“Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: ‘a paz esteja convosco’” (Jo 20,19)

Os relatos das Aparições unem a experiência do encontro com o Ressuscitado e os dons que são específicos e fundamentais para a vida cristã: a comunidade, a paz, a missão, o perdão, o Espírito Santo e a fé.

“Olhar o ofício de consolar que Cristo nosso Senhor exerce”. S. Inácio utiliza esta expressão quando apresenta, na 4ª Semana dos Exercícios, a contemplação das aparições do Ressuscitado.

No diálogo amoroso com seus amigos e amigas, Jesus Ressuscitado vai exercendo “o ofício do consolar”. Não se trata de um ato pontual senão de um “ofício” que definirá para sempre a atividade de seu Espírito no mundo. O “ofício de consolar” é a marca do Ressuscitado, é força recriadora e reconstrutora de vidas despedaçadas. Jesus ressuscita e se encontra com cada um dos seus amigos e amigas, ativando neles(as) o sentido da vida, reconstruindo os laços comunitários rompidos, e sobretudo, oferecendo solo firme a quem estava sem chão, sem direção... Consolar é o que define a ação do Ressuscitado transformando a situação dos seus amigos e amigas: a tristeza se converte numa alegria contagiosa, o medo em valentia e audácia, o fracasso em impulso para a missão... 

O evangelista João descreve de maneira insuperável a transformação que se deu nos discípulos quando Jesus, cheio de vida, se faz presente em meio a eles. O Ressuscitado está de novo no centro de sua comunidade de seguidores; eles sentem Seu alento criador. Tudo começa de novo. Tal presença os liberta do medo e da dúvida, os faz escancarar as portas e dar início ao processo de evangelização.

O Ressuscitado se aproxima como Presença viva que dá Vida: deixa-se ver, fala, interpela, corrige, anima, comunica paz e alegria. Em uma palavra, presenteia seu Espírito.

Outra vez Jesus recria a comunidade que depois da Paixão estava se desintegrando; e seus discípulos experimentam novamente o chamado e o envio, a serem testemunhas e cúmplices do Espírito, porque vivem a certeza existencial de que o Crucificado é o Ressuscitado, que a morte foi vencida, que Deus é o Senhor da Vida. Impulsionados pela força do Espírito, seguirão colaborando, ao longo dos séculos, no mesmo projeto salvador que o Pai confiou a Jesus. 

Para o evangelista João, o diálogo do Ressuscitado com seus amigos e amigas tem um tom de profundidade e trato, de familiaridade e intimidade. Diálogo dinâmico e reconstrutor, que destrava as pessoas de seu fracasso e abre para elas um novo futuro de sentido.

Neste diálogo, tanto os conteúdos expressos como os aspectos relacionais ganham uma grande importância: as palavras, os gestos (mostrar as mãos e o lado), o olhar, a maneira de falar, o tom da voz, os silêncios, o contexto onde acontece o diálogo...; tudo isso forma parte da diversidade e riqueza da revelação do Ressuscitado aos seus discípulos. Diálogo personalizado, comunitário, mobilizador de vidas...

O diálogo é uma experiência profundamente humana de proximidade, de conhecimento, de intercâmbio, de ternura... um encontro entre pessoas que vão compartilhando histórias de vida, esperanças e frustrações, vontade de construir e sonhar... O diálogo é o lugar privilegiado de encontro e descoberta misteriosa do Outro (Deus).

Dialogar é um caminho pedagógico, um processo gradual que requer uma capacidade de escuta, de acolhida e de deixar-se tocar pelo que o outro é, não só pelo que diz; uma capacidade de olhar com profundidade para reconhecer uma história santa, um caminho de salvação. É reconhecer no outro o que há de verdadeiro, bom e belo, e descobrir como o dinamismo de Deus atua no seu coração. 

O diálogo constitui uma das experiências humanas mais antigas e reveladoras de nosso ser profundo. Ele não se reduz a um mero intercâmbio de palavras; é um processo essencialmente ativo, inerente à nossa natureza relacional, cuja finalidade última é viver a experiência do encontro.

Dialogo é uma das aprendizagens vitais que não tem data de vencimento.

Há diálogo e “diálogo”. Há “diálogo” superficial que gasta palavras à toa e revela o vazio das pessoas. E há diálogo que tem ressonâncias profundas, toca o coração e fica registrada memória.

Todos nós, com certeza, já passamos por experiências de ressurreição, que dilataram o nosso coração e se revelaram como força na hora das dificuldades. Ajudaram a ativar confiança e a vencer o medo.

O diálogo nos ressuscita, nos liberta da solidão e do fechamento, fazendo-nos crescer na transparência. As inúmeras possibilidades de dialogar são encontros que nos reconciliam com a vida, nos movem a crescer e a sair de nosso egocentrismo. Ele nos permite sentir que formamos parte da vida de outros e nos ajuda a levantar-nos quando as perdas, os fracassos, as enfermidades... tornam difícil nosso caminhar.

Dialogar é uma das vias privilegiadas que temos para nos fazer sentir que nossa vida é habitada por outros, que grande parte de nossa felicidade está no fato de sermos capazes de nos fazer presentes na vida dos outros e, ao mesmo tempo, deixar que estes se aninhem em nosso interior.

Reconhecimento, pertença, celebração da vida, sentir-nos capazes de pensar e agir autonomamente, de ativar nossa própria identidade, de mobilizar nossos recursos originais, de reforçar vínculos comunitários, de investirmos os dons num sonho mobilizador...: tudo isso são expressões de uma vida ressuscitada. 

Se quisermos que a nossa vida cristã tenha a marca da Ressurreição, o convite é este: “sair do próprio túmulo” para viver “diálogos mobilizadores de vida”. É preciso remover as pedras da indiferença que foram soterrando a vida dentro de nós e romper os muros que cercam nosso coração; é necessário compreender que somos chamados a um compromisso diferente e mais profundo: destravar portas e janelas, sair da reclusão de nossas casas para entrar na grande “casa” de Deus; romper com o tradicional para acolher a surpresa; deixar a “margem conhecida” para vislumbrar o “outro lado”; afastar a “pedra” da entrada do coração para poder viver os diálogos com mais criatividade.

Ressurreição, plenitude do mistério da comunhão através dos gestos, da proximidade, do abraço...

“Estende a tua mão e coloca-a no meu lado” (Jo. 20,27).

A cada abraço sentido, uma ressurreição também vivida!

Deixemo-nos alcançar pela Ressurreição de Cristo permitindo que o nosso corpo seja um corpo de ressuscitado.

Texto bíblico:  Jo 20,19-29 

Na oração: Páscoa se estende no “tempo” e no “espaço” porque, como a vida, ela está cheia de surpresas e energias vitalizadoras; trata-se de uma experiência que é vivida com calma e bem devagar, enquanto a luz e a força que contém vai transformando e configurando nosso  “húmus” interior. À diferença do “corona-vírus”, a experiência pascal não invade, não arrasa, não aniquila... Ela oxigena, ilumina, fortalece, injeta em nós a Vida do Deus-Amor.

Pelo diálogo a pessoa manifesta quem ela é.  Onde está seu diálogo, aí está seu coração”.

- Seus diálogos ressuscitam, animam os outros, eleva-os, “aquecem seus corações?...

- Sinta este tempo de Páscoa como um convite a ser presença consoladora para as pessoas e para o planeta Terra.

 Pe. Adroaldo Palaoro sj

09.04.2021

 Imagem: Hendrick Jansz. ter Brugghen