Um poema de  Wislawa Szimborska, a  poeta polonesa, fala da desatenção e diz coisas como “Ontem me comportei mal com o universo. /Vivi o dia inteiro sem indagar nada, sem estranhar nada.” E mais adiante: “o savoir-vivre cósmico,/ embora se cale sobre sobre nós,/ainda assim nos exige algo:/alguma atenção, umas frases de Pascal/ e uma participação perplexa nesse jogo/de regras desconhecidas.”

Essa defesa do espanto aparece, lá com os gregos, como a origem da filosofia, como o lugar de onde brota nosso desejo de compreensão. Uma oposição tradicional ao espanto vem das nossas obrigações rotineiras, da repetição dos pequenos rituais que o cotidiano impõe. É assim mesmo, há um cotidiano a ser cumprido, o que não significa que, fascinados com essa pequena ordem, nós devemos transferi-la para a amplitude da vida. Assim fazia o homem prático, o que zombava de quaisquer exercícios da imaginação, o que se irritava com tudo o que não estivesse diante dos seus olhos ou dos seus interesses mais imediatos.

Hoje não é mais apenas o homem prático que se opõe ao espanto. É, pelo contrário, o que sabe demais, o que julga tudo compreender, o que padece da ilusão, muitas vezes de forma enraivecida, de que o há para compreender já está compreendido. Assim o desprezo pela atenção, defendida pelo homem prático, se une à insistência na certeza, cultivada em meios supostamente ilustrados, ao modo de duas faces de uma só moeda.

Contra ambos é preciso defender o direito à atenção, ao reconhecimento da porção de estranheza presente na existência humana e no universo que habitamos. Será preciso aceitar um pouco mais de silêncio e acolher o inevitável limite do que nos parece, ilusoriamente, um saber exaustivo. Como somos viajantes tardios, não estavam nos começos, não somos capazes de antever os fins. Portanto, o que nos cabe é fazer avançar a compreensão onde for possível, sem esquecer que é da natureza da luz ser acompanhada da sombra.

Talvez a poeta, ou a poesia tenha mesmo razão: “...alguma atenção, umas frases de Pascal e uma participação perplexa nesse jogo de regras desconhecidas.”

Ricardo Fenati

Equipe do site

04.05.23