O ar está cheio de murmúrios misteriosos

E na névoa clara das coisas há um vago sentido de espiritualização…

Tudo está cheio de ruídos sonolentos

Que vêm do céu, que vêm do chão

E que esmagam o infinito do meu desespero.

 

Através do tenuíssimo de névoa que o céu cobre

Eu sinto a luz desesperadamente

Bater no fosco da bruma que a suspende.

As grandes nuvens brancas e paradas -

Suspensas e paradas

Como aves solícitas de luz -

Ritmam interiormente o movimento da luz:

Dão ao lago do céu

A beleza plácida dos grandes blocos de gelo.

 

No olhar aberto que eu ponho nas coisas do alto

Há todo um amor à divindade.

No coração aberto que eu tenho para as coisas do alto

Há todo um amor ao mundo.

No espírito que eu tenho embebido das coisas do alto

Há toda uma compreensão.

 

Almas que povoais o caminho de luz

Que, longas, passeais nas noites lindas

Que andais suspensas a caminhar no sentido da luz

O que buscais, almas irmãs da minha?

Por que vos arrastais dentro da noite murmurosa

Com os vossos braços longos em atitude de êxtase?

Vedes alguma coisa

Que esta luz que me ofusca esconde à minha visão?

Sentis alguma coisa

Que eu não sinta talvez?

Por que as vossas mãos de nuvem e névoa

Se espalmam na suprema adoração?

É o castigo, talvez?

 

Eu já de há muito tempo vos espio

Na vossa estranha caminhada.

Como quisera estar entre o vosso cortejo

Para viver entre vós a minha vida humana...

Talvez, unido a vós, solto por entre vós

Eu pudesse quebrar os grilhões que vos prendem...

 

Sou bem melhor que vós, almas acorrentadas

Porque eu também estou acorrentado

E nem vos passa, talvez, a ideia do auxílio.

Eu estou acorrentado à noite murmurosa

E não me libertais...

Sou bem melhor que vós, almas cheias de humildade.

Solta ao mundo, a minha alma jamais irá viver convosco.

 

Eu sei que ela já tem o seu lugar

Bem junto ao trono da divindade

Para a verdadeira adoração.

 

Tem o lugar dos escolhidos

Dos que sofreram, dos que viveram e dos que compreenderam.

 

Vinícius de Morais