava sempre os fragmentos que os ligavam para compreender as formas, como no caso da “guerra mundial em pedaços”, já amargamente profetizada em 2014. Sempre detestou o termo “geopolítica”, que lhe fazia lembrar o Risco, mas sempre amou a “diplomacia”. E acrescentava: “dos joelhos”. Porque considerava o diálogo político (e sobretudo o diálogo multilateral) necessário e, para um crente, uma espécie de lugar sagrado de oração e contemplação. E, nisto, moveu-se pelo lema jesuíta contemplativus in actione. Este era o Papa Francisco, de facto, um contemplativo em ação.
Pe. Antonio Spadaro sj - La Repubblica, 22-04-2025
22.04.2025
in: imissio.net
Uma telespectadora sugeriu ao Jô Soares que o seu programa deveria constar apenas dos melhores momentos. Muitas vezes, seguindo a telespectadora do Jô, o que nós pedimos a Deus é que a vida nos chegue apenas com os bons momentos. O que é mais do que compreensível dada a intensidade da dor causada pelo sofrimento e da extensão que ele costuma adquirir. Seja em geral, atinente a muita pessoas, seja no sofrimento de cada um de nós, nas perdas e nas dores inevitáveis da vida. Nenhuma palavra, mesmo a mais generosa, nos consolará de todo. É tamanho o paradoxo do sofrimento que, tendo aparecido no livro de Jó, veio, noutro contexto, o da história da cultura ocidental, a constituir uma das razões alegadas pelo ateísmo contra a existência de Deus. O argumento é conhecido: ou Deus não é onipotente e não pode suprimir o sofrimento ou, sendo onipotente, não quer suprimi-lo, o que impede que o consideremos bom. A glosa do argumento aparece quando diante de um grande mal nós nos perguntamo:s onde está Deus?.
Há respostas habituais, diversamente respeitáveis, mas que não atenuam a nossa dor. Haveria um sentido, inteiramente desconhecido para nós no nosso sofrimento, ou o nosso sofrimento seria um resgate de algum mal por nós praticado no passado, ou ainda o sofrimento constituiria uma oportunidade de ascensão espiritual, mas nada disso afasta a nossa inquietação. É fato que compreendemos pouco ou que podemos aprender com o sofrimento, mas anda assim nossa inquietação perdura.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
21.08.2025
A metáfora da vida humana como uma peregrinação de um lugar onde estamos para onde um desejo, arraigado e enigmático, nos aponta é antiga, presente nas mais diversas culturas, objeto de inúmeras narrações. E talvez a dor do nosso tempo tenha a ver justamente com a ausência de narrações que iluminem essa peregrinação e impeçam assim que o inevitável sofrimento se transforme num desespero silencioso. Uma narração conta uma história de alguém que é deslocado de onde está, sabe-se lá porque, e que é impelido a caminhar. A cada passo no caminho um antigo hábito é abandonado, um olhar revela seus limites, um gesto perde sua importância. Se é inevitável a solidão, já que a caminhada é singular, conta-se com sinais, quase sempre sussurrados, que dizem que devemos continuar, que o silêncio à nossa volta tem lá seu significado, que tudo espera que prossigamos. E assim, nós, os que estão à escuta da narrativa, percebemos que não se trata de uma narrativa de um outro, mas que somos nós o peregrino, que essa viagem é a nossa, a da condição humana. Mitos os mais diversos, assim como as histórias que contamos às nossas crianças e, de modo ainda mais intenso, as religiões, são narrativas. Costumamos chamar de objetivo o que é mais fácil de compreender e de compartilhamento mais direto, que parece estar mais diante de nós. Engano, isso é apenas um primeiro exercício da compreensão, que indica mais nossos limites do que a realidade. Narrativas, ao contrário, mergulham em águas mais aquietadas, mais aprofundadas. Por isso mesmo, no exato sentido da palavra, mais objetivas, mais próximas do real, mais generosas para com o peregrino que todos somos.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
Aristóteles tem razão quando diz que somos animais políticos, entenda-se, animais da cidade, que vivem próximos uns dos outros num espaço público. Ou, de forma mais poética, como em John Donne, nenhum homem é uma ilha. Somos, cada um de nós, experiências diferentes da existência, nenhum de nós esgota o mundo ou o que ele significa. Daí que seja proveitosa a vida entre os humanos, nela somos formados, e nos formamos, nos educamos e somos educados. Em algum lugar, Guimarães Rosa diz que quando nasce uma criança o mundo recomeça. Vamos exagerar: o mundo recomeça em cada um de nós e nos nossos encontros tecemos juntos nossas crenças, nossos hábitos, nossas práticas, o que julgamos mais humano, o que nos parece inaceitável. Não é outra coisa a cultura, esse lar humano por excelência e que se acrescenta a esse outro lar, a natureza.
Por razões as mais diversas, nossas cidades se desviaram desse caminho. Cresceram é certo, mas por outro lado, a experiência da solidão urbana é muito extensa. Não apenas no sentido de que mais pessoas moram sozinhas e organizam suas vidas a partir de seus interesses mais imediatos, mas porque continuam a nos faltar, continuam a estar ausentes, espaços de conversação, e é escassa a atração por temas de mais longo alcance, substituídos que foram pelo fascínio do que está à mão. Falamos muito, conversamos pouco. O recurso ao celular, esse quase novo órgão do corpo humano, talvez tenha prolongado esse movimento em direção ao indivíduo, já nele o espaço público dá lugar a um mundo privado, um mundo que eu posso ligar e desligar como um pequeno deus.
Bom, talvez seja apena assim, a história não parece obedecer a qualquer lógica ou direção estrita, mas é hora de ver se parte do mal estar contemporâneo, dessa crise de significado que parece disseminada, não deva nos levar à criação de mais e mais espaços e instâncias públicas, lugares onde a cidade possa se reconhecer como cidade. Aqui e ali, de forma menos visível, por ora em pequenos grupos, pode-se escutar um rumor que anuncia, quem sabe, a recriação de nossas cidades. E, talvez, possamos nos reconhecer em algo que nos transcenda, que nos dê o sentimento de pertencimento e que não seja apenas uma pequena ilha no mar da vida.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola BH
19.02.2025
imagem:pexels.com - Belo Horizonte/ Lucasrvimieiro
Talvez dediquemos pouco tempo a aprofundar o conhecimento que temos de nós mesmos. Poucos são os que se dispõem à aventura de ir em busca daquilo que existe no mais profundo do nosso ser.
É preciso passar todas as superficialidades, não só pela quantidade, mas também pela enorme resistência que têm. Essas barreiras foram alimentadas por nós como forma de protegermos o nosso íntimo das possíveis agressões do mundo. Outras vezes, elas surgem para evitar que revelemos algo que poderia parecer chocante aos outros. Uma barreira resistente evita essas possibilidades com desfechos mais duvidosos e, por isso, mais indesejáveis.
Passada essa barreira mergulhamos num mar denso onde se sente muito mais do que se vê ou escuta. As emoções tocam-nos e parecem querer envolver-nos, alternam-se entre as boas e as más, os desejos mais puros em relação aos amanhãs com as feridas abertas por duros golpes de ontens mais ou menos distantes…
O tempo abranda o passo, como se tivesse resolvido parar para descansar um pouco. Tudo parece ficar em suspenso e pouco se percebe, mas há algo que nos sossega, uma raiz firme que podemos admirar e que, por nos ligar a algo ainda mais firme, nos dá a certeza de que não somos sem sentido.
Nenhum de nós é estranho a si mesmo, por mais que evite visitar-se. Tal como um amigo de longa data que, mesmo após décadas, nos olha e reconhece de uma forma tão penetrante, simples e desconcertante que chega a parecer um mistério sem explicação!
Entrar e conhecer a casa de alguém ajuda muito a conhecê-lo. Rumar à fonte de vida que há no nosso coração é uma das mais belas peregrinações a que somos convidados.
O fundo de mim não é muito diferente do fundo de ti. Conhecendo-me, conheço-te, da mesma forma que descubro muito de mim quando consigo ver o fogo que há por trás do teu olhar e lhe dá brilho ou te faz chorar.
José Luis Nunes Martins
in: imissio.net 31.01.2025
imagem: pexels.com
Há uma frase, de um grande pensador cristão, Jacques Maritain, menos lido hoje do que deveria ser, que continua a me impressionar. Da frase, ele diz que se ocupa do pecado do angelismo, ou seja: “A recusa da criatura a submeter-se ou ser governada por quaisquer das exigências da ordem natural.” Recusar, não acolher, negar são condutas que caracterizam nossa humanidade, sempre ciosa/desejosa de mais, avessa a qualquer limite. E o corpo, assim como o espírito, se fosse possível separá-los, tem seu contorno, tem suas exigências. Do lado do corpo, uma dor inédita, um coração que fraqueja, uma disposição que já não temos, entre outras senões, tudo isso assinala que algo se passa em nós, uma ordem natural, à nossa revelia. Claro, muitos cuidados podem ser tomados, mas não há como obter um senhorio infinito. Do lado do espírito, é Pascal que nos lembra que “o coração tem razões que a razão desconhece.” A razão, esse lugar, tantas vezes orgulhoso, recebe instrução de fora, ela não se encerra em si mesma? Não é algo que inventamos? Ora, de que peso nos livramos quando reconhecemos uma verdade ali onde o recurso à razão é insuficiente.
Tudo isso nos convoca a uma certa humildade? O reconhecimento de que somos menos do que desejávamos ser e ainda assim prosseguir, é isso a humildade? É reconhecer que, ao modo do rei da história, há sempre algo que não conseguimos cobrir, uma nudez que recusamos a ver. Essa é uma lição geral, atinente à condição humana como um todo. Mas a questão se coloca, de modo dramático, para cada um de nós. Uma dose de soberba sempre nos acompanha, seja na ilusão de nossa superioridade, seja na alegação de que nossas derrotas se devem ao desconhecimento do valor que estamos certos de ter. Humildade é reconhecer, sem ressentimento, os que estão onde gostaríamos de estar? É aceitar que, quase sempre, que o que temos é mais do que o esforço desprendido por nós? Que há sempre algo que recebemos? E que até o título que gostaríamos de ter, humildes como ninguém mais, é mero orgulho? Suportemos em silêncio, porque não há virtude boquirrota, o fardo do limite. Talvez isso venha a ser um bom começo.
Ricardo Fenati
Equipe do site
12.12.2024
imagem: pexels.com
Sonhadores somos todos. Poucos são os que se levantam cedo para ir trabalhar pela concretização das suas aspirações. A maior parte das pessoas fica-se pela vontade de ter vontade, poucos são os que avançam e assumem, desde o primeiro passo, que vale a pena sacrificar tudo quanto é o preço daquilo que querem conquistar.
Os sonhadores comuns idealizam tanto que aquilo que desejam lhes chegará sem terem de abdicar de nada, como se o mundo lhes devesse isso e quisesse pagar-lhes a pronto! Mas a verdade é que, ainda que alguns até o possam merecer, a vida não entrega nada a ninguém sem uma contrapartida.
São tantos os esforços e os sacrifícios que é necessário despender a fim de concretizar o que queremos, que, quando o conseguimos, isso não nos deixa eufóricos, mas apenas aliviados, por ter terminado a guerra e por ela não ter sido em vão!
São muitos os tropeços, quedas e fracassos de que temos de nos reerguer… Talvez seja verdade que ninguém começa do início, porque há sempre um fim (qualquer) anterior. Começar é, na verdade, continuar depois de algo ter acabado.
As aventuras começam com o fim de qualquer coisa, assim como as tragédias.
Todos temos em nós uma alma que nos pede para que sejamos mais. Que sejamos maiores. Mas há quem desista cedo, há quem se venda por pouco, ainda que se considere muito forte e valioso, a verdade é que o nosso valor depende mais do que formos capazes de lutar por amor. Tornando real o que era apenas possível. Por vezes, era até impossível.
Levanta-te e luta pelo que acreditas que mereces. Hás de cair muitas vezes. Muitas. Hás de sofrer de forma injusta.
Mas cada fim é um começo e feliz não é quem o merece, mas quem fez o que era preciso.
José Luis Nunes Martins
in:imissio.net 1.11.24
imagem: pexels.com
A ansiedade põe-te a andar de um lado para outro, deixa-te preocupado e muito ocupado a tentar controlar o que, na verdade, não depende de ti. Tentamos livrar-nos das inquietações sobre o amanhã, à custa de perdermos todas as forças hoje.
Acabamos por medir as coisas pelo tamanho das suas sombras, o que é muito enganador, porque na maior parte dos casos não só são apenas sombras, mas também são muito maiores do que os objetos que as produzem.
Importa descansar, e colocar a imaginação a mostrar-nos alegrias e mais alegrias que podem chegar à nossa vida. Quem espera tristezas e mais tristezas já vive nesse mesmo futuro que deseja evitar.
O mundo é um local muito difícil, não é bom sobrecarregar as adversidades do hoje com os sofrimentos prováveis do amanhã. É que, mesmo que fossem certos, mais valeria tratar de cada coisa a seu tempo.
A ansiedade é uma tontura, uma vertigem, que deriva da ideia de que somos livres e que, por isso, talvez, possamos controlar tudo! Mas é mentira. Não controlamos senão muito pouco, ao demais, cabe-nos apenas reagir ao que acontece. Tentar reagir ao que não aconteceu é uma perda de tempo e de forças.
Cada um de nós é chamado a aventurar-se. Enfrentando o futuro e os medos. Sem pressas, um passo de cada vez, olhando para o horizonte que buscamos e para o chão para onde podemos dar o próximo passo. Não devemos nos importar com o que há entre esse espaço e o horizonte. Assim como há horizontes sempre novos, também há chãos que surgem onde não havia senão vazio…
Na vida, um deserto demora pouco a fazer-se floresta… e o contrário também. Mas nunca, nunca, o conseguimos fazer só por nossa vontade.
Vivamos em cada dia os problemas desse dia, sem nos preocuparmos com os que chegarão, por certo, amanhã, e depois de amanhã, e por aí adiante… porque, afinal, mais vale um fim trágico do que uma tragédia sem fim!
José Luís Nunes Martins
in: imissio.net
04.10.2024
Dois são os rumos de onde o ateísmo costuma partir. De um deles, brota a questão da incompatibilidade da existência simultânea do mal e de Deus. Disso tratamos no texto anterior. De outro, haveria a mesma incompatibilidade entre as exigências da razão e a existência de Deus. Talvez o primeiro dos rumos, já aparecido na Grécia, seja mais antigo. Com relação ao outro ponto de partida, a razão grega desemboca, de uma forma ou de outra, no terreno teológico. O pensamento medieval procurou aproximar os dados da razão, herança grega, daquilo que o páthos da fé anunciava. Fé e razão, Jerusalém e Atenas Mais do que isso, aí é o próprio exercício da razão que aponta para os seus limites, abrindo o horizonte da fé. Esse foi o ousado programa medieval, uma era teocêntrica.
A partir da modernidade, com as transformações no campo das ciências da natureza, e com as mudanças no cenário econômico e social terá lugar um desenho que ainda é o nosso. É comum dizer, e com razão, que passamos do universo teocêntrico para um novo universo, antropocêntrico dessa vez. Do ponto de vista que nos interessa, o sucesso das novas ciências foi entendido como consequência de uma razão mais modesta, mais cuidadosa, que funciona dentro de certos limites e mais capaz de apresentar resultados. Ora, as discussões incessantes no campo da religião contrastavam com a concordância generalizada no campo das ciências e com seu caráter progressivo. Não seria então o caso de se tomar a ciência como o modo justo do uso da razão e relegar os demais conhecimentos a domínios mais subjetivos ou privados? Para além disso, do ponto de vista político e social, a religião, pouco a pouco, cedia lugar a saberes mais laicos e, ao mesmo tempo, desocupava áreas até então mantidas sob a sua tutela. Nascem as ciências sociais, as ciências humanas e o olhar se torna mais e mais horizontalizado. Passamos, ao longo da modernidade, do extramundano para o intramundano.
E, cada vez, as relações entre religião e ciência passam a ser marcadas pela contraposição. Aquilo que havia ocorrido com Galileu se repete agora com Darwin. Não apenas se reconhece a distinção entre razão e fé, mas, para além disso, a fé, experiência fundante da religião é vista sempre negativamente, algo a que faltam provas.
Relegada ao domínio privado, daí o lema religião não se discute, ela progressivamente sai da cena púbica e é considerada como sendo destituída de qualquer potencial cognitivo.
Mais recentemente, esse cenário vem sendo objeto de alguma revisão. De um lado, é defendida a possibilidade de uma convivência entre os dois campos, dado o seu viés ou a sua natureza. Talvez preencham demandas de significado distintas: a ciência voltada para a decifração do mundo sujeito à experiência, no sentido amplo da palavra, enquanto a religião se ocupa do sentido do universo e de nossa presença nele, questão evidentemente pós-empírica. Outro fator é o progressivo reconhecimento do material interpretativo nas ciências, do imprescindível recurso a teorias, estas sim capazes de iluminar a experiência e não reproduzir o que é dado na experiência mais imediata. Enfim, num e noutro caso, de formas distintas, a dimensão interpretativa, um tanto hipotética está presente. Talvez ganhemos alguma clareza sobre a relação ciência e religião. Mais recentemente, essa concepção da ciência como conhecimento provado vem sendo revista e admite-se, no seu interior, um material especulativo, teórico, sob algum exame da experiência. Cresce o sentimento de que são campos distintos, talvez complementares ou, pelo menos, passíveis de convivência. Por outro lado, visto ser a religião uma tentativa de leitura do universo e de nossa presença nele e mesmo da condição humana, talvez possam ser abertas novas frentes de debate. É o que parece estar ocorrendo no domínio da cosmologia, esse olhar sobre o universo como um todo, e, por outro lado, no campo da antropologia filosófica, visto haver na religião uma leitura da experiência humana com caráter empírico.
Ricardo Fenati
23.09.2024
Há cada vez mais distrações na nossa sociedade. É hoje mais difícil dedicarmo-nos ao que é essencial na nossa vida. A vida anda tão agitada que já quase ninguém consegue parar um pouco e focar-se no mais importante.
E o mais valioso não está em mim… está no outro, que está próximo, ali mesmo, diante de mim.
Se medito na minha vida, é possível que me perca por entre tantas possibilidades, tantos passados, uns mais verdadeiros que outros. E em tantos futuros, uns mais agradáveis do que outros. Mas quantas pessoas conseguiram escolher bem o seu destino e o seu caminho para lá chegar, só ao admirarem-se a si mesmas?
Precisamos de nos mudar a nós mesmos, em vez de esperar que o mundo se ajoelhe para nos ajudar. Temos de lutar sem procurar descanso para manter o nosso coração a salvo de tudo o que procura escravizá-lo, convencendo-o de que a paz e a felicidade que aspira são impossíveis.
O mal não nos quer matar; quer-nos submissos a fazer-lhe as vontades todas. Esquecidos do que somos e que podemos ser. O mal quer-nos rendidos e é por isso que nos distrai ao ponto de, perdidos por entre tantos dos seus brilhos aparentes, fazer com que nos esqueçamos da luz.
Fortalece-te e guarda o teu coração como que num castelo. Mas não te deixes ficar aí. Vai ao encontro de outros corações desprotegidos e cuida deles.
Assegura-te de que não há nada por mais encantador ou temível que seja que desvie a tua atenção do caminho que tens de sonhar, construir e percorrer.
Terás de recomeçar vezes sem fim, e isso desgasta ainda mais do que os próprios combates, fazendo com que pareça que nenhum deles vale a pena e que, afinal, nada faz sentido. A vida é uma luta constante, não é a história de uma batalha difícil, única e definitiva, que se vence e com isso se alcança a grandeza para sempre. Não é assim.
O bem quer-nos vivos e a lutar pela vida, pela nossa e pela dos outros, sempre. Renovando a cada dia essa decisão de estarmos ao serviço do amor e com isso a caminho da nossa paz e da nossa felicidade, que devemos continuar a fazer por merecer. Todos. Juntos.
O nosso triunfo há de ser feito através de muitos fracassos e catástrofes. A nossa glória há de ser alcançada por termos conseguido manter a nossa fé, apesar de tudo.
José Luis Nunes Martins
in: imissio.net 13.09.24
Um dos argumentos pró-ateísmo, dos mais antigos, tem a ver com a presença do mal no mundo e a consequente impossibilidade de um Deus bom. Descontando o mal por nós causado, há ainda uma abundância de males que, inexplicável e dolorosamente, caem sobre nós, sem falar nos males decorrentes de fenômenos naturais, naqueles onde não se verifica qualquer atuação humana. Não é um argumento fácil de rebater, sabemos isso desde Jó e da filosofia grega tardia. Assim alguns aconselham uma resposta que assinala nossa ignorância e nossos limites diante da conduta divina. O que a nós parece mal, seria mal do ponto de vista de Deus? Apontar algo como mal não decorre de nossos limites estreitos? Não desconhecemos mais do que conhecemos? O que não compreendemos, o mal, devemos tomar como não sendo possível compreender? O modo como concebemos Deus não interfere na dificuldade do problema? Esse tipo de resposta agrada a poucos, sobretudo se pensarmos nos que se interessam apenas por argumentos racionalmente defensáveis. E não se trata apenas de um problema teórico, mas que é, ao longo da vida, sentido por todos nós. Estamos sempre a mercê da dor, da injustiça, da contingência.
O que nos leva a uma reflexão que talvez nos permita dar um pequeno passo, sem qualquer recusa da gravidade da questão. Se o mal no mundo é incompatível com a existência de Deus, um mundo do qual o mal estivesse ausente ou mesmo bastante minorado seria, do ponto de vista do argumento acima, mais compatível com a existência de Deus. Como sabemos, o avanço do conhecimento tem, em muitos casos contornado a hostilidade da natureza, o que quer dizer que vivemos num mundo, vamos especular, onde, em algumas sociedades, a presença do mal foi, ainda que ligeiramente, afastada. Sociedades nas quais isso se observasse efetivamente tenderiam a ser mais inclinadas a aceitar a presença de Deus, dada a diminuição da presença do mal. Acho que não é isso que observamos ao nosso redor. Ao invés da referência a Deus, o que se pode ver nesses casos é a ênfase no poder humano, o que torna ainda mais remota a admissão da existência de Deus.
Claro, alguém pode alegar que qualquer dose de mal é incompatível com a existência de Deus. Mas não há aqui uma inclinação gnóstica? Apenas num mundo dotado de absoluta perfeição, Deus seria possível? É o caso de perguntar: a questão de fundo, então, mais do que a propósito da existência de Deus, não diz respeito, muitas vezes, à nossa perplexidade com o inevitável desconcerto do mundo e de seus habitantes.
Ricardo Fenati
19.08.2024
imagem: pexels.com
O tema do ateísmo é sempre interessante, seja pela paixão que costuma despertar, seja pela oposição que sempre encontra, seja pelas consequências de um debate que se estende pela cultura. Claro, há os indiferentes, mas essa é sempre a posição mais fácil, o que quer dizer, destituída de qualquer disposição argumentativa, desapaixonada daquilo que inquieta da humanidade.
Talvez uma primeira questão seja a pergunta sobre de que Deus, de que imagem ou conceito de Deus, alguém se define como ateu. Antes de escutar o que o ateu tem a dizer, é preciso que esse ponto seja esclarecido. Certamente que ele pode responder: ateu em relação a qualquer Deus. Ora, isso não o exime de esclarecer o universal conceito de Deus que tem em mente. Religiões diversas pensam diversamente acerca de Deus, Deus não faz sua morada exclusivamente na religião e há os que defendem que um dos traços que devem ser associados a Deus é a impossibilidade de traduzi-lo em termos da racionalidade. E há afirmativas não tanto sobre o conceito, mas que têm em a experiência de Deus, que merecem atenção especial, como é o caso da tradição mística.
Prescindindo de tudo isso, a declaração de ateísmo perde muito do seu interesse e de sua capacidade de gerar um debate consequente. Sendo o caso de abrir mais o debate, talvez venha ser interessante examinar em que imagem de Deus se apoiavam alguns defensores clássicos do ateísmo, tais como, entre outros, Marx, Nietzsche ou Freud.
Ricardo Fenati
30.07.2024
imagem: pexels.com/stevejohnson
Só quem é capaz de lutar com determinação sem conseguir ver resultados concretos do seu trabalho durante longos períodos ou vendo apenas pequenos avanços depois de esforços enormes… só essas pessoas chegam ao mais perto do céu que há na terra.
Não escolhas nunca o mais fácil. Pois, na maioria das vezes, essa é a sedução do caminho para nos afastar do bem. Não desistas de procurar o mais importante.
O valor de uma obra é quase sempre resultado direto das adversidades que tiveram de ser vencidas para a concluir. Que a tua vida seja a tua obra-prima.
Há uma beleza única dentro de cada um de nós que vale a pena descobrir. Por vezes, o fogo da nossa alma arde por baixo de uma grossa camada de imperfeições. Mas quem perseverar e for capaz de não desanimar… há de ver uma luz única.
Voltemos a nossa atenção para o que existe de mais valioso e duradouro em todos e em tudo o que está próximo de nós. Há belezas que não sobrevivem mais do que alguns dias, e há realidades que, apesar de não fascinarem o olhar comum, são eternas e belas desde sempre.
Não percas o teu tempo com aquilo que em breve morrerá, não te iludas com belezas e bondades passageiras. O tempo é mais forte e implacável do que a rocha mais dura. Nada do que não importa sobreviverá muito tempo.
Quando conseguires amar com o teu olhar serás capaz de ver a perfeição divina que há em cada pessoa e em cada coisa!
Abre bem o coração e vê!
José Luis Nunes Martins
28.06.2024
In: imissio.net
A vida dá muito e tira na mesma medida. Pouco fica. Apenas o que construímos dentro de nós e fomos capazes de dar.
Importa ser capaz de sonhar em qualquer circunstância. Há quem tenha medo de ter esperança e quem tenha medo de não a ter, a verdade é que quando já nada esperamos, ou alcançámos a felicidade, ou já entregámos a vida ao desespero.
A vida surpreende-nos muito, mas não é bom que a vida nos deixe numa situação que nunca tínhamos sonhado, tão-pouco o que poderíamos fazer a partir daí.
Todos temos o dever de sonhar. Mesmo quando a angústia nos tenta esmagar, sonhar pode ser uma das mais fortes formas de lhe resistir, porque sonhar também é esquecer, por momentos, o hoje e viajar para longe mais rápido do que a luz.
Não deixes que os sonhos te adormeçam. Desperta, acredita e coloca-te a caminho. Faz real o que imaginas: cria o futuro que sonhaste.
Sonhar é muito mais do que pensar. Nenhum pensamento nos abre a porta da eternidade, já os sonhos são feitos pelo que dela há em nós. Quem passa o tempo a pensar acabará triste, ainda que a vida lhe possa sorrir muito.
Mas sonha com seriedade como hás de sair do pior. De todos os piores. Para que nenhum te encontre perdido e que, assim, de todos eles tenhas força e coragem para dar um salto de fé.
José Luis Nunes Martins
in: imissio.net
21.06.2024
imagem: pexels.com
Se o amor não gerar vida, não é amor. Vida capaz de transbordar alegria a partir do mais íntimo da alma, vida capaz de ajudar a sarar as feridas mais extensas e os sofrimentos mais profundos.
O amor não funciona a dois. Ou os que se querem amar se abrem ao céu, ou então nunca se amarão. O amor ou se abre ou morre.
A nossa existência resulta do amor. A criatura que somos é chamada a ser criadora, amando e dando mais vida à vida, de todas as formas, desde uma simples alegria a quem está triste, passando pela presença junto de quem, de outra forma, choraria desamparado, até a compromissos maiores do que a nossa própria existência individual.
O amor alimenta-se da confiança. Quando amamos alguém não podemos obrigá-lo a aceitar o nosso amor. Esse reconhecimento e acolhimento só pode acontecer como um ato livre. O amor só pode ser oferecido, não imposto.
Reconhecer que sou amado é um ato de amor! Mas amar com verdade implica uma confiança ainda maior. Envolve que eu vá ao encontro do outro, que o escute com atenção e que atenda às suas necessidades, dando-me. E tudo isto sem qualquer garantia que serei sequer reconhecido ou valorizado.
Hoje, num mundo em que somos mais inspirados a duvidar do que a confiar, a preocupação mais comum é a de procurarmos ter provas de que somos amados. Ao contrário, são poucos os que arriscam amar, entregando-se a alguém que pode, de forma livre, não os aceitar.
O amor é uma vontade de vida, é o que faz a vida querer viver, prosperar e multiplicar-se ainda que nas circunstâncias mais adversas. O amor é uma forma de imortalidade que se eterniza acima de quem o escolhe e de quem por ele é abençoado.
José Luis Nunes Martins
07.06.2024
In: imissio.net
imagem: pexel.com
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