“Quê buscais?” (Jo 1,38)
O Evangelho de hoje marca o início da atividade pública de Jesus: um relato de busca e de seguimento. Dois discípulos, que escutaram o Batista, começam a seguir o Mestre de Nazaré, sem dizer palavra alguma. Há algo n’Ele que os atrai, embora ainda não sabem quem Ele é nem para onde os leva. No entanto, para seguir a Jesus não basta escutar o que os outros dizem dele. É necessária uma experiência pessoal.
Por isso, Jesus se volta e lhes faz uma pergunta muito instigante: “quê buscais?”. Estas são as primeiras palavras de Jesus àqueles que o seguem. Não se pode caminhar atrás de seus passos de qualquer maneira.
Aqueles homens não sabem aonde os pode levar a aventura de seguir a Jesus, mas intuem que pode ensinar-lhes algo que ainda não conhecem; por isso, sua resposta é outra pergunta sábia: “Mestre, onde moras?”
Não buscam n’Ele grandes doutrinas nem sábias filosofias. Querem que lhes mostre onde vive, como vive e para quê vive. Desejam que lhes ensine a viver. A resposta de Jesus é a de um verdadeiro mestre: “Vinde e vede”. Experimentai-o vós mesmos, percorrei meu caminho, caminhai por ele... Não lhes dá explicações ou uma exortação, nem lhes impõe condições, nem exige deles algum tipo de submissão.
Jesus lhes dirige uma pergunta que os remete ao centro de seu coração, àquilo que os move: “quê estais buscando?” Sua pedagogia é a da pergunta que desvela, pois move a pessoa a entrar dentro de si e encontrar-se com a fonte que mana e corre. Com seu modo original de perguntar, Jesus abre um horizonte novo de vida àqueles dois discípulos. Pouco a pouco, Ele vai libertando-os de enganos, medos e dúvidas que atrofiavam e bloqueavam suas vidas.
“O Evangelho é um itinerário para abrir com profundidade a interioridade humana” (Rovira Belloso), e nele vemos como Jesus promove o retorno ao interior;
A pergunta nos retira da cotidianidade e da mediocridade e nos põe no movimento de busca do novo.
Somos filhos da pergunta provocada pelo mistério da vida, das coisas, de Deus, de si mesmo... Perguntar quer dizer não estar pronto, não viver em porto seguro, mas em contínua peregrinação. Só quando acolhemos as perguntas provocativas é que emergimos da cotidianidade e percebemos quão inacabada é nossa existência e quanto temos ainda de caminhar na realização de nossa missão.
Quando a pergunta ressoa em nós, aí é que descobrimos nossa mais autêntica forma de ser, nossa originalidade, nossa identidade...; ela provoca as mudanças e a transformação torna-se possível. A pergunta nos arranca da surdez e nos faz escutar aquilo que o barulho cotidiano abafa e esconde; ela nos desperta e nos faz sair da ilusão de que não há mais nada de novo para aprender e ser, nem há mais o que perguntar.
Toda pergunta ativa o “ser buscador” que nos habita. O ser humano pode ser definido como buscador; a busca é inevitável e é aquela que dá sentido à nossa existência. Em um primeiro momento, na origem da busca, podemos detectar uma insatisfação: cremos que algo nos falta, porque nos sentimos insatisfeitos. E nos lançamos em sua busca.
Geralmente, os primeiros passos nos impulsionam para fora, em busca de “objetos” – bens, posses, afetos, prestígio, poder, prazer… - que nosso eu reclama. Imaginamos que, fora de nós, deve haver “algo” que nos sacie e nos permita descansar numa sensação de plenitude. No entanto, não demoramos em experimentar que, em lugar do sonhado descanso, o que começamos a armazenar é frustração crescente: a busca não nos traz nada estável e pleno.
A busca deve orientar-nos para o interior: a Fonte que saciará nossa sede brota no mais profundo de nosso ser. Por isso, é necessário que aprendamos a escutar nosso “mestre interior”. Na realidade, o que andamos buscando é o nosso “eu verdadeiro” , o “eu profundo”, a “identidade original”. Nesse sentido, só o que nos faz mais humanos, e na medida em que nos faça mais humanos, plenificará nossa existência.
A expressão de Pascal de que “o ser humano supera infinitamente o ser humano” resume bem esta vivência da busca que nos habita, nos move e nos faz transbordar em nossa mesma intimidade. Podemos entrar dentro de nós mesmos porque em nós está a dimensão de eternidade, a dimensão “divina” que nos situa acima do vai-e-vém das coisas, acima do tempo e da contingência...
A pergunta de Jesus – “quê estais buscando” – suscita nos dois discípulos outra pergunta: - “Mestre, onde moras?”. Eles não lhe pedem uma nova doutrina nem esperam respostas teóricas. O que querem é entrar no “território” onde Jesus vive e poder também eles transitar por aí.
Trata-se do território perdido que todos andamos buscando: a verdade de quem somos nós. Esta nossa busca começa no retorno ao interior, onde o Senhor nos habita e nos move. Podemos então afirmar que a busca de Deus e o encontro com ele, a partir de Sua iniciativa, coincidem com a busca e o encontro de si mesmo, de modo que buscar a Deus é buscar-se a si mesmo, na própria interioridade.
Todo o resto são “mapas”, explicações, crenças, informações, opiniões... Mapas que talvez tenham sido úteis durante algum tempo, mas que não podem saciar nosso desejo. Ninguém pode ficar satisfeito porque possui muitos mapas. A busca não se deterá até que não pisemos o território do coração. Ninguém nos pode ensinar isso a partir de fora; o máximo que pode fazer é nos oferecer “mapas”, dar ânimo, sustentar-nos e acompanhar-nos, mas é cada qual deve fazer seu caminho.
Não é comum prestar atenção ao que acontece no território interior. São grandes os riscos de se viver em horizontes tão estreitos. Tal estreiteza aprisiona a solidariedade e dá margem à indiferença, à insensibilidade social, à falta de compromisso com as mudanças que se fazem urgentes. O próprio território se torna uma couraça e o sentido do serviço some do horizonte inspirador de tudo aquilo que se faz.
Ampliar os espaços do coração implica agilidade, flexibilidade, criatividade, solidariedade e abertura às mudanças e às novas descobertas. Algumas fortalezas e seguranças pessoais caem quando os “espaços interiores”, abrasados e iluminados pela força do Espírito, começam a romper as paredes e se encarnam em “lugares exteriores”, marcados pela beleza e encantamento.
Não tem sentido transitar pelos “territórios” por onde Jesus transita se nossa mente permanece estreita, se nosso coração continua insensível, se nossas mãos estão atrofiadas, se nossa criatividade sente-se bloqueada... Ampliar os espaços interiores é convite a sonhar alto, a pensar grande, a aventurar-se... ousar ir além, lançar por terra nosso modo arcaico de proceder, romper com os espaços rotineiros e cansativos.
Texto bíblico: Jo 1,35-42
Na oração: a pergunta de Jesus continua ressoando no interior de cada um de nós: Porquê o seguimos? Quê buscamos?
Quem se põe a caminho atrás d’Ele, começa a viver com mais verdade e generosidade, com mais sentido e esperança; tem a sensação de que começa, finalmente, a viver a vida a partir de sua raiz, com mais inspiração e criatividade. Tal experiência é expansiva, pois o faz mais humano e o move a despertar a humanidade travada no outro. Tudo começa a ser diferente.
Na Igreja e fora dela são muitos os que vivem hoje perdidos no labirinto da vida, sem caminhos e sem orientação. Alguns começam a sentir com força a necessidade de aprender a viver de maneira diferente, mais humana, mais sadia e mais digna.
Encontrar-se com Jesus pode ser para eles a grande notícia.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI