Dir.: Sebastián Borensztein

Argentina/Espanha – 2011

 

A princípio, uma comédia, e com esse nome, não parece ser uma produção assim tão promissora. Tal constatação, ainda que aparentemente confirmada pela cena inicial, não resiste, contudo, aos minutos que lhe seguem. Talvez, para os olhares muito habituados ao excesso hipnotizante das luzes de uma vida de grandes sensações (vividas ou desejadas), acostumar a pupila e o espírito ao singelo, ordinário e sutil daquilo que nos é apresentado por Sebastián Borensztein pode levar algum tempo. De fato, não é do externa ou convencionalmente grandioso e excitante que nos fala Um conto chinês. Por isso, saboreá-lo será uma experiência que requererá de nosso paladar abster-se dos condimentos: é assim que precisamos proceder quando queremos nos acercar do real gosto das coisas, inclusive, do gosto de nossa própria existência.

 

No delicado enredo que o filme nos apresenta, somos lançados no cotidiano quase que completamente disciplinado e engessado de Roberto. Mas todo esse controle e esterilização são abalados quando o caminho Jum, em sua desventurada sorte, cruza com o seu. A partir desse encontro, a vida de ambos já não poderá mais ser a mesma. No confronto, na descoberta da alteridade, a assepsia de Roberto é perdida e a irrupção de um outro que lhe demanda cuidado provoca fissuras anteriormente inconcebíveis na sua bem estabelecida rotina.

 

Está precisamente na tensão apresentada entre o consolidado em uma vida já bem estabelecida e a força subversiva de uma existência que nunca desiste de buscar seguir florescendo, a grande riqueza do filme. No confronto com essa realidade tão humana, tão de todos nós, é impossível não se ver refletido em alguns ou em diversos aspectos. Com isso, Sebastián Borenszteinoferece-nos mais uma chance, dentre tantas outras com as quais o cotidiano nos brinda reiteradamente, de seguirmos caminhando em nossa nunca de todo concluída tarefa de fazermos nossa vida valer sempre mais a pena.

 

Mas não nos esqueçamos, para podermos saborear Um conto chinês, temos que nos apartar dos juízos e das impressões rápidas, superficiais. A riqueza do filme está menos naquilo que explicitamente pode chamar mais a nossa atenção, e mais nas entrelinhas quase que inaudíveis de uma existência que segue buscando desabrochar.

 

Cristiano Cordeiro Cruz

15.03.2012