O diário prossegue, cuidadoso com o que parece estar, a custo, vindo à tona, mas  sem deixar de anotar a dor em volta e que atinge amigos, professores e tanta gente cara a ela. Mas nenhuma aventura interior é uma linha reta e contínua: “em momentos quase extáticos acho que posso fazer maravilhas, para em seguida afundar de novo no mais profundo poço de incertezas... Isso acontece porque não trabalho de maneira diária e regular naquilo que acredito ser meu talento: a escrita... a graça divina tem que encontrar uma técnica bem preparada em suas escassas aparições”.

A literatura é uma paixão, companhias como Rilke e Dostoiévski estão sempre por perto. Uma e outra vez ela se refere ao que, mais adiante, escreveria. Mas a hora é sombria, o ódio está muito próximo: “O grande ódio contra os alemães, que envenena a própria alma, é um problema atual... Expressões como “deixe que todos se afoguem, corja, têm que ser dedetizados fazem parte das conversas cotidianas e às vezes dão a sensação de que não é mais possível viver nesses tempos.” Ela toma posição e está certa de que é preciso indignar-se, mas diz que o ódio indiferenciado é o que há de pior, é uma doença da alma: “O ódio não é da minha natureza...Se chegar a tal ponto neste momento, de realmente odiar, então estarei ferida na alma e deverei procurar uma cura o mais rápido possível.”

O que mais tarde aparecerá a todos nós, retrospectivamente, como um percurso  espiritual de longo alcance é forjado nesse cenário onde a atenção a si é, ao mesmo tempo, uma forma de ler o mundo à sua volta.

Ricardo Fenati

18.11.2019