“Quem não é contra nós é a nosso favor” (Mc. 9,40)

26º Dom. Tempo Comum

 

 

Vivemos mergulhados em um mundo diversificado, fragmentado, complexo e frágil, cheio de agudas necessidades. Ferem a nossa sensibilidade a extensa e profunda pobreza, a iniqüidade na exploração dos recursos da terra, a exclusão das “massas sobrantes” do centro da sociedade, o desprezo pelas diferenças étnicas e religiosas, a exclusão avassaladora...

 

A espiritualidade cristã nos diz que este mundo é digno de ser amado, porque nele Deus continua trabalhando; é também em meio às situações tão diferentes que Ele revela seu rosto e se deixa encontrar. Descobrimos Suas pegadas em todas as partes, pois o Espírito de Cristo está ativo em todos os lugares, pessoas, situações e em todas as atividades e mediações que buscam fazê-lo mais presente no mundo.

 

Com sua presença e ternura, Jesus, no Evangelho de hoje, quebra as atitudes preconceituosas que delimitam friamente os espaços e alimentam proibições que impedem a manifestação da vida. Para Ele, toda pessoa que favorece a vida, em qualquer situação, é um “aliado”, está “a nosso favor”. Ou seja, do Reino não se exclui ninguém; todos estão convidados. Todo aquele que sinceramente busca o bem e se compromete com a vida está a favor do Reino.

 

Jesus reprime a postura sectária, preconceituosa e excludente de seus discípulos, e adota uma atitude aberta e inclusiva, onde o mais importante é libertar o ser humano de tudo o que lhe oprime. O estreitamento de mentalidade discípulo João colide com a abertura do coração de Jesus.

 

Para o Mestre, o que conta é o bem que se faz.  Jamais uma simples pertença grupal, uma simples afinidade ou mesmo proximidades culturais e cultuais, podem substituir o bem que se deve praticar. Conta o bem que só pode ser feito em nome de Deus; só Ele é a fonte única do bem. A força do bem é a condição única para alargar o horizonte e superar toda atitude preconceituosa estreita.

E o bem se torna valor absoluto, definindo a condição do verdadeiro discipulado.

 

Esta missão de buscar perceber a presença e a ação de Deus em todas as pessoas e circunstâncias nos coloca no centro de uma tensão, que nos impulsiona, ao mesmo tempo, para Deus e para o mundo. Podemos assim estar sempre enraizados firmemente em Deus e, ao mesmo tempo, imersos no coração do mundo. Somos chamados a estabelecer uma cultura de diálogo em um mundo rico, diverso e polifacético.

 

E para tornar este mundo mais justo e humano, é preciso considerá-lo como um todo unificado, onde todos dependem uns dos outro, independente de raça, sexo, religião, pensamento diferente... Impulsionados pelo mesmo Espírito de Jesus, guiados pelos valores do Evangelho, marcados pelos valores universais de respeito, dignidade, solidariedade e participação, nos preparamos para aprender do Senhor e uns dos outros, como trabalhar melhor como uma rede de comunidades, reforçar mais nossa aliança com a Criação e amar o mundo como fez o próprio Jesus.

Num mundo plurireligioso e pluricultural as novas fronteiras estão em todas as partes (não mais geográficas); somos chamados a construir pontes entre os que vivem de um lado e outro da fronteira. Mais ainda, que cheguemos a ser pontes em um mundo fragmentado, cheio de brechas... que isolam as pessoas e os grupos sociais e religiosos; estabelecer pontes de diálogo e reconciliação que permitam criar uma nova forma de convivência respeitosa, justa, harmônica e construtiva.

Todos sabemos que há um monstro que habita as profundezas de nosso ser, devorando-nos continuamente e expelindo seu veneno mortal: trata-se do preconceito. Ele constitui o risco permanente em nossa vida, pois limita a realidade, estreita o coração, inibe o olhar e nos faz incapazes de acolher o bem e a verdade presentes no outro. O mal que o preconceituoso faz a si mesmo e aos outros é enorme.

 

Marcado pela impaciência e desprovido do espírito de leveza, o preconceituoso é incapaz de relativizar os problemas, atrofia seu desenvolvimento criativo, aniquila seus sonhos e esfria seus relacionamentos. Vive o tempo todo petrificado em suas velhas e deformadas opiniões sobre tudo e sobre todos. Seu autoritarismo o leva a julgar os outros o tempo todo, vendo inimigos e concorrentes por todos os lados e acaba numa extrema solidão.

 

Geralmente, os preconceituosos são dogmáticos e fervorosos, muitos deles tornam-se fundamentalistas, com hostilidade e intolerância religiosa. Cegos para a verdade, eles preferem o autoengano ao conhecimento da verdade também presente no outro; fincam pé naquilo que pensam que sabem, no que está estabelecido e normatizado; não se atualizam, não conseguem ver o novo e a necessidade de mudanças.

 

Ao tornarem absoluta uma verdade, os preconceituosos se condenam à intolerância e passam a não reconhecer e a respeitar a verdade e o bem presentes no outro. Não suportam a coexistência das diferenças, a pluralidade de opiniões e posições, crenças e ideias. Daí surgem o conservadorismo radical, o medo à mudança, a violência diante da crítica, a suspeita, a vigilância, o controle autoritário...

 

A inflexibilidade da alma preconceituosa está ligada ao orgulho; ela tem aquela postura de que tudo sabe e tudo controla, carecendo da humildade de “saber que não sabe”. Não tem senso de igualdade e semelhança, e muito menos de compaixão. Aliada à ignorância, não admite que possa mudar de opinião, pois aferra-se a seus caprichos como um náufrago à tábua que o mantém à tona. Vive enraizada nas tradições e nas leis, quase sempre antiquadas e ultrapassadas.

 

Enfim, o preconceito impede a pessoa de viver, de se abrir ao mundo, de ser espontâneo e de viver mais intensamente.

 

Mc. 9,38-50: Ingenuamente João, o discípulo amado, revela, diante do Mestre, sua atitude preconceituosa ao proibir um homem de expulsar demônios em Seu nome. De acordo com esta visão míope, o critério já não é o bem que a pessoa faz, mas “porque não nos segue”. Não lhe preocupa a saúde e a vida das pessoas, mas o prestígio de grupo. Pretende monopolizar a ação salvadora de Jesus.

 

O Mestre revela o simples e, aparentemente, tão insignificante ato de oferta de um copo d’água como remédio que cura a rigidez do preconceito e vence a incapacidade de perceber a ternura acolhedora de cada gesto e sua importância na construção da vida e na recriação da dignidade humana. Vale um copo d’água que se dá. Vale pela importância sempre primeira do outro, não importa quem seja, fazendo valer o princípio norteador do coração amoroso de Deus. Há uma infinidade de pessoas de boa vontade que trabalham por uma humanidade mais digna, mais justa e livre. Nelas está atuando o Espírito de Jesus. Devemos senti-los como amigos e aliados, nunca como adversários. O seguidor de Jesus deve ser sempre fermento de unidade e nunca causa de discórdia e exclusão.

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana

25.09.2012