“Quem quiser ser grande, seja vosso servidor; e quem quiser ser o primeiro seja o servo de todos”
29º Dom. Tempo Comum
"Ter poder": esta expressão ecoa forte no coração humano. Inquieta e se toma ambição como desejo de domínio. O poder deslumbra, ofusca e pode facilmente se tomar o centro da identidade de um indivíduo. Na verdade, o poder é uma das forças mais sedutoras em todos os tempos.
O coração humano sofre ao ver-se dominado por este desejo de poder que intoxica suas aspirações mais profundas de comunhão e solidariedade. Os relacionamentos são balizados, tanto no espaço institucional como nos encontros interpessoais, pela disputa do poder. A vida passa a valer pela força do poder que se tem e ela se torna uma arena de competição. É o extremo de perversidade e de desvio do coração humano.
Além disso, o exercício do poder se expressa nas atitudes de dominar, manipular, subjugar e definir tudo segundo um próprio e particular arbítrio. A perversidade do coração humano encontra no exercício do poder o campo mais propício para a revelação de suas mazelas, violências e mesquinhez. O que constitui poder, cargos, dinheiro, imposições, torna-se uma terrível rédea para o controle de grupos, a submissão de pessoas, o encastelamento do coração e a frieza de manipular tudo para tudo ser feito segundo o próprio gosto e segundo os próprios interesses.
Encanta-nos o grande, o importante, o notável, o solene, o que impressiona e chama a atenção, o que se impõe e causa admiração... Tais apetites nos rompem por dentro e destroçam nossa própria humanidade. Somos “educados” para sermos importantes e poderosos, mas não para sermos simplesmente humanos.A sedução do poder nos desumaniza.
É do coração do próprio Jesus que vem a indicação do remédio para este mal que sorrateiramente toma conta do coração humano e o endurece, produzindo os cenários de corrupção, mentiras e manipulações, impedindo a vida de desabrochar e crescer. Jesus tem consciência de que a busca e o desejo de “mandar” destrói a paz entre as pessoas; a ambição causa divisão em todo grupo; a busca de honras e protagonismos interesseiros rompem sempre a comunhão da comunidade cristã. Todo poder, entendido como domínio sobre os outros, opõe-se à graça do Reino, e assim devem estar conscientes os seus discípulos. Por isso, os seus seguidores devem renunciar os métodos de força, imposição e domínio que outros utilizam no mundo.
Jesus, com seu modo de viver, nos coloca diante da tentação que nos ameaça: o gosto do poder, da comodidade, de pompas, de querer ser como os “chefes das nações”, de ter privilégios... Sua proposta de vida é de uma sabedoria e de uma humanidade finíssima. Ele é profundamente consciente da força desagregadora e desumanizadora que revela toda busca de poder.
Jesus não quer “chefes” sentado à sua direita e à sua esquerda, mas servidores como Ele, que dão sua vida pelos outros. Sua Igreja não se constrói a partir da imposição dos de cima; nela não cabe hierarquia alguma de honra e dominação, mas hierarquia de serviço.
No grupo dos seus seguidores, aquele que quer sobressair e ser mais que os outros, deve se deslocar para o último lugar; assim, a partir da perspectiva dos últimos, poderá ter melhor visão daquilo que eles mais necessitam e poderá ser servidor de todos.
A verdadeira grandeza consiste em servir com amor; o serviço é a manifestação prática do amor. E o amor busca sempre o último lugar, precisamente porque esse é o lugar mais universal; é o lugar que mais nos humaniza, o que mais humaniza a vida, a convivência, a sociedade.
Podemos supor, inclusive, que Tiago e João não buscassem diretamente um poder militar ou político, senão um tipo de autoridade e prestígio “espiritual”. Podemos também pensar que eles quisessem “mandar” na linha do bem, para ajudar os outros, como servidores do “Deus poderoso”. Mas Jesus não os distingue daqueles que mandam de forma pervertida. Não há para Ele um poder mau (próprio dos gentios) e outro bom (que seria próprio de seus discípulos).
Todo poder é, no fundo, violento e destruidor, toda imposição é má. Por isso, Jesus não quer melhorar o poder (convertê-lo), mas arrancá-lo pela raiz do coração dos seus seguidores. A comunidade cristã não precisa de poderes que a dominem, mas compreensão, misericórdia, respeito, tolerância...
Jesus não buscou o poder econômico do rico, nem o poder messiânico dos zebedeus, nem o poder sacerdotal do templo, porque o caminho do Reino que ele proclamou não leva à tomada do poder, senão à sua superação. Por isso responde: “entre vós, não deve ser assim...”
Jesus não veio fundar hierarquias entendidas em chave de honra e prioridade social ou espiritual, não veio melhorar a linha do poder, senão destruí-la; rejeita toda forma de poder que quer organizar o mundo e a sua comunidade a partir de cima. Dessa forma iniciou um movimento através de um “vazio de poder”. A partir disso entende-se o chamado ao seu seguimento, que implica uma inversão a respeito da ordem antiga: o poder (desejo de domínio) deve se transformar em gratuidade, gesto de amor desinteressado pelos outros.
Desta forma, Ele quer cimentar a vida de seus seguidores sobre Seu mesmo caminho de entrega, que é o caminho de Deus. O Deus de Jesus não atua por meio de poder. Por isso, seus seguidores devem renunciar ao poder e a imposição sobre os outros; eles devem se caracterizar por sua “qualidade” humana.
A nova atitude dos discípulos aparece, assim, como uma ampliação do gesto de Jesus que, sendo “Filho do Homem”, dá a vida pelos outros. Não veio para receber a majestade, a honra e o reino sobre os demais, senão que veio para dar sua vida pelos outros. Assim, seus discípulos não podem buscar tronos de poder, um à direita e outro à esquerda, senão ser capazes de servir aos outros.
Jesus inverteu a tendência dominante dos grupos sociais e religiosos que interpretam as estruturas de poder profano e religioso em forma sacral. Por isso, frente à manipulação messiânica dos filhos de Zebedeu, representantes de uma humanidade ansiosa de domínio religioso, estabeleceu aqui as bases de uma fraternidade onde não existe poder, senão servidor, exercido pelo “diakonos” (servidor libre).
A partir deste pano de fundo, o evangelho de hoje aparece como um manual de uma Igreja de servidores, onde a vida adquire seu mais profundo sentido, onde surgem relações novas, fundadas na gratui-dade, na compaixão, na acolhida...
Texto bíblico: Mc. 10,35-45
Na oração: “O melhor antídoto à sedução do poder é a espiritualidade. Não apenas no sentido religioso, mas sobretudo no que con-cerne ao aprofundamento subjetivo de valores éticos. Quem gosta de si mesmo não precisa mendigar o olhar alheio. Nem sempre prestamos atenção no preceito de Jesus: “Amar o próximo como a si mesmo.” Se não tenho boa autoestima, dificilmente saberei encarar o próximo com benevolência e compaixão.
Muitos caminhos conduzem a essa conquista interior. Para mim, a mais pedagógica é a meditação, esse silencioso exercício de deixar que Deus me habite para que eu possa abrir portas do coração e janelas da mente aos semelhantes e à natureza”. (Frei Betto).
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana
16.10.2012