“JIBURO - CAMINHO para CASA”
– Lee Jung-hyang - Coréia do Sul - 2005
“O amor não cansa e nem se cansa; e se cansa, não cansa de estar cansado.” S. João da Cruz
O filme é pura delicadeza, num clima de total profundidade. É uma viagem a um mundo mais primitivo, rural, em que tudo começa e nasce. De um trem de alta velocidade, passamos para um ônibus lento em terra batida; e pelas curvas e sendas da vida-estrada, chegamos a um local em que vamos ser apenas “pedestres”, caminhantes em busca de um novo olhar e um novo relacionar-nos.
Vamos ser testemunhas de dois mundos que se encontram, e precisam manter-se juntos. Duas pessoas que nunca conviveram, e que têm que partilhar o trivial de um cotidiano. Dois tempos, duas medidas; dois seres entregues a estar junto, sem nada saber um do outro. Diferenças de geração e de momento de vida. Vão aprender... e nós, junto com eles.
A avó anciã que recebe o neto que nunca vira antes, fruto da filha que se fora 15 anos atrás, em busca de novos e necessários horizontes. A filha, mãe e mulher jovem, atordoada frente a um futuro que tem que ser construído, e do qual já experimenta os reveses. O neto, criança como tantas outras, inquieta e ativa, desejosa de conhecer e fazer, mas como é natural, ainda só voltada para si mesma.
E não é assim em tantas e novas situações que vivemos e nos deparamos em nosso estar no mundo?E não é assim que chegamos para uma nova relação e situação?Apenas com o que temos?
Nada mais fadado ao fracasso que esse encontro ao qual assistimos.
Mas tudo fadado à transformação, pois colhido e acolhido pelo que só o desejo do AMAR é capaz de produzir e gerar, dentro do nada falar, mas a tudo escutar. Ela escutou e esperou. Seria diferente? Ela não sabia... ninguém sabe. Mas é necessário crer!
Ela olhava, observava, nada dizia; e nem seu olhar criticava o que via no comportamento do neto; ela apenas recebia. Ele agredia, ficava indiferente, rejeitava, provocava, desafiava; no fundo, era puro medo que se escondia por detrás do fixar-se no que lhe era próprio: seus jogos, seus brinquedos, seu jeito. Mas pouco a pouco seus olhos de criança começam a ver! E ele começa a agir diferente!
Detalhes e mais detalhes vão acontecendo, e enternecem nosso olhar de espectadores:
- começa uma chuva repentina, e ele corre para recolher a roupa que a avó acabara de pendurar no varal. E recolhe só as dele. Mas como que se dando conta do seu gesto egoísta, volta e recolhe as dela. E quando a chuva para, vai e pendura todas novamente.
- a avó estende a linha para que ele a coloque no buraco da agulha. Ele reluta e cede a contra gosto. E nas cenas finais, nosso coração vai se enternecer ao ver seu cuidado para com ela.
- a avó quer conhecer o que é dele: tenta fazer o encaixe das pecinhas de seu brinquedo, como em seu interno está tentando encaixar-se com seu neto. Mas tudo é novo e seus movimentos estão endurecidos pela passagem do tempo em suas mãos. No entanto, seu coração é sempre novo e disponível, como mostra o movimento que faz com as mãos, sobre o peito, como que desenhando um coração.
- lembremos da cena da caça à barata: o medo da criança e a naturalidade do idoso.
- a raiva do neto que se traduz em tirar o prendedor do cabelo da avó enquanto ela dorme. E a reparação que virá depois... E também em tantos outros momentos e relações, como com as crianças, que se tornam seus amigos. Que tenhamos olhos e sensibilidade para reparar o mal que fazemos.
E o filme brinda-nos com cenas paralelas de riqueza também ímpar:
- a solidariedade entre os habitantes da pequena aldeia, todos cientes de sua fragilidade e debilidade, e da necessidade uns dos outros, em diferentes momentos. É a velhinha da loja que, além de não lhe cobrar as barrinhas de doce para o neto recém-chegado, ainda lhe oferece doces a mais. É ela, vovó, que leva para o vizinho mais necessitado, as barras de alimento para idoso que ganhara de sua filha.
- a filha que trouxe para a mãe o que sabe que ela não tem, ou não sabe usar: intimidade e alimentação. E a reparação que também vive no final, reconhecendo a distância que vivera de sua origem e mãe.
E as cenas entre as crianças? Uma grande lição para todos nós! Aqui estamos frente ao leque de sentimentos de todos nós: ciúme, inveja, competição, engano, trapaça, mas também a oferta generosa de si, a troca do que se tem, até para sermos lembrados à distância (ele oferece seus mais queridos brinquedos à menina, e ela lhe dá o bicho de pelúcia que tanto amara ganhar). Enfim... que cada um de nós retenha em sua memória as cenas que lhe tocaram e com as quais se identificaram.
Mas, agora, umas palavras ainda, para tratar do momento da “queda”. Quando SANG WOO vai levar seus brinquedos para a amiguinha, ele sofre uma queda, da qual sai muito machucado. E ele chora... chora copiosamente...
Frente à queda, não foi apenas o seu brinquedo-boneco que se quebrou, foi ele que se quebrou todo. E então pôde descobrir o Mal em si mesmo: enganara o amigo, agredira a tantos, e sobretudo à avó, a quem tanto trapaceara.
E foi desde essa fragilidade que ele se consertou! Consertar-se foi descobrir que é possível ser diferente, montar-se diferente, ser diferente! A queda é necessária para descobrirmo-nos em nossa real condição humana de limitados, impotentes, insuficientes. Só podemos ser, a partir desse lugar!
E é então que ele pode usar do que tem, também para o outro: ensina a avó a escrever. E escrever para que ele possa saber dela, e a ela possa vir, para mais “amar e servir”. E tudo sem estardalhaço, no constrangimento natural de quem se sabe insuficiente e “pecador” (cena da despedida no ponto de ônibus). Mas tudo com a grandeza de quem se sabe podendo sempre aprender e ser “santo”: momento em que desde o vidro do ônibus, despede-se oferecendo a ela o gesto que com ela aprendera: mãos sobre o peito, amaciando o coração.
Quantas vezes vamos assim pela vida: fazendo o que queremos, o que nos satisfaz, e nem nos damos conta do outro, daquele que está do nosso lado. Até que um dia experimentamos a “queda”, momento em que só o “chão” nos recebe! E aí estamos sós, machucados, impossibilitados de ação. Pouco a pouco nos levantamos. A consciência do que fizemos e não fizemos nos alcança, e o coração chora o estrago feito em si mesmo e no outro. É o pranto da “redenção”, se assim o pudermos viver. É o momento do “perdão” a ser pedido ao outro, e o “perdão” a ser dado a si mesmo. E que então nos seja dado experimentar a MISERICÓRDIA!
No decorrer da vida, fundamental é a isenção de julgamento imediato daquilo que chega e nos invade e agride. Como receber “no coração” o que estranhamos e não entendemos?... Não sabemos como, mas podemos nos exercitar e crer que é possível aprender. E antes de sermos “avós”! E se já o formos, que tenhamos coração aberto para receber o que não entendemos, mas que é nosso também.
Caminhar para casa é caminhar em direção ao coração, local humano em que habita o que de mais divino há em nós. Cuidemos de nosso “coração”!
Maria Tereza Moreira Rodrigues
Psicóloga – espiritualidade inaciana – Campinas-SP