1
 
Vai, ano velho, vai de vez
vai com tuas dívidas
e dúvidas, vai, dobra a ex-
quina da sorte, e no trinta e um
à meia-noite, esgota o copo
e a culpa do que nem me lembro
e me cravou entre janeiro e dezembro.
 
Vai, leva tudo: destroços,
ossos, fotos de presidentes,
beijos de atrizes, enchentes,
secas, suspiros, jornais.
Vade retrum , prá trás,
leva pra escuridão
quem me assaltou o carro,,
a casa e o coração.
 
Não quero te ver mais,
só daqui a anos, nos anais,
nas fotos do nunca-mais.
 
 
2
 
Vem Ano Novo, vem veloz
vem em quadrigas, aladas, antigas
ou jatos de luz, moderna, vem,
paira, desce, habita em nós,
vem com cavalhadas, folias, reisados,
fitas multicores, rebecas,
vem com uva e mel e desperta
em nosso corpo a alegria,
escancara a alma, a poesia,
e, por um instante, estanca
o verso real, perverso
e sacia em nós a fome
-de utopia.
 
Vem na areia da ampulheta como a
semente que contivesse outra se-
mente que contivesse ou-
tra semente ou pérola
na casca da ostra
como se
 
se
outra se-
mente pudesse
nascer do corpo e mente
ou do umbigo da gente como o ovo
o Sol da gema no Ano Novo que rompesse
a placenta da noite em viva flor luminescente.
 
3
 
Adeus, tristeza: a vida
é uma caixa chinesa
de onde brota a manhã.
 
Agora
é recomeçar.
A utopia é urgente.
 
Entre flores de urânio
é permitido sonhar.
 
 
Affonso  Romano de Sant’Anna