A Igreja Católica celebra, neste primeiro dia de novembro, a festa de “Todos os Santos e Santas”; esta é a festa de todos os(as) amigos(as) de Deus, mulheres e homens que nos precederam e que deixaram sua “marca” na vida de tantas pessoas, melhorando uma parte do mundo. Damos graças a eles e elas por terem sido portadores da vida de Deus: de sua herança herdamos, com sua voz cantamos, de sua presença inspiradora nos alimentamos, de sua vida recebemos Vida, com Aquele que é o Deus dos Vivos.

 

Na celebração deste dia não temos de pensar somente nos “santos e santas” canonizados(as), nem naqueles que viveram virtudes heróicas, mas em todos os homens e mulheres que descobriram a marca do divino neles(as), e sentiram-se impulsionados a viver com intensa humanidade. Os(as) santos(as) foram e são humanos por excelência. E a plenitude do humano só se alcança no divino, que já está presente em todos nós. Não se trata de celebrar os méritos de pessoas extraordinárias, mas de reconhecer a presença de Deus, que é o único Santo, em cada um de nós.

 

Nesse sentido, ao invés de dizer “todos os santos e santas”, estabelecendo uma diferença entre os seres humanos, podemos afirmar “Todos santos!”. Para Deus não há diferença alguma, porque na Sua Santidade Ele nos ama a todos igualmente. Assim, no chamado à santidade, aspiramos somente a ser cada dia mais humanos, ativando o amor que Deus derramou em nosso ser.

 

Na vida de um(a) santo(a), mais que contemplá-lo(a) na sua glória, é bom considerar sua caminhada para a santidade: é o Espírito do Senhor que o(a) conduz.

 

Um(a) santo(a) é a “irrupção” original e única do Espírito de Deus. Uma maravilha sem comparação que invade a história e permite que seja dito o Indizível e experimentado o Transcendente. A presença de um(a) santo(a) ultrapassa nossa estatura. Algo  “maior” se levanta, seduzindo-nos, atraindo-nos e surpreendendo-nos. Uma referência se apresenta à consciência das pessoas e das comunidades.

 

Os(as) santos(as) são personagens de limiar, de fronteira...; eles vislumbram o novo, a outra margem... são pessoas de atitude “excêntrica”: é sempre o Outro quem os conduz. O heroísmo deles é “deixar-se conduzir”, deixar que se manifeste a força divina ali onde é maior e mais evidente a fraqueza.

 

“Sejam santos, porque eu sou SANTO” (Lev. 11,45) Esta é a vocação fundamental à qual somos todos chamados, enquanto seguidores de Jesus Cristo. Ser santo(a)  é ser dócil para “deixar-nos conduzir” pelos impulsos de Deus, por onde muitas vezes não sabemos e não entendemos. Seus caminhos não são os nossos caminhos.

 

Este “deixar-se levar” pela mão providente de Deus é uma ousadia. Na vida espiritual a liberdade tem que ser ousada, mas a maior ousadia é “deixar-se levar”.

 

Ser santo(a)  é “arriscar-se” em Deus. É privar-se das humanas certezas em nome da Sua Verdade. É excluir-se das seguranças e estabilidades do mundo. Por isso a santidade é surda aos critérios do mundo, ao cálculo utilitarista...; não sucumbe às idolatrias do progresso a qualquer custo, da eficiência, da produtividade... Ela navega no oceano da gratuidade, da compaixão, da solidariedade...O modo de proceder do(a) santo(a) no mundo é imagem fiel do modo de proceder do próprio Deus, que é princípio e garantia da Verdade, do Bem, da Justiça, da Misericórdia, da Compaixão...

 

Ser santo(a)  é ter a audácia de reinventar o humano; é resgatar a paixão por um ideal irrecusável; paixão rebelde e inquieta diante dos fatos; paixão pela vitória da esperança; paixão pelo sonho de melhorar a si mesmo e o mundo; paixão pelo futuro; enfim, ser  santo(a) é ter capacidade ilimitada de paixão.

 

O seguimento de Jesus pede uma nova forma de santidade: a santidade da vida comum, da resposta à Providência divina em meio às rotinas do tempo, uma caridade tecida nos pequenos gestos... Surge, então, a imagem de um(a) santo(a) que é filho(a) do momento e da situação presente, cujo agir se processa no mundo em que está encarnado. O santo é aquele que, na “loucura santa”, revela uma pulsão de vida para com o mundo; é um biófilo (amigo da vida); é um cooperador, agindo sob o primado da escuta da Palavra de Deus dita na e pela situação cotidiana.

 

Não é o trivial ou o excepcional que distingue a santidade do ato: o que importa é sua sintonia à Vontade de Deus expressa na situação concreta. O importante é verificar qual é a intenção, qual é a motivação que está por detrás de cada ato, de cada atividade: para quê? para quem?...

 

Deus colocou no coração de cada pessoa a busca da santidade. Uma busca que se experimenta como impulso vital, sopro do Espírito, aqui e agora, nas circunstâncias concretas da vida.

 

Nesse sentido, santos e santas são os portadores de vida, homens e mulheres que buscam viver intensamente; que acolhem a vida e a expandem, que bebem do prazer da vida e que ajudam os outros também a beberem, sabendo que a vida é dom, presente que compartilhamos, todos, no mundo. São pessoas em cujo entorno se desatam correntes de vida, esperança, alegria de viver, reconciliação e amor.

“Os(as) santos(as), como os poetas, vivem de encantamentos…” encantados com a vida, com a beleza, com a verdade...

 

Perguntaram a uma criança de 7 anos quem eram os santos. Ela deu uma resposta magistral: “Um santo é quem deixa passar a luz”. Sem dúvida, em sua imaginação estavam presentes os vitrais da Igreja onde sua mãe a levava. É evidente, os(as) santos (santas) deixam passar a luz de Deus para nós. Essa transparência é sua santidade.

 

Os(as) santos(as) são pessoas humanas que nos mostram o que se pode atingir quando nos abrimos à luz de Deus, à maravilhosa “influência divina”, à potencialidade de seu Reino.

 

Santidade é dizer sim à vida. Experimentamos isso quando nos submergimos na vida, quando crescemos nela, buscando, saboreando até o final o que ela nos oferece em cada circunstância. Nunca alheios à vida, nada desprezando, nada lamentando. Esta concepção da Santidade desvela um modo de viver que nos converte em irmãos(ãs) das pessoas, da Criação e filhos(as) de Deus.

 

A santidade não é um programa. É uma experiência de vida, um modo de estar no mundo a partir da confiança numa promessa. Enraizado na fé-confiança na pessoa e promessa de Jesus, o chamado à santidade propõe um estilo próprio de vida aberta e expansiva: uma maneira alegre, pacífica, compassiva, responsável e generosa de se fazer presente neste mundo onde são centrais o cuidado de todo o vivente e o trabalho em favor da justiça.

 

Convida-nos a transformar o que, com frequência, é terra hostil ou deserto inóspito em um mundo mais humano e em um lar habitável.

 

Texto bíblico:   Mt 5,1-11  

 

Na oração: As bem-aventuranças não são leis para simplesmente evitar o mal, mas o potencial divino que, criativamente, estende a todos os lugares a Bondade e a Beleza. Expressam de modo conciso e explícito o coração mesmo de Jesus e seu desejo ardente de contagiar a todos os que se encontravam com Ele.

 

Nas Bem-aventuranças Jesus proclama que o verdadeiro segredo para uma humanidade totalmente recriada é a força do amor e da misericórdia, cimentadas no comum denominador da humildade. Aqueles(as) que percorrem o caminho de sua vida guiados pelo espírito das bem-aventuranças são os(as) santos(as).

- Como ser presença visível das Bem-aventuranças no seu cotidiano?

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI