Diretores: Michelangelo Antonioni/ Steven Soderbergh/ Wong Kar-Wai

Reino Unido/França/EUA/Itália/Luxemburgo/Hong Kong . 2004

 

Há que se deixar penetrar… pouco a pouco… por tudo o que é relativo ao Amor. Qualquer forma de Amor. Inclusive o nosso amor pelo “escurinho do cinema” e pelo que nele vivemos: um encontro profundo conosco e com nosso universo de relações, através do universo das personagens e situações ali vividas.

 

Com que delicadeza, sensibilidade e erotismo nos introduzem no tema! O desenho dos dois corpos unidos, sempre a se buscar, deixando-se embalar pela água que os contorna e lhes empresta fluidez para ir-e-vir, na modulação amorosa do desejo do encontro e da entrega. E a voz do Caetano naquela delícia de melodia! E, mesmo sem entender toda a letra da música, deixei-me também embalar por ela... como o casal ali desenhado..

 

Façamos assim: comecemos de trás para frente nas histórias.

“A mão”. Wong Kar-Wai: Ela parecia muito segura do seu ofício, que era oferecer aos homens seu corpo. Ele mostrava-se como era: um aprendiz do seu ofício de costureiro. Ela mostrou-lhe o que sabia fazer: tocar o corpo para dele extrair o seu máximo prazer. Tocou-o, para que ele, ao conhecer “sua mão”, usasse a “sua mão” (a dele) para lhe fazer os mais belos vestidos. Ela “o tocou” para ser atendida em seu desejo, e não para dar-se a ele. Mas, disse-lhe: “só sabe fazer, aquele que conheceu”. E ele deixou-se “tocar” pelo ouvido e sentido no corpo erótico, e soube fazer o Amor, conhecendo-o em todas suas difíceis facetas: a espera, o desencontro; e desenvolveu o olhar compreensivo e generoso para o que a amada só podia ser: ela mesma, em sua real condição, inda que não fosse a condição de ser para ele. Ela trouxe-lhe uma grande verdade, embora desconhecida para si mesma. Mas, foi dela o grande gesto final: “não o posso contaminar com minha doença” – a doença de não ter podido sair de si e buscar, amorosamente, o outro. Com o amor dele, ela aprendeu o que não lhe fora possível antes. E descansou com alguma paz, por ele proporcionada. Não coloquemos um olhar moral sobre a concretude da decadência dela e o amor não correspondido dele. Pensemos, sim, que o Amor leva a mais e mais belas “costuras”, enquanto a impossibilidade de amar nos leva à desintegração de nós mesmos. Com o tempo dedicado ao Amor, talvez possamos aprender que ele nasce da entrega, da aceitação do nosso limite frente ao que o outro é e pode ser. Que aprendamos a sempre buscar ter a mão que costura e modela as roupagens com que vamos nos apresentar e receber o outro. Os “vestidos” nada mais são do que o amor dedicado e generoso que ofertamos à(o) amada(o). E é amando que aprendemos a amar...

 

 

“O sonho”: No sonho, ele fala, fala e põe-se a contar o sonho. O analista fala, teoriza e, enquanto escuta, olha para fora e busca seu alvo: um amor? Um encontro? Não importa. Vale pensar que os dois são uma mesma pessoa e que o sonho é fundamental, mas não se pode perder o alvo (o barquinho de papel lançado): buscar a melhor comunicação, na relação. E tudo para que não aconteça “O caminho perigoso das coisas”: o casal que se perdeu no desgaste de uma comunicação não alcançada. Restou-lhes o canal insuficiente e ilusoriamente satisfatório, embora real porque concreto, da busca e da exibição do corpo pelo corpo.

 

Mas, só é amando que aprendemos a amar...

 

 

Maria Teresa Moreira Rodrigues

Psicanalista – Espiritualidade inaciana

01.07.2013