Reclamamos, muito freqüentemente, a favor dos direitos da natureza e dos direitos das outras espécies, companheiras da nossa. E, indo além, insistimos no nosso retorno à natureza, pátria original da qual nos distanciamos num doloroso exílio. Mas vejam bem que o nosso pertencimento à natureza tem lá sua singularidade. Somos, sim, bichos da terra, irmanados por uma complexa evolução, mas somos, também, um tanto estrangeiros. O encaixe não acontece, alguma sede permanece, algum desejo nos inquieta, a conta não fecha. E não é que nos tenha sido tirada algo, pelo contrário, é mais provável que alguma coisa a mais nos tenha sido entregue. O sortimento na literatura ou na filosofia é grande, como mostram Guimarães Rosa (“Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto.”) e Pascal (“ Malgrado a visão de todas as misérias que nos tocam, que nos agarram pela garganta, temos um instinto que não podemos reprimir, que nos eleva”).
Mas como o que sobra incomoda e dói, é freqüente nos esforçarmos para arredondar as arestas ou polir o que parece embaçado, impacientes com o que nos resiste. Quem sabe não é hora de inverter a estratégia e começar a ver se a dor, ela mesma, ainda que venha do passado longínquo, não é por onde o futuro pode chegar?
Para pensar na quinzena:
“ No fundo das nascentes tudo se passa com lentidão” (Nietzsche)
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
15.09.2012