Como acordar sem sofrimento?

Recomeçar sem horror?

O sono transportou-me

àquele reino onde não existe vida

e eu quedo inerte sem paixão.

 

Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,

a fábula inconclusa,

suportar a semelhança das coisas ásperas

de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

 

Como proteger-me das feridas

que rasga em mim o acontecimento,

qualquer acontecimento

que lembra a Terra e sua púrpura

demente?

E mais aquela ferida que me inflijo

a cada hora, algoz

do inocente que não sou?

 

Ninguém responde, a vida é pétrea.

 

Carlos Drummond de Andrade