“Eis que eu vos envio como ovelhas no meio de lobos...” (Mt. 10,16)

 

Jesus é claro: apresenta-nos as consequências do seu seguimento. O Evangelho não é para acomodados, nem para aqueles que querem viver tranquilamente; tampouco é um sedativo ou um calmante, nem uma anestesia frente à realidade dividida e conflituosa. O anúncio e a vivência do Evangelho desestabiliza toda estrutura, social ou religiosa, fundada na injustiça e no poder.

 

Quem vive radicalmente o Evangelho, vai ser rejeitado, perseguido... Viver o Evangelho com “parresia” (palavra grega que o Papa Francisco usa muito), ou seja, com audácia, valentia e ousadia, significa centrar-nos em Jesus e deixar-nos conduzir pelo seu Espírito. Tudo o que Jesus fez – suas atitudes, seus gestos, suas palavras – revela uma nova visão das coisas, um novo ponto de partida, uma nova ordem, um novo projeto.

 

Ele encarnou-se num mundo fechado, dividido, conflituoso... Fez-se presente no mundo do sofrimento e da exclusão, e a partir daí propôs um novo projeto. Vivendo e anunciando a Boa-Notícia do Reino, Jesus provocou conflitos.  Jesus se tornou um sinal de contradição porque permaneceu absolutamente fiel a uma mensagem, a um modo de agir e a uma missão que havia recebido do Pai e que devia realizar com critérios e opções coerentes com o conteúdo do seu Evangelho.

 

Tal Cristo, tal cristão. O conflito está na raiz da experiência cristã do seguimento de Jesus. O conflito faz parte da vida do cristão; não é um evento nem um acidente de percurso; é consequência de uma opção sincera e comprometida em favor do Reino.

 

 

O conflito perpassa nossa vida pessoal e comunitária, é permanente: conflitos no interior da Igreja, no interior das comunidades; conflitos de origem social, cultural e político; conflitos gerados pela missão entre os pobres e pela defesa de seus direitos; conflitos de consciência, de lealdade; conflitos que se originam da missão profética da Igreja... Há uma relação profunda entre a conflituosidade na missão e a fidelidade ao Evangelho do Reino.

O “normal” do conflito na vida cristã confirma-se através da História da Igreja, onde os seguidores de Jesus experimentaram e assumiram toda espécie de conflitos como preço de sua fidelidade.

 

Deus também se revela no conflito; nos conflitos há uma manifestação do Espírito. De uma forma por si mesma desconcertante e misteriosa, o conflito constitui um chamado do Senhor, uma graça para seguir Jesus perseguido, com uma opção mais madura e por motivos mais purificados segundo o Evangelho. O conflito é um catalisador ou amplificador que permite revelar o que está latente na pessoa ou na comunidade, e que em tempos de aparente harmonia não se manifesta.

 

Como chamado de Deus, o conflito é desconcertante e exige um discernimento permanente. Tal é o desafio de todo conflito: ele pode nos despertar ou pode nos paralisar; ele pode provocar um retraimento e um retrocesso ou, pelo contrário,  dispor-nos para avançar. Enfrentá-lo exige de nós confiança para que desperte potencialidades latentes que ainda não se manifestaram.

 

Dada a condição humana e a realidade histórica, a crise e o conflito constituem freqüentemente a graça histórica que Deus nos concede para que amadureçamos na liberdade, na verdade e na justiça.

O conflito é, portanto, certeza da novidade que vem, quando o Espírito a suscita e a anuncia; ele pode ser ocasião para dar um salto qualitativo e de crescimento.

 

O conflito é um instante difícil, de parada, de mal-estar, de busca sofrida, mas é importante para purificar as pessoas, revigorar a mística e ressaltar os valores e ideais evangélicos de uma pessoa ou de uma comunidade. O conflito é um momento de redefinição, de adequação à realidade e de crescimento da própria mística do seguimento de Jesus:

* Há pessoas que dissimulam o conflito para salvar a aparência da unidade.

* Outros recorrem ao poder. Eles eliminam o conflito, abafando, reprimindo, afastando os que causaram

   o conflito...

* Aprendemos a “espiritualizar” os conflitos ou a ignorá-los, mas raramente a integrá-los.

* Como transformar o próprio conflito em fonte de fé, esperança e amor?

  

Como crescer e amadurecer no conflito?

Como viver o Evangelho no conflito?

Como aprofundar nossa missão no conflito?

 

Como cristãos, devemos, em primeiro lugar, dar razão da esperança em meio a crises e conflitos. Provavelmente, mais do que em outros tempos, temos de saber integrar todo gênero de conflitos na espiritualidade. O desafio está em integrar fidelidade e conflito à luz do Evangelho e da Tradição espiritual da Igreja, em uma mesma experiência de identificação com Jesus.

 

O conflito é um “ensaio da esperança”, uma certeza de que o Espírito “renova todas as coisas” sobre a face da terra. O Espírito de Deus atuou nos conflitos de Israel, inspirou as opções de Jesus, sustentou os primeiros cristãos no meio da perseguição e cremos que Ele continua atuando em nossos dias. Valerá a pena, então, deixar-nos ensinar por Ele e colocar-nos a seu serviço.

 

Tendo por referência a pessoa de Jesus e o modo de agir das primeiras comunidades cristãs, o seguidor de Jesus deve enfrentar com seriedade o sentido cristão dos conflitos pelos quais atravessa. Neles pode reviver o caminhar de seu Senhor, pode manter o nível humano e cristão de seu comportamento e de seus sentimentos, para reagir sempre evangelicamente, e sustentar a confiança de que a força e a eficácia da prática cristã é maior que todos os perigos.

 

Aqui não se trata de criar e alimentar uma “espiritualidade conflitiva”, nem de supervalorizar o conflito. Na verdade, o conflito e a Cruz nunca constituem um valor em si mesmos, e seria muito impróprio falar de uma “espiritualidade do conflito”. Mas podemos falar de uma “espiritualidade cristã no conflito”.

Deve ficar sempre claro que a única espiritualidade autêntica é a que brota do seguimento de Jesus e que, portanto, não é o conflito que santifica, mas a identificação com Jesus, sujeito de conflito e perseguição.

 

Esse seguimento de Cristo não representa somente a causa dos conflitos enfrentados por seus discípulos, mas também a referência de como viver os conflitos, humana e evangelicamente; é a referência de como viver a experiência do “conflito como espiritualidade”.

 

Texto bíblico:  Mt 10,16-33

 

Na oração:  Rezar as atitudes pessoais frente aos conflitos. O conflito é certeza da “novidade” que vem; por isso exige um discernimento permanente.

Descobrir estratégias de crescimento para superar conflitos.

Descobrir a presença e o chamado de Cristo dentro do conflito.

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana – CEI