“Os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz” (Lc 16,8)

 

Um dos piores vírus que ameaça e mina as forças de nossas comunidades cristãs é a falta de iniciativas, é a atitude de acomodar-se com o de sempre, seguir os caminhos trilhados da rotina e da repetição. Rebanho “dócil”, sujeito a manipulações legalistas, sem maiores pretensões e sem criatividade no anúncio da Boa Nova do Evangelho.

 

Enquanto “dormimos” em nossa apatia e acomodação, outros (a partir de seus interesses próprios ou de grupos) aguçam sua inteligência e afinam novas estratégias, saem pelos caminhos e fazem ouvir sua voz.

 

Os “filhos deste mundo” tem mais “iniciativas” e ideias que os chamados filhos da luz. Até parece que a luz nos faz adormecer e nos acomodamos em um modo “normótico” de viver. A parábola do evangelho deste domingo (25º Dom TC) não pretende se referir em absoluto à corrupção e ao roubo, mas ela está centrada numa questão radical: “Os filhos das trevas são mais astutos que os filhos da luz”.

 

Em cada um de nós convivem a luz e as trevas. A parábola parece conter uma profunda ironia, ao confrontar-nos conosco mesmos e perguntar-nos de que maneira procedemos nos assuntos que concernem às “trevas” (ego) e naqueles que potenciariam a luz que somos.

 

A experiência nos diz que, quando é nosso ego que toma iniciativa, ele ativa meios, recursos, táticas, estratagemas..., com a finalidade de sobressair vaidoso e assegurar sua sobrevivência (como faz o empregado da parábola, que representa, justamente, o nosso próprio ego e seu mundo de interesses).

 

O que ocorre com a luz que é a nossa verdadeira identidade? Quê fazemos com o melhor de nós mesmos? Se empregássemos tanta motivação e tantos meios para que nossa verdadeira identidade se manifestasse e deixasse sua marca, nosso mundo seria bem diferente.

 

Jesus, na parábola, não louva o mal administrador por sua péssima administração e roubos. O que Jesus quer destacar é sua “inteligência” e “esperteza” para garantir seu futuro, a astúcia com que atua para atrair a benevolência dos credores de seu amo.

 

E aqui começa a “operação futuro” daquele administrador. Astuto e vivo, ele, antes de apresentar o balanço final, consegue fazer reduções nas dívidas dos credores. Objetivo? Fazer “amigos” para que quando fosse despedido do trabalho pudesse ser socorrido por eles em momentos de penúria.

 

Estamos falando do astuto a serviço de si mesmo (quer que os devedores o ajudem...; está comprando a solidariedade e a colaboração deles). Certamente, este administrador inicia uma subversão, mas o faz em favor de si mesmo, dentro do grande “clube” daqueles que se aproveitam roubando dinheiro. Não lhe interessam os bens do amo (nem a vida dos pobres), mas sua própria subsistência, em um mundo de ladrões que se sustentam a si mesmos, roubando do grande capital para benefício próprio.

 

Assim como alguns usam sua inteligência e sua astúcia para causar morte (tráfico de drogas e construção de armas, máfias de tráfico de pessoas e de prostituição, corrupção na administração pública...), porque não podemos ativá-la para buscar caminhos de justiça, criar pontes de reconciliação, despoluir o ambiente hediondo que nos envolve?

 

Subitamente, o relato de hoje dá um salto e nos leva do administrador injusto (que atua astutamente  no interesse próprio) à exigência e possibilidade de converter o “dinheiro da iniquidade” (dinheiro que mata) em fonte de justiça e de amizade.

 

O dinheiro, enquanto mediação necessária, entra na categoria dos meios humanos a serviço de um fim. Trata-se de fazer com que ele seja transparente, na linha da fraternidade e do Reino, ou seja, converter o dinheiro naquilo que deve ser: um meio de “relação transparente entre pessoas”, um meio de justiça e solidariedade amorosa, para que o ser humano atinja a meta de sua vida.

 

O dinheiro, portanto, aparece como algo funcional, mas facilmente pode se converter em senhor e dono da vida. Por sua própria natureza, ele confere uma segurança e uma autossuficiência que nenhum outro objeto pode fornecer.

 

Jesus tinha consciência dos riscos e perigos de uma vida enredada no dinheiro. Ele sabia da força de sedução que a riqueza exerce e da capacidade que ela tem de obscurecer a percepção correta da realidade. Jesus expressa isso dizendo: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. Com estas palavras, Ele não só  desvela nossa tendência a divinizar o dinheiro, mas volta a insistir no dilema anterior: na prática, quê nos interessa mais, o dinheiro ou Deus? Quem, na verdade, ocupa o centro de nossa vida?

 

Entre as coisas que podem desordenar a pessoa, o dinheiro, sem dúvida, tem um poder de sedução todo especial. Ele revela o risco de gerar uma dinâmica de ganância, sem freio, que a pessoa não controla, endurecendo seu coração e conduzindo-a à presunção de autossuficiência, de se bastar a si mesma e de não precisar de mais ninguém.

 

Além disso, existem outras manifestações ligadas à ânsia de fazer do dinheiro o centro da vida: o desejo de prestígio, a ilusão de onipotência, de poder, de mando, o anseio de títulos, da aparência, de ciência, de status. E a vida não se ordena enquanto o fator dinheiro, desestabilizador por seu caráter “pegajoso”, não se situa no seu devido lugar.

 

De fato, o dinheiro, ao se tornar um fim em si mesmo, longe de pacificar, gera sempre novos temores, ansiedades e inseguranças: medo de perder o que foi conquistado, medo de que um rival consiga um bem cobiçado, ou ainda de ser superado na escala social, tornando vãos todos os esforços de uma vida...

 

Outro sentimento típico do avarento é a tristeza, ligada à frustração de não poder nunca encontrar algo que o satisfaça, fazendo-o sentir-se cada vez mais indigente. Torna-se tão pobre que só tem dinheiro.

 

Aquele que põe seu tesouro no dinheiro, põe ali o seu coração, seu interesse, sua força e sua afetividade. O dinheiro tem um tal poder de absorção, que ele se torna rival de Deus. Quando uma pessoa faz do dinheiro a orientação fundamental de sua vida, quando o dinheiro é seu único ponto de apoio na vida e sua única meta, então a relação com o Deus e com os outro se dilui.

 

A razão é bem simples. Porque o coração do indivíduo afeiçoado ao dinheiro se esfria e se petrifica, distanciando-se das pessoas. Tende a buscar somente seu próprio interesse, não pensa no sofrimento, não vê as necessidades nem as injustiças que os outros sofrem. O coração enredado pelo dinheiro corre o risco de matar o espírito solidário, pois já não há mais lugar para o amor desinteressado, nem para a fraternidade. Só vive para acumular coisas e para fazer dos outros seus dependentes. E, por isso mesmo, nele não há lugar para o Deus que é Pai de todos. Assim, não pode acolher a Aquele que é Amor, Gratuidade.

 

A verdadeira riqueza, que de fato nos pertence, é aquela que recebemos ao partilhar o melhor que há em nós mesmos, tornando-nos assim participantes da generosidade abundante de Deus.

 

Texto bíblico:  Lc 16,1-13

 

Na oração: A quem sirvo? Quem é o “senhor” Que comanda o meu coração? Deus pôs em minhas mãos tantos dons, tantas possibilidades... E quê estou eu fazendo com tanta “riqueza” que o Senhor me confiou?

Sou um administrador fiel e solícito, ou vou desperdiçando pela vida os “bens” (talentos e oportunidades) que o Senhor me deu e continua me cumulando?

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

Itaici-SP