“O cego jogou o manto, deu um salto e foi até Jesus” (Mc. 10,50)
30º Dom. Tempo Comum
Bar-Timeu: “bar”, em aramaico, significa “filho de”. Ele é um homem sem nome, conhecido simplesmente como filho de Timeu. Estava sentado num ponto estratégico, mendigando às margens da estrada. Todos os peregrinos passam por ali para ir a Jerusalém. Jesus também vai passar por ali. É difícil que alguém escape daquele ponto. Ele está atento.
Do meio do barulho dos passos, da balbúrdia e do vozerio das pessoas brota, da boca do cego, uma invocação incontrolável, cada vez mais persistente; uma oração, um ato de fé:
“Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim”.
Só ele sabe o incômodo que é estar cego, esmolar, vivendo fora da cidade, à margem do caminho. A hora é agora e não há tempo a perder.
Jesus interrompe bruscamente a sua caminhada apressada para Jerusalém. Ele ouve, pára e chama justamente aquele cujo grito perturbava e incomodava a “tranquilidade” da multidão que o seguia. Os dois ainda não se conheciam, mas era forte, em ambos, o desejo de se encontrar.
O cego levanta-se de um pulo, deixa de lado seu manto, sem hesitar: sua riqueza, sua segurança, seu teto... e entra na luz do olhar de Jesus. Bartimeu não está mais excluído, às margens da estrada. Agora, ele se encontra no centro da cena: face a face com o “Filho de Davi”.
Ele poderá ver, não apenas o rosto das pessoas, a côr de uma flôr, o sorriso de uma criança, o encanto da aurora ou o pôr-do-sol, mas, sobretudo, poderá ver a própria existência, o sentido das coisas, da história, dos acontecimentos humanos e da vida...
Finalmente, Bartimeu poderá decidir onde ir, o que fazer da própria vida e como dirigir-se ao próprio Deus. Jesus não o segura; não o convida a segui-lo mas oferece a capacidade de ver na direção certa; oferece-lhe a liberdade; ajuda-o a descobrir que, o desejo de viver, de caminhar, de gritar, nasce da fé.
E, naquela liberdade total, interior, faz a sua escolha: “...e seguia-o pelo caminho”. Esta frase expressa mobilidade e proximidade. Depois da experiência do encontro com Jesus, Bartimeu passou da imobilidade ao movimento, da exclusão à inclusão, do afastamento à proximidade... Para ele, a obscuridade se tornou luz; a marginalidade se tornou estrada; a estraneidade se tornou familiaridade; a liberdade se tornou gratidão; a marginalidade se tornou seguimento... E tudo isso começou de um grito... e de um salto.
A capa que antes o acompanhava e protegia é abandonada. Fica lá, na beira da estrada, marcando o lugar da mudança. A imagem que ela representava é coisa do passado. A capa continua lá no mesmo lugar, mas Bartimeu, agora tomado pelo olhar de Jesus, é homem do caminho, discípulo, seguidor...
Ao chamado de Jesus, reage dando um salto. Salta para um novo ver, salta ainda mais para um novo ser. Salta da vida sem graça, limitada a pedinte da margem do caminho, para a graça da vida de caminheiro solidário rumo à transformação.
A existência humana pode ser marasmo, sonolência, estagnação, medo, repetição, inércia e fixismo. Mas ela pode ser conduzida também com sabedoria e imaginação. Nosso interior contém potencial para vencer a inércia e superar o medo do desconhecido, do fracasso, da desilusão... Carregamos sonhos e desejos, mas podemos correr o risco de convertê-los em uma contínua espera, em algo que não se materializa.
Há um momento em que, para alcançá-los, temos de saltar, temos que nos separar do solo para poder chegar até eles. Esse instante, ou esse tempo, produz-nos vertigem, o medo pode nos paralisar.
O solo são nossas seguranças, o conhecido, o que já temos. O solo é nossa realidade. Renegar o solo que nos sustenta é viver maldizendo nossa realidade, não a aceitando. Aquele que não conhece e não aceita o solo no qual pisa não pode saltar.
Outros, no entanto, estão tão apegados ao solo que é impossível para eles dar o salto. A realidade para eles é como o asfalto nos dias calorosos de verão: os calçados ficam colados ao chão. Estão tão presos ao presente imediato, impedidos de serem ousados no salto criativo.
Para dar o salto ousado e criativo é preciso fazer como o cego Bartimeu: desvencilhar-nos de nosso manto, fardo inútil e peso que nos imobiliza à beira do caminho. Isso impede nossa agilidade e mobilidade para ir adiante na longa jornada que a vida apresenta.
Ao mesmo tempo, sem lamentar o solo que pisamos, viver agradecidos por cada trecho do caminho, por cada salto feito, pelos momentos de risco e frios na barriga; ao mesmo tempo, ter a tranquila certeza de que saltar é humanizador e plenificante.
É importante descobrir o real significado do salto que nos arranca do passado paralisante e nos lança na aventura que modela a vida pessoal, social, ética, religiosa, histórica... O salto inteligente estimula a criatividade e rejeita a mediocridade.
Para isto, devemos suscitar e cultivar o legítimo “salto”, que é fenômeno inovador e fecundo. Isso implica pisar o solo com a confiança de que sabemos que a vida está cheia de novas possibilidades, de metas que ainda não superamos, de encontros que ainda não se realizaram, de chamados aos quais ainda não respondemos, de compromissos ainda não assumidos...
Construir a vida que queremos implica saber saltar, saber partir e deixar para trás nossa situação de comodidade, os lugares cotidianos onde nos movemos como peixe na água, onde nos sentimos seguros.
É importante ter clareza da direção para onde saltamos. Há saltos equivocados: salto amargo, salto pessimista, salto frustrado, salto mortal, salto no escuro, salto no desespero, salto na tragédia, salto no suicídio. Há saltos perversos: salto dos mais fortes sobre os mais fracos, salto autoritário, salto dos prepotentes...
O verdadeiro salto humano tem sentido de inovação. É o salto da multiplação, o salto da gênese permanente e da história inacabada. Salto é o acontecer inesperado, é o surgir repentino, é o germinar da realidade, é o despontar da madrugada. O salto acorda o espírito, solta a liberdade, assume a responsabilidade e aponta o destino inédito.
Salto é também ruptura; de fato, o salto rompe obstáculos e desloca resistências. O salto é surpreendente. Há salto que só se realiza com a quebra da rotina. E cada salto inspirado, pessoal ou social, inaugura novo salto para a humanidade.
É hora de um salto arrojado, e não de covardia. É tempo de assumir o salto. É salto para acordar, salto para pensar, salto para viver, salto para criar, salto para clamar, salto para partir e salto para construir.
O salto envolve a totalidade de ser humano, busca a verdade, busca o bem, busca a ética, busca a utopia, busca o direito e a justiça; busca o salto da humanização.
Texto bíblico: Mc. 10,46-52
Na oração: O salto autêntico reclama coragem àquele que está prostrado; de tempos em tempos precisamos de saltos que nos ajudem a superar o medo e nos garantir a autonomia e a construção de nossa própria história.
Há um impulso interior que nos convida a saltar, do conhecido ao novo: um novo projeto, um novo compromisso, uma nova missão. Isso implica momentos de risco, mas também ali está a serena confiança de que podemos e queremos saltar. Não no vazio, mas no encontro.
O salto lúcido mantém o olhar vigilante, de discernimento: em que direção saltar?
A oração é o ambiente natural para concentrar-se e preparar-se para o grande salto da vida.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana
24.10.2012