Permanece a comoção provocada pela renúncia de Bento XVI e, mais, estende-se, geográfica e culturalmente, para áreas que, pelo menos explicitamente, se mantinham desinteressadas de temáticas associadas ao Vaticano ou, de uma forma geral, ao catolicismo. A mídia, com as exceções de sempre, se debruça sobre o fato com a avidez e o ritmo que lhe são característicos, mas, não raro, passa ao largo da complexidade da questão. Artigos mais consistentes, mais intrigantes, vindos do interior do pensamento católico, assinalam que, talvez, a Igreja Católica esteja diante de uma crise/oportunidade de proporções bem maiores do que à primeira vista imaginávamos.
O que brevemente alinhavo a seguir o faço como católico, interpelado que sou, como todo católico, pelo gesto de Bento XVI. Sem querer desconhecer a importância dos fatores já apontados como a causa da renúncia – saúde debilitada, escândalos financeiros/sexuais, disputas internas, entre outros -, entendo ser proveitoso ver na renúncia o que ela revela de profético. A gravidade do gesto, claramente assinalada por Bento XVI, é suficiente para nos convencermos de que as razões, que apontam para o futuro, prevalecem sobre as causas, que vêm do passado. Afastando-se, Bento XVI reconhece os limites de um desenho institucional, encerra um ciclo e abre um espaço que nos interroga a todos e a cada um dos católicos em particular.
A meu ver, o que a renúncia põe em cena é a urgência de pensar a identidade e a o sentido do cristianismo enquanto projeto civilizatório. Não se trata de atender apenas demandas específicas, algumas delas de muita importância, mas de rever a potência do ideário cristão enquanto leitura e interpretação da experiência humana. Desafios dessa natureza não são inéditos: o cristianismo medieval, interrogado pela alteridade representada pela chegada do pensamento grego, viu-se às voltas com a necessidade de um autoexame. Recusando, de um lado, a mera capitulação diante da novidade e, de outro, a teimosa reiteração da tradição, os pensadores cristãos, já no espaço das universidades, se debruçaram sobre as fontes do cristianismo. Partindo delas, aproximaram-se do pensamento grego e deram origem ao percurso – fé e razão - a que pertencemos ainda hoje.
Certamente podemos aprender alguma coisa com esse episódio. A vitalidade de uma instituição depende da sua capacidade de enfrentar o que ameaça apequená-la, destruí-la ou, mesmo, opor-se a ela. Talvez o gesto de Bento XVI, profético, possa ser lido como uma interpelação serena, mas firme, para que saiamos do interior dos muros que nos protegem – e, não raro, nos enfraquecem – e aceitemos a mesa de conversação aí onde ela é proposta.
Para pensar na quinzena:
“ A renúncia do Papa me pareceu um gesto de grandíssima nobreza, humildade e dignidade ao mesmo tempo. Eu não sei o que ela vai mudar na vida da Igreja, mas indubitavelmente irá marcá-la de forma positiva, pela força que o exemplo tem em si.”
( Marco Vannini)
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
15.03.2013