Aqui estão aquelas músicas cantadas por poetas como Bandeira, Millay, Bashô, e mesmo a Cecília, que dá o título a este livro de poemas. Título que poderia ser também Fim do mundo, pois as canções da belíssima poesia de Adriana Lisboa são dramáticas enquanto líricas, carregam os sons dolorosos da vida humana num contraponto aos rumores da exultação, do enlevo de simplesmente estar vivo e poder cantar. O canto como exercício, amor, lembrança e confissão.
Indícios da vida vão sendo captados com doçura e bondade, numa comovente dilaceração de si mesma em face do mundo real e imaterial. Indícios dos mundos cotidianos — a máquina de lavar, o relógio, o cão, o cogumelo — e dos sonhados — desertos de tuaregues, deuses distraídos, a raposa na montanha, luas bêbadas. É nos livros que a mulher vai aprender a ser mãe, ou no próprio filho? É nas palavras que a poetisa vai buscar as pequenas músicas, ou nos próprios dias vividos?
Sentada à mesa com os fantasmas do passado, numa reinvenção do tempo e da alma, Adriana Lisboa constrói com o barro dos pensamentos e as partículas dos sentimentos o caminho deste livro: vai do mundo ao eu, contemplando em si a mãe, a irmã, o avô, o pai, o filho, o espírito envenenado pela voz da poesia. Uma voz meiga e contundente. Na harmonia da música mais pura. Deveras, como diziam os antigos, tudo acontece apenas para ser cantado.
Ana Miranda
In: Editora Iluminuras