“E vós, quem dizeis que eu sou?” (Lc. 9,20)

12º Dom. Tempo Comum

 

 

Jesus, ao longo do percurso de sua vida pública, revela-se como uma “presença instigante”, ou seja, com suas “perguntas” ajuda cada pessoa a des-velar e aprofundar sua vivência no seguimento, a descrever seus “estados de ânimo”, a vislumbrar o sentido daquilo que estão buscando...

 

A originalidade da presença de Jesus não consiste em comunicar uma doutrina, uma teologia, uma moral... nem oferecer “respostas prontas”, mas em ser “provocador” das grandes questões existenciais e desafiadoras dirigidas a cada um, possibilitando-o acesso às reservas interiores de criatividade e imaginação.

 

Mais ainda: a presença “pro-vocativa” de Jesus reacende no discípulo este atributo tão humano, que é a capacidade de questionar-se para buscar um sentido para a própria existência. As perguntas feitas pelo próprio Jesus  colocam o seu seguidor em  contínua busca, sintetizada na expressão “buscar e encontrar a Vontade de Deus”. São perguntas que o abrem para o futuro, para o novo, para uma decisão...

A pergunta é movimento, é vida... e suscita resposta viva, criativa, surpreendente... e inesgotável. De fato, habitamos nas perguntas. Viver à escuta das interrogações nos mantém despertos no caminho. São as perguntas que suscitam em nós o assombro frente à realidade interior e à riqueza da realidade exterior, exigindo-nos assim viver continuamente numa atitude de escuta. Com as perguntas fazemos história, e a história é abertura para a aventura. “Perguntar é aventurar-se”.

 

A pergunta nos faz descobrir a grandeza no pequeno e o mistério naquilo que é óbvio; ela nos faz ficar admirados pela percepção do extraordinário presente naquilo que é cotidiano. A mediocridade das respostas formatadas paralisam e fecham as portas às novas possibilidades. As perguntas, ao contrário, são o fio de ouro em meio ao cascalho que mobilizam o garimpeiro a buscar sem cansar. As respostas cortam o movimento, atrofiam a curiosidade, matam a criatividade e o espírito de aventura; elas impedem a mobilização dos recursos interiores da pessoa na construção de seu projeto de vida, levando-a à apatia e à acomodação.

 

Questionar-se é provocar a interioridade e descobrir-se na interioridade. Questionar-se é ser profundo, é tocar a intimidade mais sagrada de si mesmo, é captar a efervescência criativa da existência. Por isso, questionar-se é reconhecer-se como pessoa profunda e não superficial; inquietar-se é sair do imobilismo tradicional para assumir o potencial humano criativo.

 

Questionar-se é um gesto ousado para despertar o sentido da vida pessoal, para buscar um objetivo mais sério, é ser mais humano. Quando a pessoa não se questiona, é porque prefere o desânimo, a acomodação. O ser humano deve perguntar-se sempre a respeito da vida, da missão, do futuro,... Por isso, interrogar-se é possuir sabedoria, ciência, arte, ética. Perguntar-se também é um fenômeno inteligente para reativar as decisões pessoais.

 

É das profundezas de nossas entranhas que nascem as “perguntas” existenciais mais decisivas e inquieta-doras: Quê devo fazer? Quê estado de vida assumir? Quê opções concretas viver? Quais valores internalizar?... Em nosso contexto atual, somos constantemente empurrados para fora de nosso ser mais interior, e incentivados a procurar “respostas” em vez de ouvir as “perguntas”. Não fomos educados a elaborar perguntas, mas quase que somente a conservar respostas. Introjetamos respostas de perguntas que não foram feitas.

 

Muitas vezes procuramos, sem descanso, por respostas, indo de porta a porta, de livro a livro ou de mestre a mestre, sem termos escutado com cuidado e atenção as “perguntas” do interior. “A tarefa do sábio é enredar-se em perguntas, desvencilhar-se de respostas”  (Nilton Bonder)

 

É lógico que as respostas são essenciais na vida, mas elas podem bloquear a capacidade criativa e o dinamismo da vida de cada um, fechando-nos num ciclo enfadonho de rotinas e ritualismos. Quantas vezes nos surpreendemos fazendo perguntas existenciais para nós mesmos: quem somos? Para onde vamos? Tem sentido o que fazemos?...

 

Nós nos aproximamos da verdade graças às nossas perguntas. As perguntas são, às vezes, mais importantes que as respostas, porque as respostas passam. E o que em um dado momento é uma boa resposta, pode não ser depois. É a pergunta que permanece. E a pergunta é esta fome de verdade que nos faz escavar por dentro. Uma pergunta é como uma ferramenta que nos permite escavar nosso poço interior. E cada golpe nos aproxima da fonte. Cada questão profunda nos aproxima da resposta. A resposta é a vida, é a fonte que jorra do fundo do poço.

 

Se nossas questões, nossos problemas, nossas perguntas existenciais não são testados e amadurecidos na oração e na solidão silenciosa, não é realista esperar por respostas verdadeiramente nossas. Quantas pessoas podem dizer que suas decisões são realmente suas! Afirma o poeta Rilke: “Quero pedir-lhe ao máximo... para que seja paciente com tudo o que não está resolvido em seu coração e que tente amar as perguntas por si mesmas... Não busque respostas que não lhe podem ser dadas agora, pois não seria capaz de vivê-las”.

 

A Pedagogia de Jesus, portanto, se constitui numa atividade interrogante, que muitas vezes incomoda nossos “hábitos normóticos” de viver a vida cristã.  Sua pedagogia nos coloca diante do mistério das coisas, das pessoas, dos fatos, da criação... Por isso, em toda resposta, por mais objetiva que seja, ainda resta o inexplicável. Em toda clareza persistem as sombras, em toda convicção permanece uma dúvida.

 

 

O caminho de Jesus é um caminho de perguntas, um convite a situar-se como discípulo e  caminhar com o coração aberto a novas perguntas. A resposta à pergunta de Jesus (“e vós, quem dizeis que eu sou?”) implica a adesão à pessoa d’Ele e ao seu projeto, o Reino; significa fazer o caminho com Ele, colocar-se onde sempre se colocou, na margem, na periferia... Isso acarreta oposição, perseguição, cruz. Tomar a Cruz significa prontidão, estar preparado...

 

A pergunta de Jesus – que Lucas apresenta em um contexto de oração – é uma pergunta expansiva e nos afeta a todos nós, seguidores d’Ele: É uma pergunta onde não valem respostas secas (“um profeta”) nem respostas aprendidas (teologicamente corretas), porque remetem à vivência pessoal e única de cada um. Quem é Jesus para mim? Pergunta instigante que nos ajuda a captar a originalidade de Sua vida, a escutar a novidade de Seu chamado, a deixar-nos atrair pelo Seu projeto, contagiar-nos por Sua liberdade, empenharmos por viver seu caminho.

 

Cada um de nós deve se colocar diante de Jesus, deixar-se olhar diretamente por Ele e escutar, a partir do mais profundo de si mesmo, Sua pergunta: “Quem sou Eu realmente para você?” A esta pergunta responde-se mais com a vida que com palavras sublimes.

 

Texto bíblico:  Lc. 9,18-24

 

Na oração: Dá-nos cada dia, uma pergunta que nos  escave e que nos aproxime de Ti! De Ti que és a Fonte, o Pai de nossa inteligência, de Ti que colocaste em nós este desejo de verdade.

 

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana – CEI

19.06.2013