O DEUS QUE VEM
Frêmito no alto céu,
morde Scorpio a Virgo escura.
Este o sinal de que se deve cantar os tempos
de juvenil tropel. Estua o vinho na uva por nascer
e a terra nas grotas úmidas de lágrimas fecha a boca.
A Lua espreita, enquanto dorme o Sol do liso flanco
de ouro. Acordêmo-lo e em procissão subamos
aos lugares altos. A noite é propícia para o germinar,
para o borbulhar de risos líquidos.
Lamenta a Virgem de verde sua casta solidão.
Ei-lo que desponta ao longe, nas dobras do mar:
no topo de um penhasco, grava-o a águia em sua
[pupila.
É o deus que vem, há um frêmito no alto céu
enquanto se une ao Sol a Lua desnudada,
submersos nos remoinhos das águas do dia por nascer.
Frutos brilharão nos campos e os celeiros não bastarão
para conter tantas espigas. O Novo Tempo vem,
[circundando
bosques, alvas colunas e imagens se dissolvem para
[que tudo
reverdeça: beberemos o vinho saboroso, o trigo terá
[sabor
de trigo e o deus vestirá de amor os corpos nus.
Dora Ferreira da Silva
[In Poesia Reunida, Rio de Janeiro, Topbooks, 1999, pp. 244-246]