Um dito medieval, "Deus só conta até um", dá o que pensar. Assinala, sem retoques, a extensão e a profundidade de nossa singularidade, esse território sem fim que habitamos. Singularidade que, mesmo diante de Deus, portanto, diante do que quase absolutamente nos excede, continua sendo uma experiência aguda. Surgidos do gesto criador de Deus – e toda criação é uma retirada, um recuo, a geração de um espaço -, estamos na existência a sós, de forma irreversível, sem retorno. Cada um dos lugares que ocupamos ao longo de nossas vidas, e que fazem parte da aventura humana, assenta-se sobre essa estranha abertura que nos funda e que, mesmo explorada permanecerá sempre um enigma para nós.

 

Singularidade que, entretanto, não se dissolve na solidão, no encerramento em si mesmo. Se na existência somos, cada um, o que mais ninguém é, somos, também, atraídos uns pelos outros, solidários na mesma origem a que pertencemos e inquietos, lado a lado, diante da vida que nos cabe, a todos, cotidianamente tecer.

 

Para pensar na quinzena:

“ Continuo a não conseguir encontrar o tom certo para aquele sentimento de firmeza e felicidade que há em mim, onde também se incluem todo o sofrimento e tristeza. Ainda uso um tom de filosofia livresca, exatamente como se tivesse inventado uma teoria consoladora para tornar a minha vida um pouco mais agradável. Por enquanto, é melhor aprender a calar-me e a ser” (Etty Hillesum)

 

Ricardo Fenati

Equipe do Centro Loyola