O homem; as viagens

O Homem, bicho da Terra tão pequeno
Chateia-se na Terra
Lugar de muita miséria e pouca diversão,
Faz um foguete, uma cápsula, um módulo
Toca para a Lua
Desce cauteloso na Lua
Pisa na Lua
Planta bandeirola na Lua
Experimenta a Lua
Coloniza a Lua
Civiliza a Lua
Humaniza a Lua.

Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte - ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em marte
Pisa em Marte
Experimenta
Coloniza
Civiliza
Humaniza Marte com engenho e arte.

Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro - diz o engenho
Sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,
Vê o visto - é isto?
Idem
Idem
Idem.

O homem funde a cuca se não for a Júpiter
Proclamar a justiça junto com injustiça
Repetir a fossa
Repeitr o inquieto
Repetitório.

Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
Só para tever?
Não-vê que ele inventa
Roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
Mas que chato é o Sol, falso touro
Espanhol domado.

Restam outros sistemas fora do solar a col-
onizar.
Ao acabarem todos
Só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver.

Carlos Drummond de Andrade
In As Impurezas do Branco
José Olympio, 1973