O próprio de uma conversa, de uma conversa efetiva, é que ela não se encerra. Contínua, cheia de curvas, incessantemente recomeçada, sempre renovada, a conversa é fiel à complexidade e diversidade do mundo da vida. Se a conversa cotidiana decorre da busca, tão humana, de auto-expressão, não é menos verdade que constitui um exercício tão necessário quanto impossível de decifração do mundo. Assim, a conversa é, em igual medida, uma prova de confiança e de humildade. Sabemos alguma coisa, mas sabemos pouco, sabemos pouco, mas sabemos alguma coisa.

 

A atividade chamada conhecimento, à qual de dedicam instituições como universidades, é o prolongamento, muitas vezes refinado, da conversa milenar da humanidade. E mais: garantida pela liberdade, distanciada das urgências da vida, geradora de uma riqueza cultural sempre em expansão, o conhecimento remove muitas das barreiras que cercam e limitam a leitura habitual do mundo, essa de que vivem as conversas. Desse modo, parecem ter razão os que, na esteira do iluminismo, associam conhecimento e liberdade pessoal, maioridade e cultivo da razão.

 

Entretanto, se, de um lado, a atividade chamada conhecimento confirma o acerto da audácia de conhecer, por outro lado, costuma, com freqüência, perder de vista um traço inseparável da conversação, o reconhecimento da inevitável incerteza que cerca tudo o que sabemos. Quando instalada em supostas verdades incontroversas,  imunizadas contra qualquer discussão, a atividade do conhecimento perde o que mais a identifica, a fidelidade à riqueza do mundo, o acolhimento da finitude a que pertencemos. Certezas incontroversas, apesar de ilusórias, são outras tantas fontes de opressão e desmentem o que torna o conhecimento uma atividade humanizadora, a saber, o acolhimento do mistério que, vindo da vida, nos interroga sempre.

 

 

Diante disso, talvez seja uma tarefa de nosso tempo a recuperação do sentimento da infinitude do mundo, traço precioso que a conversação, a conversação efetiva, sempre preservou.

 

Para pensar na quinzena:

“ O teu desejo deve ser como um navio lento e majestoso, navegando no oceano infinito e não à procura de um local onde largar a âncora. E de súbito, inesperadamente, dar de cara com um local onde ancorar por um momento.” (Etty Hillesum)  

 

Ricardo Fenati

Equipe do Centro Loyola