Épocas existem em que parece haver uma concordância generalizada em relação a crenças, valores e costumes. Quando mais abrangentes, falamos da Idade Média como uma época dominada pela religião ou, quando mais modestos, nos referimos ao tempo de nossa infância. À distância, agora, o mundo parece ter sido assim. Terá sido mesmo? Aí, como se diz, são outros quinhentos. O que lembra um verso de Fernando Pessoa: “Fui feliz outrora? Fui-o outrora agora”. Hoje, ao contrário, não apenas assistimos a uma dispersão generalizada do que se crê, mas nos habituamos a defendê-la como um princípio. Entretanto, um olhar mais atento já percebe, aqui e ali, sinais de que esse cenário, antes entendido como absolutamente libertário, corrói a possibilidade da construção daquele mínimo de compartilhamento que torna possível a vida humana em comum.

 

É crescente o sentimento, mesmo que não tematizado, de que a segmentação de nossas cidades – bairros e regiões com circulação cada vez mais interna –, acompanhada da crescente indisposição de discutir com quem diverge de nós, trai o próprio significado da cidadania. Não é outra coisa o que Aristóteles quis dizer quando nos definiu, a nós, os humanos, como animais políticos, animais que vivem, e só podem viver humanamente, na proximidade uns dos outros.  Diante desse panorama, já que nenhum dos dois caminhos habituais parece satisfatório - ambos nos isolam: seja o do medo, seja o do ódio – resta a alternativa com que sempre podemos contar: retomar a conversação.

 

Ricardo Fenati

Equipe do Centro Loyola