Enquanto os turistas sonham com as praias da Florida, uma grande parte da população nem sequer sabe nadar. Em certos bairros a miséria e a droga fazem estragos e, como sempre, as crianças sofrem por ricochete. Chiron é uma delas, caminha de olhos baixos, apreensivo. Fala pouco porque aprendeu que é melhor não dizer nada do que deixar transparecer uma outra fraqueza. Em casa a mãe está muitas vezes ausente e na escola, onde é o bode expiatório dos mais fortes, só tem um amigo, Kevin.
Barry Jenkins divide o seu filme em três partes: infância, adolescência e vida adulta. Com uma banda sonora enérgica e uma escala de cores ensolaradas, o realizador recusa reforçar a miséria que vai mostrar. Sugere a violência das situações sem as carregar, e a câmara é sempre pudica nos momentos delicados. Pouco se verá do brilho de Miami e todas as personagens são pessoas de cor: naqueles territórios os brancos não existem... Os planos são cuidadosamente compostos para dizer sem conversa a inquietude constante que reina na casa, na escola, na rua. E para mostrar a espiral infernal em que estão mergulhados os habitantes daqueles bairros, Chiron tornado adulto é interpretado pelo ator que faz de Juan na primeira parte.
Os três atores que fazem de Chiron são impressionantes. Alex R. Hibbert, Ashton Sanders e Trevant Rhodes, ainda que não se pareçam fisicamente, sabem transmitir a inquietude permanente que construiu a criança, a fraqueza que transtornou o adolescente e a procura impossível que rói o adulto. A cada fase da vida, Chiron dá-se um outro nome: Little, Black, Tapette...
O encontro com Juan permitir-lhe-á encontrar uma figura de pai que muito lhe falta. Juan respeita-o, ensina-o a nadar (num mundo de tubarões...), oferece-lhe um refúgio onde repousar. Mas introdu-lo no círculo vicioso onde se reproduz aquilo que faz sofrer: aterrorizado pela sua mãe drogada, incapaz de tomar a vida nas suas mãos, Chiron acabará por ser um traficante, sofrendo por saber que o crack que vende às mães de famílias destrói os seus filhos. Nos bairros pobres de Miami, raros são aqueles que conseguem inverter o curso das coisas.
No fim do filme, na parte "adulta", o realizador constrói uma cena magnífica para o reencontro de Chiron e Kevin, que não se viam há 10 anos. Com muita correção, as dificuldades e as doenças de ambos tornam-se palpáveis no écran, doença que Kevin esconde sob um mar de palavras, e a mágoa de Chiron, tão mal dissimulada atrás da poderosa musculatura do seu grande corpo. Nas poucas palavras tocadas, sente-se subir a culpabilidade de um, o medo de falar do outro. É um belo momento de cinema, cheio de graça, de subentendidos e de emoção contida.
Movido desta vez não pelo desespero mas pela esperança de voltar a dar sentido à sua existência, e talvez porque Kevin lhe acaba de dizer que mesmo se a sua vida não é gloriosa, já deixou de ter medo, Chiron fala por fim. Ele diz o inconcebível para o meio de onde saiu, o reconhecimento de um desejo que não é senão sexual - «tu és o único que me tocou, o único» -, ecoando assim o que lhe dizia a mãe nos seus raros acessos de ternura, «só te tenho a ti, a ti». É reconhecendo esta fraqueza, esta angústia que escondeu durante tantos anos que Chiron encontra finalmente a possibilidade de se tornar ele mesmo, como lhe tinha incitado Juan no dia em que o ensinou a nadar. A tensão dá então lugar ao apaziguamento e o filme pode terminar.
Indicado para nove oscares, "Moonlight" ganhou os de Melhor Filme, Melhor Ator Secundário (Mahershala Ali, que interpreta um traficante de droga) e Melhor Argumento Adaptado, para Barry Jenkins.
Magali Van Reeth
Diretora da Secção de Cinema da SIGNIS - Associação Católica Mundial para a Comunicação
In: "SIGNIS"
Edição: SNPC
Publicado em 10.03.2017