“A Honra Perdida de Katharina Blum” (1975), “Rosa Luxemburgo(1986)”, “Rosenstrasse” (2003), “Visão – Da vida de Hildegarda de Bingen” (2009): a realizadora alemã Margarethe von Trotta dirigiu vários filmes onde as pessoas são confrontadas com acontecimentos exteriores que mudam profundamente o seu destino e a vida quotidiana.

 

Estas personagens, muitas vezes mulheres, devem encontrar a coragem de se manterem fiéis às suas convicções numa atmosfera convulsiva. Luta política ou moral, as situações de perigo filmadas pela cineasta colocam a questão da resistência face ao pensamento dominante, ao mesmo tempo que refletem sobre a construção pessoal na dignidade.

 

No seguimento desta ótica, pareceria óbvio que a realizadora escolhesse Hannah Arendt como protagonista de um filme. Esta filósofa de origem alemã e judaica, aluna do também filósofo Heidegger, deixou a Alemanha nazi em 1933. Autora de várias obras filosóficas sobre a questão do mal, esteve no centro de violentas polémicas.

 

É difícil, num filme que se pretende acessível ao grande público, falar do trabalho de uma filósofa, dos caminhos de um pensamento. A cineasta focou o seu olhar desde o julgamento de Eichmann em Israel (1961) à publicação, na revista americana “The New Yorker” (1963), da sua obra “Eichmann em Jerusalém – Uma reportagem sobre a banalidade do mal”, editada em Portugal pela Tenacitas.

 

Para Margarethe Von Trotta, não é tanto o cinema que está no coração do filme, mas uma personalidade que realmente existiu, a quem é preciso dar corpo para que os espectadores tenham o desejo de a conhecer melhor.

 

O filme começa com uma discussão entre duas amigas que falam da sua vida conjugal e sentimental. Desde o primeiro momento é visível a grande liberdade desta mulher, mas também o seu amor pela vida, o seu igual prazer em receber flores das suas amigas e os elogios dos seus muitos pretendentes. No burburinho da vida, as perguntas dos seus alunos e as discussões animadas em torno de uma refeição compartilhada levantam as questões intelectuais.

 

O recurso ao arquivo de imagens para o julgamento de Eichmann evita a reconstituição do processo. A tensão aumenta na segunda parte do filme, quando os amigos e colegas de Hannah Arendt tomam posição sobre a sua obra. A sua angústia é palpável, e estamos então prontos a ouvir o discurso explicativo da sua perspectiva, oito minutos formidáveis e emocionantes.

 

É a alemã Barbara Sukowa que dá à personagem de Arendt toda a sua força. Apaixonada, amorosa, cínica e ferozmente independente, a atriz encarna-a com convicção e talento. A qualidade do filme passa também pela fotografia de Caroline Champetier, cujo trabalho é novamente notável, dando à narrativa a atmosfera dos anos de 1960.

 

Através de um episódio muito controverso na de Hanna Arendt, este filme permite entrar no processo do seu pensamento intelectual com emoção e clareza.

 

Margarida Ataíde

In Agência Ecclesia