“SOUL  KITCHEN”

Diretor: FATIH AKIN

– Alemanha – 2009

 

 É preciso cozinhar a vida na “cozinha da alma”

 

 

Saí da sessão muito bem, com a alegre satisfação que nos traz um filme bem feito, envolvente, coerente, atual, urbano e profundamente sério, sob uma fachada cômica. Achei que não dava para escrever algo que me envolvesse e que lhes trouxesse o que sempre busco, que é ajudar a que a sensibilidade própria de cada um de vocês aflore, ao “entrar” na que aflorou em mim. No entanto, no decorrer da manhã de hoje, o filme foi ganhando contornos. Tentarei partilhá-los: de fato, do começo ao fim, ele aponta àquilo que veio: mostrar o desenrolar de um viver que pode encontrar um centro e um rumo melhor. Não à toa, o sobrenome dos nossos personagens gregos é Kazantzákis. Não sabia o que me lembrava. Ah, lembrei! Nikos Kazantzákis, de “Zorba, o grego”! E de “Ascese – os salvadores de Deus”!

 

Foi-se fechando o círculo: ordenar a vida, dar rumo e, além disso, vencer o stablisment, o furor do capitalismo selvagem e o da desumana expansão e especulação imobiliárias. Ou seja, tudo se desenrola sob um plano individual (Zinos e sua vida) e um coletivo (Z. como a classe social que está à margem do lucro a qualquer preço. Vejamos o plano coletivo: Z. é grego, “duro”, dono de uma espelunca de restaurante, e cheira a óleo de cozinha (Europa 3º. mundo); namora Nadine, alta, magra, elegante, olhos claros, neta de uma grande senhora (Europa 1º. mundo), e que vai para a China seguir carreira (Mundo em desenvolvimento, mas já rico e potente). Z. está à margem; a comida do seu restaurante reproduz o que há de pior no “fast food”, mas todos se “acostumaram” com esse “american way of life”. Digamos que aos “pobres” estimula-se com o que há de pior. No entanto, o “rico” que poderia ter o que há de melhor, está arrogante e ignorante: no restaurante chique, ele quer “gazpacho” quente (!); não reconhece tradição, não sabe o que é o que, e vale colocar tudo no “micro-ondas”! Z. é a Europa pobre, agonizante, “sem coluna” (a dor impede de estar de pé!). Com ele estão: o cozinheiro Shayn, talvez o guardião das tradições, através de sua culinária, com a qual resiste e não faz concessões. A garçonete Lucia, luz, que representa a Arte: a pintura, a literatura e é livre. O irmão Ellyas, talvez o esperto, mas ingênuo e primitivo; eterna criança viciada, que não muda, apesar do amor recebido. A figura mítica do velho, o Sócrates, guardião do barco, dos valores ocidentais; como uma Arca de Noé, pode sempre ser fonte de um mundo novo. Voltando ao enredo: O Governo exige suas taxas, a qualquer custo. Seu amigo (?) de escola, hoje grande especulador imobiliário (Brenan Thurman?), monta um esquema para conseguir comprar o barracão, restaurante-memória de uma época, a preço de banana. E a Vigilância Sanitária dá o golpe fatal em Z.. A bancarrota parece ser o inevitável. Acredita que o que lhe cabe é ir até N., ou também, ir para uma aliança com os asiáticos. Mas, em boa hora, “salvo” pela morte da “Velha Avó Europa”, encontra N. que retorna para o enterro. E ele não embarca. No entanto, ao “pegar sua bagagem-vida, sua coluna quebra”! Quase a ponto de ser “operado”, a um custo que não pode pagar, sai do “hospital”; é socorrido por Anna e pelo curandeiro turco. E volta e insiste em fazer contato com N.-Velha Europa. Vai ao enterro. Cena desastrosa e cômica!

 

Quando Europa e China dão-se as mãos (N. e o chinês), o Grego avança e derruba até o caixão! A Europa-pobre pode “quebrar” a Europa-rica! Então, essa se curva e reconhece que não deveria ter feito o que fez com seus “irmãos pobres” – Nadine explica-se a Zinos e empresta-lhe sua riqueza; assim ele poderá afrontar e enfrentar a “gula” dos especuladores e comprar com dignidade o que lhe é de direito. Fantástico! E é o botão do casaco de Sócrates que tampa a garganta do “homem da Bolsa” que, impedido de falar, permite que Z. “bata o martelo” e recompre sua propriedade por apenas 0.15E a mais!

- há muito a dizer, mas não há mais espaço! rsrrs... acrescentem o que já lhes ocorreu! -

 

Maria Teresa Moreira Rodrigues

Psicanalista – Espiritualidade Inaciana