Há uma frase, de um grande pensador cristão, Jacques Maritain, menos lido hoje do que deveria ser, que continua a me impressionar. Da frase, ele diz que se ocupa do pecado do angelismo, ou seja: “A recusa da criatura a submeter-se ou ser governada por quaisquer das exigências da ordem natural.” Recusar, não acolher, negar são condutas que caracterizam nossa humanidade, sempre ciosa/desejosa de mais, avessa a qualquer limite. E o corpo, assim como o espírito, se fosse possível separá-los, tem seu contorno, tem suas exigências. Do lado do corpo, uma dor inédita, um coração que fraqueja, uma disposição que já não temos, entre outras senões, tudo isso assinala que algo se passa em nós, uma ordem natural, à nossa revelia. Claro, muitos cuidados podem ser tomados, mas não há como obter um senhorio infinito. Do lado do espírito, é Pascal que nos lembra que “o coração tem razões que a razão desconhece.” A razão, esse lugar, tantas vezes orgulhoso, recebe instrução de fora, ela não se encerra em si mesma? Não é algo que inventamos? Ora, de que peso nos livramos quando reconhecemos uma verdade ali onde o recurso à razão é insuficiente.

Tudo isso nos convoca a uma certa humildade? O reconhecimento de que somos menos do que desejávamos ser e ainda assim prosseguir, é isso a humildade? É reconhecer que, ao modo do rei da história, há sempre algo que não conseguimos cobrir, uma nudez que recusamos a ver.  Essa é uma lição geral, atinente à condição humana como um todo. Mas a questão se coloca, de modo dramático, para cada um de nós. Uma dose de soberba sempre nos acompanha, seja na ilusão de nossa superioridade, seja na alegação de que nossas derrotas se devem ao desconhecimento do valor que estamos certos de ter. Humildade é reconhecer, sem ressentimento, os que estão onde gostaríamos de estar? É aceitar que, quase sempre, que o que temos é mais do que o esforço desprendido por nós? Que há sempre algo que recebemos? E que até o título que gostaríamos de ter, humildes como ninguém mais, é mero orgulho? Suportemos em silêncio, porque não há virtude boquirrota, o fardo do limite. Talvez isso venha a ser um bom começo.

Ricardo Fenati

Equipe do site

12.12.2024

imagem: pexels.com