“Dou-vos um novo mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo. 13,34)
No evangelho deste domingo Jesus nos coloca diante da realidade mais profunda de sua mensagem e, ao mesmo tempo a realidade que nos faz mais humanos: a vivência do amor. A forma como Ele se expressa é clara e simples: frente aos inumeráveis mandamentos rabínicos, frente ao Decálogo de Moisés, suas palavras soam taxativas: “Eu vos dou um novo mandamento”.
Só há um mandamento, não há outro: amar aos outros, não de qualquer maneira, mas como Jesus nos amou. Ou seja, manifestar esse amor que é Deus, em nossas relações com os outros. Jesus nos deixa a marca de identidade que nos distingue como cristãos. É o mandamento novo, em oposição ao mandamento antigo, a Lei. Jesus não manda amar a Deus nem amar a Ele, mas amar como Deus e como Ele ama.
No texto se fala de “mandamento”, como querendo destacar a importância daquilo que aí se anuncia. Não se trata de um “conselho” nem de uma “recomendação”, mas de um "modo divino de proceder". E se diz que é “mandamento novo”, provavelmente um eco daquilo que os próprios discípulos perceberam como “novidade” no modo de viver do Mestre, na gratuidade e na incondicionalidade de seu amor.
Jesus é sábio: Ele não quer templos para manifestar esplendorosas adorações, nem estruturas para oficiar ritualismos, nem orações exteriores ostentosas, nem esmolas caras à vaidade... Temos insistido demasiado no acidental: no cumprimento de normas, na crença de algumas verdades e na celebração de alguns ritos, mais que no essencial que é o amor.
O Reino não se espalha por meio de armas, nem com a propaganda e nem com marketing algum; o Reino se espalha pelo contágio, porque o “Amor é contagioso”. O mandamento do amor continua sendo tão novo que ainda não foi vivido na sua radicalidade. Não se trata só de algo importante; trata-se do essencial. Sem amor, não há vida cristã.
Naturalmente não se pode impor o amor por decreto. O principal erro que continuamos cometendo é apresentar o amor como um preceito. Todos os esforços que façamos por cumprir um “mandamento” de amor estão fadados ao fracasso. O empenho está em descobrir que Deus é amor dentro de nós.
Na realidade não se trata de uma lei, mas de uma resposta ao que Deus é em cada um de nós, e que em Jesus se manifestou de maneira contundente. Nosso amor será “um amor que responde a seu amor”. O amor que Jesus nos pede tem de surgir a partir de dentro, não impor-se a partir de fora como uma obrigação. Trata-se de manifestar o que é Deus no fundo de nosso ser, através das obras. Por isso, não é um mandato heterônomo, vindo de fora, como uma imposição arbitrária. Trata-se, pelo contrário, de um convite a viver o que somos, conectados com o Mistério amoroso “d’Aquele que é”. Isso será possível, não tanto através de um voluntarismo moral, quanto graças à compreensão daquilo que somos. Na medida em que vamos conhecendo e vivendo o que somos, o amor abre caminho.
Jesus não propõe como primeiro mandamento o amar a Deus. Deus é dom total e não pede nada em troca. Não precisa nada de nós, nem nós podemos lhe dar nada. Deus é puro dom, amor total. Trata-se de descobrir em nós esse dom incondicional de Deus, que através de nós deve chegar a todos.
Não se trata de um amor humano mais ou menos perfeito. Trata-se de entrar na dinâmica do Amor de Deus. Isto é impossível se primeiro não experimentamos esse amor. Tudo parte do amor do Pai, que se manifestou em Jesus e que agora circulará através dos discípulos. Trata-se do mesmo e único Amor, que constitui o segredo último do Criador. O que se pede aos discípulos é que permitam que esse Amor, primeiro e originante, se expresse e seja vivido através deles.
Antes de dizer, antes de pedir, Jesus viveu até o limite a capacidade de amar, até amar como Deus ama: “como eu vos amei”. Mas essa expressão não é comparativa, mas originante e “causal”: porque eu vos amei. Ou seja, que devem amar-se por eu os amei, e tanto como eu vos amei. A tradução mais justa poderia ser esta: “Com o mesmo amor com que eu vos amei, amai-vos também uns aos outros” (Leon-Dufour). Esta é a marca da identidade dos seguidores de Jesus, a característica mais importante da vida cristã.
João emprega neste relato a palavra ágape que expressa o amor sem mistura de interesse pessoal; seria o puro dom de si mesmo, só possível em Deus. A expressão “agapate” (“que vos ameis”) faz referência ao amor que é Deus, ou seja, ao grau mais elevado do dom de si mesmo. Não está falando de amor de amizade ou de uma ‘caridade’. O amor de Deus é a realidade primeira e fundante.
Ágape é o amor divino. Esse amor é o mais raro, o mais precioso, o mais milagroso. Seria como que uma renúncia à centralidade do ego, ao poder, à força... Assim como Deus, que se “esvaziou de sua divindade”, o ágape se esvazia de si mesmo para dar mais lugar, para não invadir, para deixar ao outro um pouco mais de espaço, de liberdade...
É a doçura, a delicadeza de se afirmar menos, a autolimitação de seu poder, o esquecimento de si, o sacrifício de seu prazer, de seu bem-estar ou de seus interesses... Estas são algumas características do ágape cristão: é um amor espontâneo e gratuito, sem motivo, sem interesse, até mesmo sem justificação... o puro amor.
“O ágape é um amor criador. O amor divino não se dirige ao que já é em si digno de amor; ao contrário, ele toma como objeto o que não tem nenhum valor em si e lhe dá um valor. O ágape não constata valores, cria-os. Ele ama e, com isso, confere valor. O homem amado por Deus não tem nenhum valor em si; o que lhe dá valor é o fato de Deus amá-lo. O ágape é um princípio criador de valor” (Nygren).
Descobrir essa realidade e vivê-la é o distintivo do seguidor de Jesus. E é essa qualidade do amor o sinal decisivo pelo qual os discípulos de Jesus deverão ser reconhecidos. Os seguidores dos fariseus eram reconhecidos pelas “filaterias” que usavam; os de João Batista, por batizar, os de Jesus, unicamente pelo amor.
O distintivo do cristão é o amor fraterno. E o amor é discreto, humilde, conhecedor de sua insuficiência, não é arrogante, não se derrama em palavras, não faz alarde, não vai se proclamando pelas praças, prefere o silêncio, passa desapercebido, prefere as obras às palavras (“o amor deve-se por mais em obras que em palavras” – Santo Inácio).
O amor ágape é expansivo: nos alarga através dos nossos membros, mãos e pés. Podemos dizer que o amor tem coração, mãos e pés: coração cheio de compaixão e ternura, mãos que cuidam, curam, abençoam... e pés que nos arrancam de nossos lugares estreitos e nos deslocam para as margens, os pobres... Desse modo, o mandato do amor remete à Fonte que o possibilita, ao Amor originante que tece a unidade de tudo que É e Somos.
“Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros”. O amor que Jesus pede não é uma teoria, nem uma doutrina. Ele se manifesta na vida, em todos e em cada um dos aspectos da nossa existência.
A nova comunidade dos seguidores de Jesus não se caracterizará por doutrinas, nem por ritos, nem por normas morais. O único distintivo deve ser o amor manifestado em todas e em cada uma de suas ações. Jesus funda uma comunidade que experimenta Deus como amor e cada membro, fazendo-se filho(a) e irmão(ã), prolonga esse amor.
Texto bíblico: Jo 13,31-35
Na oração: Faça uma leitura das “marcas” do Amor de Deus em sua vida; crie um clima de ação de graças.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI
24.04.2013