“Que vossos rins estejam cingidos e as lâmpadas acesas” (Lc 12,35)

 

As insistentes recomendações que recebemos, ao iniciar uma viagem aérea, contém um tom de advertência séria: somos informados que vamos passar por um momento de certa gravidade e nos recordam que a decolagem e a aterrissagem são momentos de risco e de instabilidade; por isso é preciso preparar-se e dispor-se. O aviso “afivelem seus cintos de segurança” corresponde ao imperativo “tende os rins cingidos e as lâmpadas acesas”, proferido por Jesus no Evangelho deste domingo. Tal apelo equivale a mobilizar-nos para realizar um trabalho, uma viagem, uma missão...

 

As advertências são necessárias, porque facilmente nos fechamos ao nosso habitual modo de viver, caindo na acomodação e na falta de atenção àquilo que acontece ao nosso redor. Continuamente estamos diante do novo e do imprevisível e preferimos nos fixar no que é passado e já conhecido, pois nos dá a impressão de segurança. Com isso não avançamos e nem crescemos. Perdemos ricas oportunidades.

 

É inútil se esquivar da passagem do tempo e suas consequências, não escutar seus avisos e dissimular seus efeitos. Facilmente enterramos nossa cabeça na areia, evitando tomar consciência daquilo que pede de nós uma atitude, colocar-nos de pé e sair ao seu encontro bem cingidos. O tempo exige decisão, pois o tempo é sempre novo e nos abre a novas possibilidades. Somos “seres de travessia” mas a tentação a permanecer na “margem conhecida” é contínua.

 

Em que consiste, então, “ajustar o cinto” e “cingir-se”? De imediato, consiste na decisão de assumir a frágil existência, habitá-la com sentido e começar a acolher as mudanças que a passagem do tempo vai introduzir nela. Gostemos ou não, estamos diante de uma etapa diferente das anteriores, na qual, junto a evidentes perdas, apresentam-se novas oportunidades. E dispomos também a assumi-la a partir de uma atitude de radical confiança em Deus, seguros de Sua presença e Sua companhia, em todo e qualquer tempo.

 

As palavras de Jesus são também hoje um chamado a viver com lucidez e responsabilidade, sem cair na passividade ou na letargia. Vivemos tempos densos, carregados de presença e que pedem de nós uma prontidão. Tempo para tomar consciência dos medos, receios e resistências despertados pela “travessia” da vida; tempo para tirar de dentro de nós aquelas amarras que impedem o fluir da vida.

Não é a hora de apagar as luzes e irmos dormir. É a hora de reagir, despertar nossa fé e seguir caminhando para o futuro, projetando e promovendo caminhos novos de fidelidade ao projeto de Jesus.
 

Como manter viva a esperança? Como não cair na frustração, no cansaço ou no desânimo? Nos Evangelhos, encontramos diversas exortações, parábolas e chamados que só tem um objetivo: manter viva a responsabilidade do seguidor de Jesus. Uma das advertências mais conhecidas é a que encontramos no Evangelho deste domingo: “Tende cingido vossos rins e suas lâmpadas acesas”.

 

As duas imagens são muito expressivas. Indicam a atitude que os empregados devem ter quando, à noite, estão esperando que regresse seu senhor para abrir-lhe a porta da casa quando ele os chamar. Devem estar com a “cintura cingida”, ou seja, com a túnica presa à cintura para poder mover-se e atuar com agilidade; devem estar com as “lâmpadas acesas” para ter a casa iluminada e manter-se despertos.

 

A vida do seguidor de Jesus é um contínuo estar em alerta, estar sempre despertos, estar sempre em espera, estar sempre dispostos. Ele precisa viver com os olhos abertos às vindas surpresas de Deus; precisa estar com os ouvidos atentos para escutar seus passos; precisa viver sempre em prontidão para abrir a porta de seu coração.

 

As palavras de Jesus não contém nada de ameaça nem de cobrança; não alimentam um ego fechado nem sustentam nenhuma ideia de mérito. São palavras de sabedoria que convidam, ao contrário, a despertar para a Realidade que somos.  Despertar é uma das palavras básicas de todas as tradições de sabedoria. Todas elas nos alertam de que facilmente nos submergimos no sono da ignorância, crendo ser o que não somos e desconectados do que realmente somos; e esta é a fonte de muitos sofrimentos.

 

A condição humana pode ser definida em termos de “espera radical”  ou de “esperança”. Porque nos definimos como radical espera, caímos na tristeza, quando vislumbramos um futuro ameaçador, ou nos entusiasmamos, pensando alcançar algo que nos agrada. O filósofo Gabriel Marcel fez uma análise penetrante das atitudes humanas de esperança e desespero. Esperar, para ele, é passar do “tempo fechado” para o “tempo aberto”, da superfície do “devir” para a profundidade do eterno, da fugacidade do “ter”  para a plenitude do “ser”.

 

A esperança, ao abrir-se para o futuro imprevisível, benfazejo e plenificante, cria o espaço vital que permite a realização daquilo que interiormente é desejado e buscado (“buscar e encontrar a Vontade divina”). Desesperar, pelo contrário, é fechar-se sobre si mesmo, enclausurar-se no tempo, que não faz mais que passar mecanicamente, sem trazer nada válido para a construção de algo novo. O futuro perde toda sua surpresa e mistério, feito mera repetição de experiências cristalizadas.

 

A espera tem, sem dúvida, um significado ativo; a espera não pode se separar da busca e do encontro, do atuar. Esperar é ousar re-nascer, vir-de-novo, re-começar... na fulgurante arte de tecer a vida naquilo que ela tem de mais íntimo e profundo. A espera, quando é carregada de amor e presença, faz crescer e conhecer regiões do coração até então desconhecidas e inexploradas. Não mais confundir espera com impaciência. A dinâmica da espera inclui a surpresa. Esta certeza constitui o centro da experiência de fé. Por isso, a espera é sempre agradecida e confiada, uma autêntica sede de Deus. Brota uma certeza: o Esperado, quando chega, ultrapassa sempre o que se espera.

“Da aurora ao anoitecer, estou sentado à minha porta. Sei que, quando menos o penso, virá o feliz instante em que o verei. Enquanto isso, sorrio e canto sozinho; enquanto isso, o ar está se enchendo do aroma da promessa” (Tagore).

 

A esperança, neste início de século e de milênio, parece ser ainda mais urgente e necessária. Os homens e mulheres deste tempo, carentes de certezas, parecem ter perdido a firmeza das antigas “verdades eternas”, rocha onde se alicerçava a esperança cristã.

 

A esperança é como uma “memória do futuro”; tem caráter profético.  E, enquanto o anuncia, de certa forma, o prepara. Precisamente por vivermos tempos difíceis, precisamos mais do que nunca da pequena e teimosa esperança. Pois “a esperança é uma filhinha que todas as manhãs acorda, lava-se e faz a sua oração com um rosto novo” (Péguy).

 

A esperança é a disponibilidade de alguém engajado numa experiência de comunhão, que oferece o penhor e as primícias do que se espera. Nesta esperança nos alegramos, mesmo nas horas mais difíceis e escuras da nossa vida. Esta é a esperança que desejamos viver comunicar ao mundo; é a esperança que dá calor e sentido às nossas esperas.

 

Texto bíblico:  Lc 12, 32-48

                        

Na oração:  O ser humano é um ser de “espera”.  Nesta vida, todos nós esperamos algo que está sempre à nossa frente, além das nossas possibilidades atuais. O nosso coração está habitado por esperanças de todo gênero. O que nos diferencia é a qualidade, a consistência e o realismo das nossas esperanças.

- Em quê estou colocando a minha capacidade de esperar?  

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj