Para alguns, e não são poucos, é clara a associação entre desamparo e crença religiosa. Mais que uma associação, haveria uma espécie de direção causal: acreditamos porque visamos escapar de nosso desamparo. Como em toda questão humana importante, as tentativas de respostas devem sofrer sempre alguma ponderação. Não há dúvida que o desamparo na vida de qualquer um de nós pode levar à crença religiosa, assim como para outros a crença religiosa brota de outra fonte que não o desamparo. Será possível avançar para além dessa mera constatação? Pode ser, pelo menos devemos tentar. O que pode ser alegado como fonte que não o desamparo, de resto tão evidente? Se a crença religiosa for uma reação ao desamparo, ela seria apenas isso, uma reação, uma recusa de se haver com aquilo que parece ser, além de um dado de realidade, toda a realidade.
Talvez isso deve ser matizado, ou mesmo contraposto a um outro dado, igualmente real. A existência humana, mesmo ressalvado o desamparo que a envolve, é também um enigma, é, objetivamente, um enigma. Sabemos menos que gostaríamos e mesmo o que sabemos está, a todo tempo, sob investigação. Se não parecer uma afirmação abusiva, podemos afirmar que o saber, por sua vez, está desamparado de fundamento, está sempre sujeito a desmentidos. Qualquer saber está em disputa, mesmo a própria natureza do conhecimento, o alcance e os limites do que entendemos por racionalidade. E bem mais que isso: novos saberes, vindos da compreensão do universo, da sociedade ou do indivíduo são difusivos, ou seja, repercutem sobre o que imaginávamos saber. Essa dimensão de provisoriedade, essa rede de saberes em estado permanente de reformulação, não indicam a possibilidade de ver na crença religiosa, não tanto, ou não unicamente, uma reação ao desamparo? Por que não ver no discurso religioso, tão amplamente diversificado, um esforço de decifração, ao lado de outros, disso que estamos chamando de enigma? O espanto e a admiração, essas fontes clássicas do saber, não desencadeiam a possibilidade do discurso religioso, dada sua proximidade tão singular com a lição da finitude em relação ao que nos excede?
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
03.07.2025
imagem: pexels.com